segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Vale do Silício e o Renascimento – A Internet e o Livro Portátil

ARTIGOS ESPECIAIS

29/06 - 10:20

O Vale do Silício e o Renascimento – A Internet e o Livro Portátil

São Paulo, 29 de junho de 2009 - Conforme o prefácio do livro “Silicon Valley: 110 Year Renaissance” (J.R. McLaughlin, L.A. Weimers, W.V. Winslow, S. McBurney & K. Costas, Santa Clara Valley Historical Association; 2a edição, 2008), parte do que faz o Vale do Silício pulsar é o compartilhamento do conhecimento. As fronteiras que num certo momento isolavam empresas ou departamentos acadêmicos são violadas não apenas na indústria, mas no campus, criando uma fertilização cruzada e uma nova sinergia. Daí saíram visionários que experimentaram a aplicação de computadores no desenvolvimento de novos medicamentos, assim como o uso de raio laser em dispositivos médicos. Diversos gargalos técnicos ou de gerenciamento foram dissolvidos pelo simples ato de compartilhamento de informações e experiências. E um dos principais, e dos mais revolucionários veículos de compartilhamento de conhecimento e informações da humanidade é, sem dúvida, o texto. Na medida em que o texto pode ser produzido e disseminado o mais ampla e facilmente possível, surgem oportunidades extraordinárias para a humanidade. No Renascimento, o livro portátil. No Vale do Silício, o computador pessoal e a internet. Entre muitas, aí está uma das semelhanças fundamentais entre a era do Vale do Silício e a era do Renascimento.

Com efeito, há certos períodos na história em que descobertas e eventos, tanto politicos quanto tecnológicos, criam uma janela dentro da qual a civilização tem a oportunidade de dar um grande salto à frente. Uma dessas oportunidades foi a convergência de eventos e invenções que deram origem a uma era de descobertas, e que hoje conhecemos como o Renascimento. Se tivéssemos que identificar um único evento que possa ter disparado esse processo, não seria exagero apontar para o advento da Peste Negra, a praga mortal. O desaparecimento do trabalho barato levou à busca por inovações que propiciassem a diminuição da dependência da força de trabalho e, consequentemente, a invenções cruciais. Os principais avanços durante o Renascimento foram sem dúvida a prensa (ou máquina de imprimir), a bússola e a pólvora. A prensa e o desenvolvimento de técnicas de produção e distribuição de livros de custo acessível e de transporte fácil propiciaram a primeira revolução da informação. Por sua vez, a pólvora e a diminuição drástica da força de trabalho mudaram a paisagem política de uma sociedade feudal, enquanto que a bússola permitiu as grandes viagens de descobrimento do Novo Mundo. O fato é que o Renascimento foi uma época de invenções, realizações empreendedoras, e explorações muito semelhantes àquelas ocorridas no Vale do Silício. A convergência do computador pessoal, a tecnologia de roteamento que permitiu que plataformas de computadores diferentes se comunicassem, e o fim da Guerra Fria, que abriram caminho para a democratização da internet, tudo isso foi crucial para a nova revolução da informação.

O fenômeno conhecido desde os anos 1970’s como Vale do Silício pode ser tracejado às suas origens nos anos 1890’s quando o então magnata Leland Stanford estabeleceu uma universidade em Palo Alto, localidade situada a 60Km ao sul de San Francisco, e adotou como princípio norteador que seus alunos não apenas ganhassem conhecimento mas fossem capazes de aprender no mundo real. Desde os pioneiros, professores de Stanford estiveram imbuídos deste princípio, e a história registra ali no Vale uma interação inigualável entre a academia e a indústria, com resultados extrapolando de forma nunca dantes vista a partir dos anos 1970’s com o estabelecimento da indústria dos transistores e microprocessadores baseados no silício. O espetacular desenvolvimento da eletrônica de semicondutores se auto-alimentava: estava em vigor a chamada Lei de Moore, enunciada pelo ex-chairman da Intel em 1965, que previa um crescimento fenomenal na capacidade de processamento dos microprocessadores nos próximos 40 anos. Engenheiros ambiciosos, empreendedores, e executivos começaram a ver o Vale do Silício como uma espécie de Meca da modernidade. Em muitos casos vinham diretamente para a indústria, em outros com uma parada em Stanford ou na Universidade da Califórnia em Berkeley para um PhD ou um MBA – para aprender uma nova cultura de empreendimentos e tecnologia. Tudo isso transformou o Vale num magneto de invenção, empreendedorismo e investimento . De clima favorável, e com uma cultura aventureira e de muita tradição em estímulo à criatividade, o Vale foi aos poucos experimentando uma onda de energia criativa e intelectual comparável ao que ocorreu em Florença na época do Renascimento. Aos olhos dos investidores de capital privado, tudo ali se parecia com o novo Eldorado. Formou-se um ecossistema um tanto único de inovação, empreendedorismo, tecnologia, investimento e produção de riqueza.

Em depoimento ao filme documentário produzido com base no livro supracitado, Lisa Jardine, Professora de Estudos do Renascimento, Queen Mary College, London, chama a atenção para um dos mais importantes resultados do Renascimento: a globalização do comércio. E vai mais além ao descrever o principal paralelo entre o Renascimento e o Vale do Silício. Em ambos os casos, aconteceram duas “revoluções da informação”: a primeira, a invenção da prensa (Johannes Gutenberg, 1398-1468) seguida da concepção de livros pequenos e de custo acessível; a segunda, a invenção do computador pessoal e da internet. “Tendemos a pensar no Renascimento como uma época de produção artística (quadros, esculturas, etc.), mas isso foi mais decorrência que origem. O Renascimento foi, na verdade, uma época de empreendedorismo: o brotar do comércio internacional foi o fator mais predominante do Renascimento. Pessoas que começaram como mercadores, rapidamente se tornaram príncipes.”

No mesmo documentário, Charles Geschke, fundador da Adobe Systems, destaca o enorme impacto sócio-econômico da imprensa escrita, e vislumbra que a internet terá impacto ainda mais patente. Frederico Faggin, inventor do dispositivo eletrônico conhecido como “porta de silício” (em inglês, “silicon gate”) e do microprocessador, fundador da ZYLOG e Synaptics, diz acreditar que arte hoje não é mais pintura ou escultura, é criar idéias e padrões. E nisso o Vale do Silício tem sido extremamente produtivo.

Em seu depoimento, Isaac Chuang, físico quântico, afirma que as coisas mais complicadas que costumávamos construir eram edifícios, casas, cidades. Agora são os chips de silício.

Scott Cook, fundador e chairman da Intuit, lembra a importância da invenção do livro como veículo de aceleração da disseminação do conhecimento e do progresso: normalmente se credita a Gutenberg a invenção da imprensa, mas 50 anos mais tarde entra em ação o italiano Aldus Pius Manutius (1449/1450–1515), versão latinizada do seu nome orginal Teobaldo Mannucci, que congrega inovações como a prensa, a obtenção de conteúdo dos clássicos gregos e dos mestres romanos, e a utilização de fontes tipográficos compactos, e, fundamentalmente, o conceito de editora ou distribuidora de livros. Seu legado no quesito publicação inclui as distinções do fonte itálico e a introdução do livro barato em formato encadernado em pergaminho que era lido da mesma forma que livros de capa mole modernos. Pode-se dizer que Manutius foi o inventor do chamado “livro de bolso”, ou livro facilmente transportável. Sua edição da Opera de Virgílio (1501) nesse formato estabeleceu um marco fundamental. Curiosamente, o uso do “itálico” foi introduzido não como ferramenta de ênfase (como é costume hoje em dia), mas com o propósito de se compactar o texto impresso e permitir a produção de livros em formato portátil.

Conta-se que o primeiro livro impresso, na concepção da palavra, foi a Bíblia, que não se caracterizou exatamente como um livro facilmente transportável. (Em 1455, possivelmente tendo iniciado em 1454, Gutenberg produziu cópias de um “folio” belamente executado da “Biblia Sacra”, com 42 linhas em cada página.) No entanto, como lembra Jim Clark, fundador da Silicon Graphics e fundador e ex-chairman da Netscape, a noção de livro transportável foi fundamental no Renascimento. Em depoimento ao documentário supra, produzido em 1998, Clark já revelava que, diferentemente de alguns conservadores, acreditava, que dentro de cerca de 10 anos o computador estaria substituindo o livro: seria possível transmitir um livro, uma revista, ou um jornal através das telecomunicações. E, nessas circunstâncias, diversas pessoas começariam a usar esta como a mídia primária. Hoje existe o “livro-eletrônico” da Amazon, Kindle, além de outros dispositivos tecnológicos que seriam o correspondente ao computador portátil transformado em livro.

Conforme a Wikipedia, o Kindle é uma plataforma de software e hardware desenvolvida pela Lab126, subsidiária da Amazon.com, para leitura de livros-eletrônicos (em inglês, “e-books”) e outras mídias digitais. Até o momento três dispositivos eletrônicos, conhecidos como "Kindle", "Kindle 2," e "Kindle DX" suportam essa platforma, assim como a aplicação para o iPhone chamada "Kindle for iPhone". O primeiro dispositivo foi lançado nos EUA em 19/11/07. Os Kindle’s usam displays de “papel eletrônico” do tipo E-Ink, e permitem baixar conteúdo através da rede Whispernet da Amazon usando a rede EVDO da operadora Sprint. Em recente entrevista a Steven Levy na conferência “Disruptive by Design”, organizada pela revista Wired, Jeff Bezos diz: “Fico incomodado hoje quando tenho que ler um livro físico....O livro físico teve uma grande sobrevida de 500 anos, mas é hora de mudar.” Não apenas o próprio conceito de livro, mas muitas mudanças fundamentais, sejam elas econômicas, culturais, tecnológicas, ou sociais, ainda hoje se processam devido ao que tem ocorrido, e ainda ocorre no epicentro do Novo Renascimento. Apesar de ter passado por uma grande crise no início do milênio com o estouro da chamada “bolha da internet”, o processo de transformação da sociedade através de uma nova revolução da informação permanece firme. Desde a esfuziante entrada da Netscape na bolsa de valores em 1996, bilhões de dólares foram investidos em startups, e empresas sem um plano de negócios sólido receberam avaliações “nas alturas” de Wall Street. Chegou a se parecer com uma era de esbórnia nunca vista, com escritórios dispondo de cadeiras de US$800. Quando a bolha estourou em 2000, ocasião em que Nasdaq perdeu 75% de seu valor e centenas de empresas tiveram que fechar, parecia que tudo aquilo havia sido “exuberância irracional”, segundo Michael Malone em sua resenha do livro “Once You're Lucky, Twice You're Good – The Rebirth of Silicon Valley and the Rise of Web 2.0”, de Sarah Lacy (Penguin, 2008). O livro conta a estória de empreendedores que nunca desistiram do sonho da internet. Aprenderam, sim, a lição, com o estouro da bolha, e recentemente criaram novas empresas Web transformadoras. As empresas de internet de primeira geração —como Amazon e eBay— simplesmente trouxeram o comércio offline para o ambiente online. Mas a segunda iteração das chamadas “ponto-com” — referidas como Web 2.0 — vem com o propósito de aproximar as pessoas. Portais de redes sociais como Facebook e MySpace permitem o encontro de amigos online; por sua vez, o YouTube propicia que qualquer pessoa disponibilize videos para que outros possam assistir; a Digg.com permite que os usuários da internet votem nas notícias mais relevantes do dia.

Enfim, são muitos os sinais de que o Novo Renascimento segue firme proporcionando a segunda revolução da informação, e não parece ter dia marcado para acabar.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 29/06/2009, 10:20hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2550358,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 29/06/2009, 10:10hs,

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/06/29/o_vale_do_silicio_e_o_renascimento__a_internet_e_o_livro_portatil_49246.php

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Perspectiva, Propósito, e Paixão em Empreendimentos de Alta Tecnologia

ARTIGOS ESPECIAIS

18/06 - 19:40

Perspectiva, Propósito, e Paixão em Empreendimentos de Alta Tecnologia

São Paulo, 18 de junho de 2009 - Representante típico do empreendedor em alta tecnologia do vale do silício, Jen-Hsun Huang (co-fundador, presidente e CEO da NVIDIA Corporation), não se furta a destacar a importância dos elementos “paixão” e “propósito” no caminho para o sucesso num setor tão competitivo e tão dinâmico como a tecnologia da informação. “Ser pioneiro com uma empresa é mais que construir produtos. É também estabelecer uma cultura própria da empresa. Como é que você organiza hierarquias e estruturas? Há muito de tentativa e erro, mas é também um processo orgânico. É preciso se dar conta de que, para adquirir essas competências, intelecto e treinamento são importantes para uma evolução bem sucedida – mas não bastam. Realizadores precisam de paixão e propósito acima de tudo”, afirma Huang numa palestra aos alunos do programa de empreendedorismo da Stanford University. Em tom mais pragmático, Huang lembra que é fundamental se construir uma perspectiva própria: “Todo mundo tem uma perspectiva, mas chamá-la de ‘visão’ implica em elitismo e exclusão.” A NVIDIA surgiu em 1993 como a primeira empresa de computação gráfica em 3D voltada para o mercado consumidor, e enfrentou mais de 200 competidores em poucos anos, e mesmo assim é hoje a única remanescente no setor, apesar dos fartos recursos e espalhamento global de outros atores do setor que detinham talento de qualidade e tecnologia. A perspectiva da NVIDIA foi a primeira da sua classe, e os resultados têm revelado um novo sentido de senso comum que é, ao mesmo tempo, perturbador do status quo. Essa perspectiva – e não visão – permitiu que a empresa criasse nova tecnologia, novos mercados, novos clientes, e amplo sucesso. O fato é que, sob a liderança de Huang, a NVIDIA se tornou uma das maiores empresas de semicondutores do mundo, tendo recebido inúmeros prêmios de negócios e tecnologia incluindo o “Fastest Growing Companies” da Forbes, o “Top 40” da revista Wired, e a “Empresa do Ano” da Stanford Business School. Segundo o “Steam Hardware Survey” (levantamento mensal do tipo de computador usado pelos clientes de vídeo game), NVIDIA teve, em números de Maio de 2009, 65,38% do mercado de placa de vídeo para PCs.

Levando-se em conta somente a indústria de vídeo game, verifica-se o tamanho da importância econômica da NVIDIA: mesmo com a retração na economia e o aumento do desemprego, Daniel Ernst, analista da Hudson Square Research, estima que o montante de vendas de vídeo games para o ano fiscal americano terminando em Março chegue a US$28,7 bilhões, um aumento anual de 13%, atingindo um volume maior que os US$27 bilhões da indústria do cinema. Dados revelados pela Entertainment Software Association durante a recente E3 (exposição anual da indústria do video game) em Los Angeles, a partir de números da In-Game Advertising Worldwide, os orçamentos das marcas corporativas para a propaganda “in-game” (i.e., dentro do vídeo game) aumentou de aproximadamente US$30 mil a US$40 mil por campanha há cerca de dois anos para nada menos que US$600 mil por campanha hoje em dia. Outros números impressionantes: em matéria especial da agência Reuters, foi revelado que entre os 40 mais ricos homens de negócios do Japão, quem mais aumentou sua fortuna no período 2007-2008 foi o já 1o colocado, e um tanto discreto, chairman da Nintendo, Hiroshi Yamauchi, cuja fortuna chegou a US$ 3 bilhões, triplicando em relação ao ano anterior graças ao enorme sucesso de vendas da console Wii.

Não obstante, como disse Charlie Rose em introdução ao entrevistado Jen-Hsun Huang em 05/02/09, “NVIDIA é muito mais que a força-motriz de vídeo games para PCs: computação visual está revolucionando muitos aspectos de nossas vidas, desde smartphones e computadores de mão, a equipamentos médicos de varredura e de exploração de energia.” Em resposta à pergunta inicial de Rose (“o que foi que você e sua empresa contribuíram para o mundo, e com o que estamos nos deparando?”), Huang declara: “inventamos um produto chamado GPU (‘Graphics Processing Unit’, unidade processadora de gráfico) que torna possível que vejamos informação através do computador de uma maneira que não era possível anteriormente”. Em analogia ao deslocamento de relevância observado no universo do software, em que a Google leva vantagem sobre a Microsoft caso a tendência para a computação nas nuvens prevaleça, Huang sugere que a GPU pode estar trazendo para si um maior grau de relevância que a própria CPU de um computador. Essa é sem dúvida uma perspectiva um tanto própria, que tem de ser levada em conta em razão de todas as evidências recentes apontando para um crescimento de demanda por computação visual.

"Quando você está na indústria de tecnologia,... se você não estiver se reinventando, você está morrendo lentamente," diz Huang. É preciso que os líderes de mercado canibalizem seus próprios produtos, pois novas idéias forçarão as empresas a abandonar suas próprias tecnologias e processos no caminho do progresso. “Se você não assumir essa atitude com seu próprio negócio, seus competidores certamente o farão por você. O fato é que o mercado não fixa o preço, mas a competição sim. E a função de um gestor eficaz é decidir como alocar os recursos para o melhor retorno, e se o caminho escolhido tem valor para a empresa”, continua Huang. Tudo que deu certo numa empresa de tecnologia tem que em algum momento ser desconstruído e reconstruído novamente, e esse é um dos mais sufocantes desafios por trás uma liderança eficaz. Trata-se de tarefa ao mesmo tempo gratificante e destrutiva, e ainda assim uma demanda inexorável do mercado nesse setor.

Como testemunha recente de seu espírito constantemente renovador, num momento em que os consumidores estavam começando a entender o conceito de “netbook” — aqueles PCs menores que laptops — a NVIDIA anunciou que pretende mostrar competências multimídia de dispositivos baseados no seu chip Tegra (um processador de arquitetura integrada, “sistema-num-único-chip”, derivada da família ARM de chips de conjunto reduzido de instruções, projetado para dispositivos móveis tais como smartphones, PDA’s e MID’s. A empresa conversou recentemente com Ashlee Vance (“Forget Netbooks; Now Mini-Laptops Are Smartbooks”, Wall Street Journal, 29/05/09) sobre a possibilidade da indústria lançar laptops que incluem telas removíveis, dentro das quais haveria um chip Tegra que permitiria que a própria tela obtivesse acesso à internet e processasse dados. Dessa forma, o consumidor adquiriria um laptop e um leitor de livro eletrônico (“e-reader”) ao mesmo tempo.

Ao mesmo tempo que mantém um olho nas tendências do mercado, a NVIDIA, liderada por um típico empreendedor do Vale do Silício formado na Stanford University, cuida em guardar o sentido ao mesmo tempo criativo e experimentador (científico) tão crucial nesse setor: em 2008 a empresa firmou parceria com Stanford como membro fundador do Laboratório de Paralelismo Pervasivo, cujo objetivo é desenvolver novas técnicas, ferramentas e materiais de treinamento para permitir que engenheiros de software tirem o máximo proveito dos sistemas de computação multi-processadores. Numa outra parceria com a alma mater de Huang, a NVIDIA colabora com pesquisadores de Stanford no projeto “Folding@home” de computação distribuída que utiliza a potência de computação das GPU’s e de computadores subutilizados para simular a montagem de proteínas de modo a ajudar a encontrar cura para doenças que ameaçam vidas.

De sua parte, Huang, um ex-aluno do mestrado em engenharia elétrica de Stanford, anunciou em Setembro de 2008 uma doação de US$30 milhões para ajudar a construir uma nova unidade na Escola de Engenharia, o “Jen-Hsun Huang School of Engineering Center”, que deverá estar concluído até o final do primeiro semestre de 2008. Em seu pronunciamento, Huang declara: "A Escola de Engenharia de Stanford é uma principal fonte de energia intelectual para o Vale do Silício e além (…) Estou orgulhoso em ajudar a escola a construir um quartel general que encorpa seus planos para o futuro – um lugar para onde as pessoas vêm juntas para criar a próxima geração de conhecimento e tecnologia."

Eis aqui mais um caso que justifica chamar Stanford de “Nova Florença”, e o que ali se processa de “Novo Renascimento”.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Prontuário Médico Eletrônico - Eficiência e Interoperabilidade com Proteção à Privacidade

ARTIGOS ESPECIAIS

16/06 - 19:30

O prontuário médico eletrônico - Eficiência e interoperabilidade com proteção à privacidade

São Paulo, 16 de junho de 2009 - Em todo o mundo a população online a cada dia se aproxima da população total: em poucos anos, o acesso online passou de ser um luxo para ser essencial. A convivência cibernética toma vulto, e é cada vez maior a disponibilização pública de dados sensíveis, que, se manipulados inapropriadamente, podem trazer enormes prejuízos aos sujeitos associados a tais informações. Particularmente sensíveis são as informações sobre o histórico de saúde, ou o “prontuário médico” de um cidadão. O propósito de serviços tais como o Google Health (produto da Google, lançado em Março de 2008, para gerenciar informações sobre registros de saúde de forma análoga à que o Gmail trata dos registros de mensagens eletrônicas) e o Microsoft HealthVault é prover acesso, envio, gerenciamento, compartilhamento e controle dos chamados “prontuários médicos eletrônicos” (em inglês, “electronic health records”, abrev. “EHR”) de um indivíduo. As entidades provedoras de tais serviços declaram ao seus usuários estarem prontas para “organizar todas as suas informações sobre saúde em um só lugar”, “reunir registros médicos provenientes de médicos, hospitais, e farmácias,” e “compartilhar suas informações de modo seguro com um membro da família, médicos ou provedores de cuidados médicos”. Adicionalmente, serviços online não se limitam à organização e ao compartilhamento de prontuários médicos eletrônicos. Empresas de genômica pessoal tais como 23andMe, Navigenics, Knome, e deCODE oferecem testes genéticos individuais que podem dotar o consumidor de novos serviços: desde determinar suas chances de contrair diabete, até identificar suas raízes ancestrais, tudo isso através de parceria com laboratórios de análise de DNA.

Segundo um relatório da MITRE Corporation (“Electronic Health Records Overview”, Abril 2006), empresa contratada pelo National Institutes of Health (NIH) para acompanhar a modernização da tecnologia da informação no que diz respeito à assistência à saúde, em conformidade com a Health Information Management Systems Society (HIMSS), “o ‘Electronic Health Record’ é um registro eletrônico longitudinal de informação de saúde do paciente gerado por um ou mais encontros em qualquer cenário envolvendo o fornecimento de cuidados médicos. Incluídos nessa informação estão a demografia do paciente, notas progressivas, problemas, medicações, sinais vitais, história médica passada, imunizações, dados laboratoriais, e relatórios de radiologia. O EHR ajuda a automatizar e padronizar o fluxo de trabalho de um clínico. Além disso, o EHR tem a capacidade de gerar um registro completo de um encontro clínico de um paciente, assim como dar suporte a outras atividades relacionadas aos cuidados médicos direta ou indiretamente através de interface—incluindo suporte à decisão baseada em evidência, gerencimento de qualidade, e registro de resultados.” Um EHR é gerado e mantido dentro de uma institutição, tal como um hospital, uma rede integrada de serviços clínicos, uma clínica, ou o consultório de um clínico geral. Um EHR não é um registro longitudinal de todos os cuidados fornecidos ao paciente em todas os lugares no tempo. Registros longitudinais podem ser mantidos num sistema de informação de saúde nacional ou regional. Portanto, EHR’s projetados de forma customizada ou que residem em outras bases não são cobertos pelo relatório da MITRE. Na realidade, o relatório dá uma panorâmica das características e funções dos principais EHR’s e analisa como eles estão sendo usados em centros médicos acadêmicos (em inglês, “academic medical centers”, abrev. AMC). Tais AMC’s estiveram entre os pioneiros no desenvolvimento dos EHR’s automatizados, e muitos AMC’s hoje se deparam com a escolha de evoluir ou substituir seus sistemas de EHR’s. Os sistemas comerciais (em inglês, “Commercial-off-the shelf”, abrev. COTS) podem se constituir numa solução atraente e de boa relação custo-benefício, e tiveram um papel importante na definição de algumas estruturas de dados necessárias, vocabulários e interfaces apropriados para pesquisa clínica, e por isso usar COTS em cenários nos quais estão envolvidos AMC’s pode melhorar a qualidade da coleta e do compartilhamento de dados de formas que promovem melhor gerenciamento das pesquisas clínicas e descoberta científica. Porém alguns AMC’s continuam a acreditar que os EHR’s customizados são mais adequados que os chamados COTS EHR’s.

Os primeiros EHR’s começaram a aparecer nos anos 1960’s, sendo o TDS da Lockheed um dos pioneiros. Muitos dos EHR’s de hoje são baseados no trabalho pioneiro realizado em AMC’s para organizações governamentais, entre eles: COSTAR (“Computer Stored Ambulatory Record”), desenvolvido em Harvard, e disponibilizado no domínio público em 1975; HELP (“Health Evaluation through Logical Processing”), desenvolvido no Latter-Day Saints Hospital da Universidade de Utah (e trazido ao mercado pela 3M Corporation); TMR (“The Medical Record”), produto do Duke University Medical Center; THERESA, do Grady Memorial Hospital, Emory University; CHCS (“Composite Health Care System”), sistema de registros do cuidado clínico do Departmento de Defesa dos EUA e usado amplamente no mundo inteiro; DHCP (“De-Centralized Hospital Computer Program”), desenvolvido pela Administração dos Veteranos de Guerra e também usado mundialmente.

Apesar de todo esse histórico, ainda é muito pequeno o percentual de hospitais americanos que têm um sistema completo de tecnologia da informação de saúde (em inglês, “health information technology”, abrev. HIT) funcionando para melhorar a assistência a seus pacientes, conforme um estudo recente publicado em 26/03/09 no portal do New England Journal of Medicine (“The Use of Electronic Health Records in U.S. Hospitals”, por A.K. Jha, C.M. DesRoches, E.G. Campbell, K. Donelan, S.R. Rao, T.G. Ferris,A. Shields, S. Rosenbaum e D. Blumenthal). Um levantamento com 2.952 hospitais mostra que apenas 1,6% usam EHR’s completos, e cerca de 7,6% usam uma espécie de EHR restrito em pelo menos uma unidade que inclui anotações do clínico e de enfermeiras. Um dos autores do estudo, Ashish Jha, professor associado na Harvard School of Public Health, afirma que “os US$19 bilhões de ajuda federal são um bom começo mas é apenas a primeira prestação, pois há ainda uma grande montanha a escalar.” O estudo é baseado em dados coletados em 2008, e mostra que a tendência é que instituições urbanas de ensino e de grande porte mais provavelmente que outros hospitais disponham de EHR’s, em parte devido aos altos custos de manutenção. Antes desses resultados, um outro estudo liberado também em 2008 pelo mesmo grupo mostrou que apenas 17% de médicos estão usando EHR’s, e somente 4% utilizam EHR’s completos. Ambos os estudos revelam que a maior barreira para a adoção de HIT entre os hospitais ainda é o custo. Sistemas de HIT podem custar entre US$20 milhões e US$100 milhões, dependendo do tamanho do hospital e da complexidade do sistema. Para piorar ainda mais, muitos dos benefícios dos sistemas de HIT podem não dar o retorno esperado ao hospital que faz o investimento. Ironicamente, se os hospitais se tornarem mais eficientes, eles podem até perder dinheiro em termos de menores reembolsos provenientes de companhias seguradoras, e isso torna ainda mais difícil a adoção de HIT por diversos hospitais. Aliás, é justamente nessa busca por uma maior eficiência no sistema nacional de assistência à saúde que o Presidente Obama tem apostado todas as suas fichas, e o caminho natural é a convocação da tecnologia da informação. Os sistemas de EHR’s têm grande potencial de melhorar a eficiência, a qualidade, e a relação custo-benefício do sistema americano de assistência à saúde. Ao que tudo indica, o Congresso americano acredita nesse potencial, assim como boa parte dos principais atores do setor. Por outro lado, há também quem afirme estar sendo depositada uma expectativa demasiada nos EHR’s no sentido da melhora no sistema de assistência à saúde americano. Em uma matéria recente no Washington Post (“5 Myths on Health Care's Electronic Fix-It”, 26/04/09), Tevi Troy (vice-secretário do Department of Health and Human Services no período 2007-2009) se pergunta se os EHR’s são a panacéia para resolver todos os males da assistência à saúde, e, embora reconhecendo que representam uma grande promessa, conclui que ainda estão em sua infância. Um dos benefícios será reduzir os erros médicos – como, por exemplo, médicos prescreverem medicações a pacientes com uma alergia a algum componente da medicação – que matam cerca de 98 mil americanos por ano. Um estudo bastante citado da Rand Corp. mostrou que os EHR’s poderiam economizar US$77 bilhões anualmente e potencialmente eliminar 200 mil reações adversas relacionadas a drogas. Há, no entanto, um estudo mais recente (“Health Information Technology And Patient Safety: Evidence From Panel Data”, por Stephen T. Parente e Jeffrey S. McCullough, publicado em “Health Affairs” 28(2):357-360, 2009) que afirma que embora uma literatura extensa mostre o valor da tecnologia da informação para a saúde em instituições acadêmicas líderes, seu valor mais amplo ainda é desconhecido. Buscando estimar o efeito da tecnologia da informação em medidas fundamentais de segurança do paciente, e usando quatro anos de dados do sistema Medicare (programa de seguro-saúde administrado pelo governo americano especialmente voltado para maiores de 65 anos ou que atendam critérios especiais), o estudo revela que os EHR’s têm um efeito positivo pequeno na segurança do paciente, ainda que seja preciso investir mais na base de evidência necessária para melhor avaliar seu impacto.

Em seu artigo, Troy também chama a atenção para o fato de que a crença generalizada de que, ao subsidiar os EHR’s, o governo estará estimulando a economia ou a própria adoção dos EHR’s no curto prazo, pode ser uma ilusão. O pacote de estímulos contém pagamentos de bônus de US$44 mil a US$64 mil a clínicos que adotem os EHR’s, começando em 2011 e se estendendo até 2015, com o maior montante sendo gasto em 2014. A partir de então, os medicos que não usarem EHRs podem ser penalizados. Porém, mesmo se a lei disse que a verba deveria ser usada antes, o Department of Health and Human Services não está nem um pouco pronto com as regras de pagamento, padrões de certificação ou definições de termos chave tais como "uso significativo," que estão previstos para o final de 2009. O estímulo federal aos EHR’s poderia, na realidade, servir como um anti-estímulo porque as empresas de tecnologia da informação poderiam ficar relutantes a desenvolver novos produtos até que o governo estabeleça os padrões de certificação. Além do mais, tanto médicos como hospitais, ao avistar a promessa dos dólares federais a 20 meses de distância, muito provavelmente não comprarão seus novos sistemas até que o dinheiro do governo comece a fluir.

A rigor, além do seu alto custo de implantação, uma outra barreira a ser suplantada para a ampla adoção de EHR’s é a interoperabilidade que permita uma troca fácil de informações entre os envolvidos, desde hospitais a clínicos gerais. Atualmente, o mercado está muito fragmentado com diversos padrões e vários fabricantes. Um grande passo em direção a uma melhor interoperabilidade foi dado recentemente quando a IBM, em colaboração com a Google e a Continua Health Alliance (que inclui Nokia, Intel, e Panasonic) anunciaram em 05/02/09 a disponibilidade de um novo software para o manuseio de informações do Google Health que pode inclusive habilitar dispositivos médicos pessoais para monitoração, acompanhamento e avaliação rotineira de pacientes, a alimentar automaticamente os resultados na conta do paciente no Google Health ou outro prontuário médico eletrônico.

O pacote de medidas de recuperação econômica intitulado “American Recovery and Reinvestment Act” – ARRA, aprovado no início de 2009 pelo congresso americano, inclui provisões para aumentar o uso de tecnologia de registros médicos eletrônicos e, ao mesmo tempo, fortalecer as proteções de privacidade e segurança para informações médicas. Entre outras coisas, o ARRA reconhece que há novos tipos de entidades baseadas na web que coletam e/ou manuseiam informações de saúde sensíveis do consumidor. Algumas dessas entidades oferecem sistemas de armazenamento e manuseio de registros médicos eletrônicos, que os consumidores podem usar como repositório eletrônico individualmente controlado para suas informações médicas. Outras disponibilizam aplicações online através das quais os consumidores podem rastrear e gerenciar os diferentes tipos de informação contida nos seus prontuários médicos eletrônicos. Por exemplo, o consumidor pode conectar um dispositivo tal como um pedômetro a seu computador e carregar a quantidade de kilômetros caminhados, o ritmo de batimento cardíaco, e outras informações de saúde. Tais inovações têm o potencial de trazer enormes benefícios ao consumidor, que obviamente só virão se o consumidor tiver confiança na segurança e na confidencialidade de tais registros médicos eletrônicos.

De forma a lidar com tais questões, o ARRA requer que o Department of Health and Human Services conduza um estudo e reporte, em consulta com a Federal Trade Commission (FTC), sobre os requisitos de notificação de vazamento, segurança e privacidade da informação para os fornecedores de registros pessoais de saúde e entidades relacionadas. O estudo e o relatório devem estar completos até Fevereiro de 2010, e nesse ínterim o ARRA determina que a FTC estabeleça uma regra temporária requerendo que essas entidades notifiquem o consumidor se a segurança de suas informações de saúde for violada. Em 16/04/09 a FTC anunciou o primeiro passo na implementação desse requisito. Segundo a proposta, os fornecedores de EHR’s devem notificar à FTC em no máximo cinco dias úteis a descoberta de um vazamento que afete 500 ou mais indivíduos, ou, para vazamentos afetando menos de 500 indivíduos, manter um log a ser submetido anualmente à FTC.

Em resposta à convocação da FTC, a Patient Privacy Rights, uma organização sem fins lucrativos baseada em Austin (Texas), fundada por Deborah Peel, e dedicada a garantir ao cidadão americano o controle de todo acesso a seus prontuários médicos, enviou carta em 01/06/09 fazendo especificamente quatro recomendações: (1) que a FTC enumere com mais detalhes os tipos de entidades que a regra interina proposta cobrirá, considerando que as plataformas de prontuários médicos Google Health e Microsoft HealthVault deveriam ser incluídas, assim como as empresas de genômica pessoal tais como a 23andMe, e os portais de serviços médicos e relacionados à saúde como o WebMD, também sejam incluídos; (2) que a FTC esclareça de forma mais incisiva a distinção entre “acessar” e “adquirir”, e exija das entidades que apóiem determinações de que nenhuma aquisição ocorreu, isto é, a FTC deveria exigir que uma entidade determine se um acesso não-autorizado levou a uma aquisição por meio de uma re-criação da tela que trouxe a informação, ao mesmo tempo que deveria requerer que as entidades mantenham logs por um período de 7 anos especialmente nos casos em que a entidade determina que não houve aquisição não-autorizada; (3) que a FTC deveria esclarecer que em qualquer momento em que informações pessoais de saúde sejam publicadas online, elas tenham sido “adquiridas” para os propósitos da regra, dada a ampla exposição em potencial e a dificuldade associada com a segurança perene de tais dados; (4) que a FTC reconsidere sua posição de que dados de-identificados podem ser excluídos da regra interina proposta em todas as instâncias. Segundo a PPR, a intenção do Congresso americano com o ARRA não foi criar novos portos seguros, mas proteger a privacidade das informações sensíveis de saúde dos americanos. Há uma “base razoável para se acreditar que as informações de-identificadas podem ser usadas para (re-)identificar um indivíduo,” pois é extremamente difícil de-identificar ou anonimizar completamente dados de saúde.

A verdade é que o caminho para uma verdadeira revolução tecnológica na assistência à saúde passa por uma corda bamba extremamente estreita que divide a eficiência e a interoperabilidade de um lado, e a proteção à privacidade do outro lado. Mas há que evoluir, porém sem perder a privacidade jamais!

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 16/06/09, 19:03hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?parms=2536995,408,100,5

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Startups criam Empregos

ARTIGOS ESPECIAIS

08/06 - 07:30

Startups criam Empregos

São Paulo, 8 de junho de 2009 - Conforme a Wikipedia, uma “startup” (ou “start-up”) é uma empresa com uma história de operação limitada. Essas empresas, geralmente recém-criadas, estão numa fase de desenvolvimento e pesquisa por mercados, e por essa razão não têm acesso a crédito nos moldes tradicionais. É aí que entram os investidores de capital privado (investidor anjo, capitalista de aventura, etc.), que são atraídos pela relação entre risco e recompensa, além da escalabilidade de tais empresas: se, por um lado, os riscos são maiores, por outro lado, os custos de inicialização são mais baixos e o retorno no investimento é potencialmente recompensador. Startups bem sucedidas são frequentemente mais escaláveis que empresas já estabelecidas porque tipicamente crescem mais rapidamente mesmo com limitações de capital e de força de trabalho. A empresa deixa de ser uma startup à medida que sobrevive às diversas fases de evolução, desde o período verdadeiramente inicial chamado “vale da morte” em função do altíssimo risco enfrentado, até se tornar rentável ou entrar no mercado de bolsa de valores através de um IPO (abreviação de “initial public offering”, oferta pública inicial), ou ainda deixar de existir como uma entidade independente através de uma fusão ou aquisição por empresa maior. O termo é usualmente associado a empresas de tecnologia com alto potencial de crescimento, e se tornou popular internacionalmente durante o período do estouro da bolha ponto-com quando um grande número de empresas de internet foram fundadas. A maior concentração da atividade de criação de startups está localizada no Vale do Silício, uma região no norte da Califórnia em torno da Stanford University.

Em meio a um recorde de desemprego, um estudo de Janeiro passado do US Census Bureau financiado pela Ewing Marion Kauffman Foundation já mostrava que empresas startups são um principal ator na criação de empregos. As “Estatísticas de Dinâmica de Negócios” (Business Dynamic Statistics) indicam que enquanto as startups de negócios diminuem levemente na maioria das baixas cíclicas, tais empresas permanecem robustas mesmo na mais severa recessão durante o mesmo período de amostragem (no início dos anos 1980s). Os dados das BDS mostram que o emprego contabilizado ao setor de empresas privadas startups dos EUA durante o período 1980-2005 foi de cerca de 3% por ano. Embora ainda uma pequena fração do total de empregos, esses postos de startups refletem novos empregos, que é uma grande percentagem comparada com a média anual líquida de crescimento de empregos no setor privado nos EUA para o mesmo período (cerca de 1,8%). Tal padrão implica que, se forem excluídos os empregos das novas empresas, a taxa líquida de crescimento do emprego nos EUA é negativa na média. Em outras palavras, o relatório indica que, de 1980 a 2008, as startups, definidas nesse caso como empresas com menos de 5 anos, foram responsáveis por todo o crescimento líquido de empregos nos EUA.

Um relatório mais recente da Kauffman (“High Growth and Failure of Young Firms”, 07/04/09) mostra que empresas muito jovens (um ano de existência) apresentam uma taxa de crescimento do emprego de cerca de 15%, caso sobrevivam, mas cerca de 20% dos empregos são perdidos devido ao fechamento de negócios durante o primeiro ano. Empresas mais maduras (29 anos ou mais), por outro lado, criam empregos a uma taxa de cerca de 4%, e têm uma taxa semelhante de perda de empregos devido ao fechamento. Um dado interessante é que, entre as empresas sobreviventes, as taxas médias de crescimento do emprego diminuem com a idade da empresa. Segundo Robert Litan, vice-presidente de Pesquisa e Política da Kauffman Foundation, “como empresas empreendedoras geralmente assumem riscos maiores e têm o potencial de criação de empregos que corresponde a crescimento rápido, os dados revelam a necessidade de que se assegure um ambiente que permita aos empreendedores acesso a financiamento, orientação e outros recursos que os ajudará a sobreviver e progredir.” E foi nesse espírito que, em palestra recente ao Programa de Empreendedorismo da Stanford University (“Emerging Opportunities in a Post IT Marketplace”, 11/02/09), Thomas Siebel lembrou que no perído de 1980 a 2000, a indústria da tecnologia da informação, impulsionada por uma lei tecnológica (“Lei de Moore”) e uma lei jurídica (“Bayh-Dole Act”), experimentou um crescimento anual sem precedentes de 17%. Naquele período vigoravam nos EUA políticas públicas extremamente favoráveis a investimentos de risco. “Risco era um problema dos negócios, não um anátema.” A Lei de Moore (“o número de transistores que podem ser colocados a custo razoável num circuito integrado cresce exponencialmente, duplicando aproximadamente a cada dois anos”) levou a um ambiente em que as oportunidades de negócios pareciam não ter limite. Mudanças na tecnologia eram substituições totais, ao invés de incrementais, o que significava que todo cliente tinha que comprar e continuar comprando ou se ver ficando para trás na obsolescência. A Lei Bayh-Dole de 1980 permitiu que as universidades poderiam escolher reter o título de invenções desenvolvidos sob programas com fundos federais, desde que (1) o produto resultante fosse substancialmente produzido nos EUA, (2) ao comercializar uma invenção, a universidade deveria dar preferência a empresas pequenas (menos de 500 empregados), (3) a universidade deveria compartilhar com o(s) inventor(es) uma parte da receita recebida do licenceamento. E o resultado foi incentivo à inovação, empreendedorismo, a absorção de conceitos amplos tais como propriedade do empregado de base ampla, e um ambiente regulatório largamente favorável aos negócios.

Mas, segundo aponta o relatório, e é repetido num artigo do Wall Street Journal (“Start-Ups Create - And Lose - The Most Jobs”, 07/04/09), em termos de crescimento e sobrevivência, empresas jovens estão melhores e piores que empresas mais maduras. E esse padrão “sobe e desce” enfatiza a natureza de tentativa e erro das empresas jovens que parece ser uma característica inerente à dinâmica de negócios nos EUA.

Em artigo recente no portal VentureBeat.com (“StartUpHire says venture-backed startups really do create Jobs”, 20/05/09), Anthony Ha revela alguns números representativos da oferta de empregos das startups: o portal StartUpHire diz que atualmente lista mais de 10.000 empregos em 2.500 empresas. Por sua vez, o portal Startuply lista 1.037 empregos em 957 startups. Geograficamente, 37% desses empregos estão na Califórnia, e em termos do tipo de indústria, 31% estão em software, sem falar nos 18% em “IT Services” (“serviços de tecnologia da informação”. Os números confirmam o papel do Vale do Silício e da Stanford University no espetacular desenvolvimento de novas soluções tecnológicas, sobretudo na área da tecnologia da informação. Conforme o portal do “Office for Technology Licensing” (OTL) de Stanford, o mundo pensa no Vale do Silício como o um dos maiores centros de atividade de start-up e que a comunidade de Stanford desempenha um papel importante, e isso é verdadeiro pois a mair parte das startups "Stanford" são criadas por ex-alunos de Stanford que se graduam e se tornam empreendedores. Embora a grande maioria dessas empresas sejam formadas sem o envolvimento de Stanford, muitas brotaram da Universidade pelas mãos de professores e estudantes, tomando por base tecnologias criadas no campus. Desde a criação do OTL em 1970, Stanford registra um histórico invejável: 546 invenções renderam royalties; das 7500 revelações (“disclosures”) de invenção, 2814 estão ativas, e 36 delas renderam mais de US100 mil em royalties, das quais 3 ultrapassaram a marca dos US$1 milhão. No período 2007–2008, o OTL permitiu que Stanford recebesse mais de US$62,5 milhões em receita bruta de royalties de 344 tecnologias. Nesse mesmo período o OTL concluiu 107 novas licenças e avaliou 430 novas descrições de invenção em 2008.

O trecho de uma palestra de Larry Page (co-fundador da Google) proferida em 2002 no Programa de Empreendedorismo de Stanford traduz bem a relação entre conhecimento e empreendimento que predomina em Stanford: “A ciência como inspiração”. Page diz que “há tremendas oportunidades para se usar pesquisa básica e boas idéias que você ou outras pessoas tenham.” Em trecho de documentário sobre Stanford e o “Novo Renascimento” (“Silicon Valley: A 100 Year Renaissance”, 1998), o ex-reitor e hoje Editor da revista Science, Donald Kennedy, declara que “Stanford sempre teve afeição por aplicações assim como por teoria”.

Nesse espírito e em nota triste, porém emblemática, registre-se aqui que Rajeev Motwani, ex-orientador de doutorado de Larry Page e Sergey Brin (co-fundadores da Google), Professor de Ciência da Computação de Stanford, morreu em 05/06/2009 num acidente na piscina em sua casa na Califórnia. Motwani era muito conhecido por sua pesquisa em Computação Teórica, a ponto de em 2001 ter sido um dos agraciados com o prestigioso Prêmio Gödel, além do Okawa Foundation Research Award e da Arthur Sloan Research Fellowship. Foi também um ávido investidor anjo, um dos primeiros investidores na Paypal, um consultor especial da Sequoia Captial, e tinha fundado ou ajudado a fundar várias startups bem-sucedidas que saíram de Stanford, incluindo Google, e outras ainda em fase de desenvolvimento como TokBox, Tapulous, Flowgram, Anchor Intelligence, Simply Hired, e Kaboodle. Atuava como membro do conselho de diretores de diversas startups, tais como Mimosa Systems, Adchemy, Baynote, Vuclip e Stanford Student Enterprises, além de ser membro ativo da Business Association of Stanford Engineering Students (BASES). Em seu blog, Sergey Brin declara que “desde que a Google emergiu de Stanford, Rajeev permaneceu um amigo e conselheiro da mesma forma que foi com muitas pessoas e startups desde então.”

Tudo indica que o equilíbrio entre a busca do conhecimento e a sua transformação em empreendimento é o grande segredo do sucesso de Stanford. Sem maniqueísmos do tipo “a academia é distanciada da realidade”, ou “o mercado não se interessa pela descoberta do conhecimento”, Stanford segue adiante sem sucumbir ao espírito do dono da galinha dos ovos de ouro. Oxalá exemplo tão nobre seja seguido por muitos!

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 08/06/2009, 07:30hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2528369,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 08/06/2009, 12:17hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/06/08/startups_criam_empregos_47967.php


segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Uso de Cookies e a Violação da Privacidade - O Caso NebuAd

ARTIGOS ESPECIAIS

30/05 - 23:00

O Uso de Cookies e a Violação da Privacidade - O Caso NebuAd

São Paulo, 30 de maio de 2009 - A indústria do anúncio online está no cerne da economia da internet. Conforme um levantamento recente da PriceWaterhouseCoopers (“IAB Internet Advertising Revenue Report”, Março 2009), as receitas com anúncio online continuam a bater recordes: nos EUA chegaram a U$6,1 bilhões no último trimestre de 2008, um aumento de 4,5% em relação ao trimestre anterior (US$5,8 bilhões) e de 2,6% em relação ao último trimestre de 2007 (US$5,9 bi). As receitas totais em 2008 atingiram a marca de US$23,4 bilhões, 10,6% a mais que os US$21,2 bilhões registrados em 2007. Segundo Randal Rothenberg, CEO da Internet Advertising Bureau, “estamos assistindo a um deslocamento secular contínuo [da propaganda] das mídias tradicionais para a mídia online à medida em que os marqueteiros reconhecem que os dólares de anúncios investidos na mídia interativa são eficazes em influenciar consumidores e em produzir resultados mensuráveis. Nessa economia de incertezas, onde marqueteiros sabem que precisam fazer mais com menos, o anúncio interativo provê as ferramentas para que eles possam construir relacionamentos profundos e envolventes com os consumidores – a experiência que os marqueteiros ganham com isso lhes trará dividendos especialmente depois que a economia volte ao ritmo normal.” Um relatório recente da Nielsen confirma a tendência: se, por um lado, o investimento em anúncio online por parte do setor financeiro, vendas a varejo e automóveis diminuiu a um passo forte nos últimos seis meses, por outro lado, os fabricantes de produtos empacotados, a indústria farmacêutica e as empresas de telecomunicações, 3 dos maiores investidores em propaganda, estão vindo para a internet num ritmo nunca visto. Com tudo isso, no entanto, a indústria do anúncio online mostrou também que, mesmo não estando livre da recessão econômica, vem sofrendo menos que o restante da economia. Os números divulgados em 01/05/09 pelas 4 maiores arrecadadoras de receitas com anúncio online (Google, Yahoo, Microsoft, e AOL) sobre o 1º trimestre de 2009 revelam uma queda de 2% em relação ao ano anterior, e de 7% em relação ao último trimestre de 2008. O fato é que o ritmo de crescimento dessa indústria tem desacelerado desde o início da crise, mas esse é o primeiro trimestre a experimentar um verdadeiro declínio em receitas. Somente a Google não teve resultado negativo.

A bem da verdade, a propaganda na internet tem suas vantagens: (1) oferece publicação imediata de anúncios sem limitação de geografia ou de tempo; (2) pode ser personalizada através do rastreamento de usuários espacialmente sobre diferentes portais e sobre o tempo; (3) oferece mais facilidade para se mensurar o interesse do consumidor nos anúncios através da contagem de “clicks” sobre o anúncio. Em nome da usabilidade e da monetização de seus portais, empresas de conteúdo de internet normalmente interagem com domínios de terceiros para integrar anúncios e daí gerar receita. Na verdade, um novo modelo de negócios baseado em anúncios online criou novas oportunidades para blogueiros, jornais, e aplicações web. Até mesmo os usuários têm sido beneficiados pelo anúncio online pois ele financia o acesso livre a conteúdo e serviços de valor inestimável. Por exemplo, jornais oferecem artigos gratuitamente online e geram receita a partir dos anúncios. Igualmente, a Google oferece um serviço de correio eletrônico (Gmail) competitivo e gratuito, que exibe anúncios e assim gera receita. Além disso, aos usuários os anúncios online podem trazer informações relevantes, especialmente se o anúncio for direcionado. É por essa razão que, para melhorar a relevância dos anúncios e garantir uma melhor experiência online ao usuário, os anunciantes fazem uso de tecnologias de rastreamento das atividades do usuário por meio da gravação de pequenos arquivos conhecidos como “cookies” no sistema de arquivos do usuário. Segundo a Wikipedia, um cookie é uma cadeia de texto armazenada no computador do usuário por um navegador contendo um ou mais pares ‘nome-valor’ de informações tais como preferências do usuário, conteúdo de carrinho de compras eletrônico, identificador de uma sessão baseada em servidor, ou outros dados usados por portais. É normalmente enviado como um cabeçalho do protocolo HTTP por um servidor para um cliente web, e aí enviado de volta sem alteração pelo cliente a cada vez que ele acessa aquele servidor. O termo "cookie" tem origem no conceito "magic cookie" do sistema operacional UNIX que se referia a um mecanismo de troca de dados entre programas através de um arquivo curto de modo que seu conteúdo tipicamente não tinha significado para o receptor mas serviria para o emissor ao recebê-lo de volta e reabri-lo. Por essa característica “opaca” ao receptor, porém com conteúdo significativo para o emissor, esse arquivo ganhou o nome de cookie em referência ao “fortune cookie” (biscoitinho da sorte).

Os cookies enviados ao servidor que hospeda a página visitada são chamados de “cookies de primeira” (em inglês “first-party cookies”), e são usados pelos servidores para memorizar o estado da conexão, de modo a identificar o usuário numa visita posterior. Como as páginas web podem conter referências a componentes necessários para a boa exibição da página (por exemplo, imagens ou anúncios), os navegadores frequentemente emitem solicitações adicionais através do protocolo HTTP especificamente para esses elementos, que podem estar armazenados em outros domínios. Estes últimos, por sua vez, podem vir a enviar cookies ao usuário, e esses são os chamados “cookies de terceiros” (em inglês, “third-party cookies”), que vão permitir o rastreamento do usuário por parte de terceiros. Conforme sua função, os cookies são classificados em cookies de sessão (que não têm data de validade, mas expiram após o término da sessão), e os cookies persistentes aos quais está associada uma data de expiração.

Em geral, essa “intrusão” pode ser evitada ou controlada pelo próprio usuário através de comandos ou opções disponíveis no software de navegação na internet. Há, no entanto, casos em que o rastreamento excessivo e até subliminar leva a uma ameaça séria de invasão de privacidade. Um desses casos, aliás, um tanto emblemático, parece ter chegado a um desfecho recentemente: a NebuAd, uma empresa americana de propaganda online baseada em Redwood City, California, com escritórios em Nova York e Londres, e com investimentos de Sierra Ventures e de Menlo Ventures (dois grandes nomes do chamado “capital de risco”), após ter sua sentença de morte anunciada desde que o Congresso americano a forçou a mudar sua estratégia de rastreamento do usuário através do provedor de serviços há um ano atrás, finalmente fechou suas portas: em 15/05/09 seus advogados entraram com uma notificação para o Juiz Distrital Edward Chen de San Francisco informando seu fechamento. A NebuAd surgiu como um dos grandes destaques entre as empresas de desenvolvimento de sistemas de anúncio online baseados em direcionamento comportamental associados a acordos com provedores de serviços de modo a lhes habilitar a analisar os hábitos de navegação dos clientes com o objetivo de fornecer anúncios mais relevantes e micro-direcionados. Outras empresas atuando no setor incluem a britânica Phorm, também alvo de acusações de invasão de privacidade, Perftech, Quarad e Front Porch, além das mais recentes Adzilla e Project Rialto. Num certo momento, a NebuAd contava com mais de 30 clientes, na maior parte provedores de acesso à internet, e seus acordos com os provedores cobriam cerca de 10% dos usuários de banda larga dos Estados Unidos.

O produto da NebuAd era composto de três partes: (1) um equipamento hospedado no provedor de acesso à internet que era capaz de inserir conteúdo em páginas solicitadas pelo usuário (e poderia monitorar até 50 mil usuários), (2) um servidor complexo utilizado para analisar e categorizar o conteúdo das comunicações realizadas pelo usuário, e (3) relacionamentos com redes de anunciantes que desejassem oferecer a propaganda direcionada da NebuAd. O regime de participação adotava a política de “opt-out”, isto é, o usuário poderia optar por não participar do esquema de monitoramento (e conseqüente melhora da relevância dos anúncios), mas teria que se manifestar. Não obstante, o usuário não tinha como impedir que o provedor enviasse os dados à NebuAd. Em posição privilegiada, o provedor teria condições de monitorar e analisar, por meio de “deep packet inspection” (inspeção profunda dos pacotes de comunicação, algo como abrir um envelope e observar seu conteúdo, para logo após fechá-lo novamente e repassar adiante) todo o tráfego do usuário. A política de privacidade da NebuAd, no entanto, dizia que a empresa “especificamente não armazenaria ou usaria qualquer informação relacionada a informação médica confidencial, de origem racial ou étnica, de crenças religiosas, ou de sexualidade que estivessem associadas a informações pessoais identificáveis (‘personal identifiable information’).” Por outro lado, a empresa advertia que "as informações que coletamos são processadas nos servidores da NebuAd nos Estados Unidos. Assim, essas informações podem estar sujeitas a requisições de acesso por parte de governos, cortes ou polícia."

Apesar da receita adicional que permitia aos provedores, e da maior relevância dos anúncios oferecidos ao usuário, a NebuAd parecia estar sempre causando preocupação aos defensores dos direitos à privacidade na internet. Havia questionamentos sobre: (1) a falta de transparência dos provedores em relação ao uso dos serviços da NebuAd, (2) um método “opt-out” fraco (seria possível sair do regime de anúncio direcionado operado pelo provedor, mas não necessariamente do regime de entrega de seus dados à NebuAd), (3) a falta de vigilância sobre o que uma terceira empresa faz com o conteúdo das comunicações via internet, (4) os conflitos entre o serviço da NebuAd e as leis de escuta (“wiretap”) americanas, e (5) a recusa da NebuAd em revelar os provedores com os quais tinha parceria. Finalmente, veio um indício forte de que algo estava errado: em 10/03/2008, um usuário da empresa de internet por cabo Wide Open West (WOW) escreveu para o portal DSLreports.com: “a conexão da WOW está forçando conexões e cookies na minha máquina quando visito a google.com.” No dia seguinte outro usuário revela suspeita semelhante: “Achei que vocês gostariam de saber, que estou suspeitando de meu provedor, Wide Open West. Sou da área de Chicagoland, e certamente parece que eles estão permitindo que a NebuAD infecte a rede deles (desculpa, - minha interpretação pessoal...estou bem irritado com isso) e alterando páginas para incluir seus cookies de rastreamento. Até onde sei, não recebí qualquer aviso de que eles estariam tentando essa proeza.”

Após a ampla divulgação das suspeitas dos usuários da WOW, e de outros parceiros da NebuAd, os membros da Câmara dos Representantes Edward Markey (Democrata, Massachussetts, Presidente da Subcomissão de Telecomunicações e Internet) e Joe Barton (Republicano, Texas) enviaram em 16/05/08 uma carta à Charter Communications (quarta maior empresa de comunicações por cabo, e parceira da NebuAd), invocando a desistir dos planos de rastreamento de usuários e convocando para uma audiência pública no Congresso americano. Segundo os signatários, “os planos da Charter Communications de vender informações sobre as atividades online de seus clientes acendem diversas luzes vermelhas. Simplesmente prover um método para usuários sair do regime não é o mesmo que pedir aos usuários para afirmativamente concordar em participar do programa. Essas questões sobre privacidade e o quanto esse empreendimento está consistente com as leis de privacidade nas comunicações devem ser enfrentadas antes que a empresa siga adiante com seus planos." Nesse momento entra em cena Robb Topolski, o mesmo que, também em 2008, provou que a Comcast estava ludibriando seus clientes e violando a neutralidade da rede, dessa vez como técnico responsável pela investigação da NebuAd promovida por Free Press e Public Knowledge, organizações não-governamentais de defesa dos direitos civis na internet. Em 18/06/09 Topolski divulga um relatório técnico intitulado “NebuAd and Partner ISPs: Wiretapping, Forgery and Browser Hijacking” que conclui que a NebuAd usa equipamento especial que “monitora, intercepta e modifica o conteúdo de pacotes da internet” à medida que os consumidores entram na internet. Com um registro detalhado dos testes e análises realizados nas páginas dos usuários e dos provedores parceiros, o relatório afirma que “as práticas da NebuAd se parecem com diversas formas de ‘ataques’ em usuários que têm gerado considerável controvérsia e condenação pelos usuários”: seqüestro de navegador, ‘cross-site scripting’ (um tipo de ataque muito usado por cibercriminosos para roubar credenciais de forma extremamente sutil), numeração única do processador para identificar o usuário (realizada pela Intel em 1999), violação de privacidade tal qual a britânica Phorm, geração de perfis realizada em 2002 pela DoubleClick (empresa de anúncio online adquirida pela Google em 2008), ataque do ‘homem-no-meio’ (uma forma de escuta ativa, em que o atacante se põe entre dois interlocutores e se faz passar por um enquanto se comunica com o outro). Enfim, Topolski conclui que a NebuAd explora os comportamentos de um navegador normal forjando pacotes do protocolo de internet, fazendo com que seus próprios códigos JavaScript sejam injetados no código fonte no qual o navegador confia. E para isso conta com a colaboração do provedor para empreender os ataques contra as intenções do consumidor, contra os projetistas do software do navegador, e contra os donos dos servidores que eles visitam. O código da página web é normalmente baixado completamente a partir de servidores para clientes sobre uma única conexão TCP, e uma vez que a página é baixada, o código obtido é executado pelo cliente. A execução desse código é o que dispara as operações necessárias para baixar imagens e outros recursos da página, e esse código é considerado seguro porque supostamente veio de uma fonte confiada pelo usuário. Entretanto, o código da NebuAd injetado no código fonte de uma página de outrem é um ataque de ‘cross-site scripting’ (XSS), e o comportamento subseqüente de carregamento de cookies que normalmente não carregaria é um seqüestro do navegador. Isso significa que o que a NebuAd fazia era, na realidade, um ataque clássico conhecido como ‘homem-no-meio’.

Graças a Topolski, e para o bem da indústria e do consumidor, a NebuAd afinal se dissolveu.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil (São Paulo), 30/05/2009, 23:00hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?parms=2521114,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 01/06/2009, 08:14hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/06/01/o_uso_de_cookies_e_a_violacao_da_privacidade__o_caso_nebuad_47430.php