terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Incentivo a Novos Empreendimentos de Alto Potencial de Crescimento


O Incentivo a Novos Empreendimentos de Alto Potencial de Crescimento

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Inúmeras são as evidências do papel fundamental da inovação tecnológica como propulsora do crescimento econômico. Com efeito, sobretudo desde os anos 1950’s, economistas e especialistas em políticas públicas têm demonstrado o quão estreita é a relação entre os aumentos em prosperidade econômica e a inovação, seja através de novas descobertas científicas, seja por meio de mudanças incrementais na forma pela qual as unidades fabris ou as prestadoras de serviço desempenham suas atividades. E esse fenômeno vai além das fronteiras do tempo e das nações.
Numa época em que a criação de empregos é o grande desafio, a inovação e o empreendedorismo ressurgem como motores fundamentais do crescimento econômico. À medida em que os governos mundo afora tentam alimentar esses motores, resta saber sob quais princípios deve ser conduzida a intervenção governamental no processo de geração de novos empreendimentos, alguns de natureza intrinsecamente arriscada mas de alto potencial de retorno.
Como bem recorda Josh Lerner, professor da Harvard Business School, e autor de “Boulevard of Broken Dreams: Why Public Efforts to Boost Entrepreneurship and Venture Capital Have Failed-and What to Do About It” (Princeton University Press, 2009), pelo qual recebeu o Global Award for Entrepreneurship Research em 2010, a percepção de que a inovação é crucial ao crescimento econômico tem origem no trabalho pioneiro de Morris Abramowitz de 1956 sobre a relação entre o que a economia americana produziu, isto é, a “saída” da economia, e o que lhe foi alimentado como entrada. Em poucas palavras, Abramowitz chegou à conclusão de que havia apenas duas maneiras de aumentar a saída: (1) aumentando o número de entradas que alimentam o processo produtivo (por exemplo, elevando a idade mínima de aposentadoria dos trabalhadores), ou (2) desenvolvendo novas maneiras de obter mais saída a partir das mesmas entradas.
Após analisar os dados estatísticos, Abramowitz observou que o crescimento das entradas no período de 1870 a 1950 dava conta de apenas 15% do verdadeiro crescimento da saída da economia, e os 85% restantes não poderiam ser explicados pelo crescimento nas entradas. Esse acréscimo na atividade econômica teria tido sua origem a partir de inovações na obtenção de mais resultados em cima das mesmas entradas. Desde então, diversos estudiosos, entre eles Robert Solow, Prêmio Nobel de Economia, obtiveram resultados semelhantes, contribuindo para um consenso no sentido de que o gerador crucial do crescimento eram as mudanças nas formas com que as entradas eram utilizadas. O tamanho desse crescimento não explicado, e o fato de resultados semelhantes continuarem a ser obtidos mesmo com metodologias diversas, têm levado a maioria dos economistas a concluir que a inovação é, de fato, a principal força por trás do crescimento da saída.
É fato que o íntimo relacionamento entre a inovação e o crescimento econômico tem sido amplamente reconhecido. Não apenas os países mais desenvolvidos tais como a União Européia, que tem recentemente considerado o investimento em pesquisa como um de seus objetivos fundamentais nos próximos anos, mas também os países emergentes, como a China, têm incorporado a idéia de que a inovação é crítica para o crescimento. Diversos estudos têm revelado os efeitos positivos do progresso tecnológico em áreas como a tecnologia da informação, e não apenas através da mera identificação de um residual inexplicado. Parece inegável, portanto, que é essencial para o futuro econômico de um país não somente o que ele produz, mas como ele produz. A busca por novas formas de produção parece ser crucial, e nisso o fator de risco pode ser maior do que deseja o espírito conservador.
A literatura acadêmica tem destacado o papel do empreendedorismo e do capital de risco (“venture capital”) no estímulo à inovação. Muitas são as tentativas de examinar a relação entre o tamanho da empresa e o volume de inovação produzido por ela, e, muito embora os resultados se mostrem inconclusivos, há um consenso entre os especialistas no sentido do quão crítico é o papel desempenhado pelas novas empresas nos mais variados setores econômicos. Como sugere Lerner, diversos estudos indicam que os empreendedores e as startups têm um papel fundamental no perceber onde as novas tecnologias podem atender às necessidades do consumidor, e rapidamente introduzir novos produtos.
Nesse contexto, o estímulo governamental à criação de novos empreendimentos de alto potencial de crescimento aliado ao chamado aos investidores de risco se revelam como de importância crítica para o crescimento econômico. Não obstante, se, por um lado, políticas públicas criteriosas podem influenciar positivamente as oportunidades, por outro lado, iniciativas mal conduzidas correm o risco de desperdiçar o dinheiro do contribuinte. É nesse espírito que Lerner, em “Boulevards of Broken Dreams”, avalia diversos casos de intervenção governamental no estímulo às chamadas venturas de alto potencial de crescimento, concluindo com uma série de recomendações para a implementação criteriosa do apoio governamental de atividades empreendedoras de alto risco em tecnologia , de modo que os erros de experiências mal sucedidas não sejam repetidos.
Os principais eixos globais de inovação tecnológica – Vale do Silício, Cingapura, Tel Aviv – todos trazem marcas do investimento governamental. Exemplos mais recentes, alguns bem sucedidos, outros nem tanto, incluem Jamaica, Dubai, Nova Zelândia, Bangalore, e as províncias de Guangdong e Zhejiang (China). Ao invés de assumir que não há lições a serem tomadas dessas experiências anteriores, dada a dificuldade de isolar cada caso de suas peculiaridades culturais e locais, Lerner defende que “o fracasso de esforços de governos no estímulo às atividades empreendedoras e de ventura era completamente previsível.” Todos esses esforços compartilharam falhas na sua concepção que os tornaram fadados ao insucesso. E alguns desses erros apareceram em iniciativas na Europa e até mesmo nos Estados Unidos. Lerner enumera três princípios básicos para o sucesso de políticas públicas nessa área: (1) Lembrar sempre que a atividade empreendedora não existe no vácuo. Empreendedores são extremamente dependentes de seus parceiros. Sem advogados experientes para negociar os acordos, gurus de marketing bem desenvoltos, engenheiros que estejam dispostos a receber salários não muito altos mas opções de ações como compensação, e clientes dispostos a experimentar  uma empresa nova, o sucesso é improvável. (2) Deixar o mercado determinar a direção. Os programas de incentivo devem exigir que uma quantidade substancial de fundos seja levantada de fontes não-públicas. (3) Resistir à tentação de supercontrolar. Em muitos casos, os requisitos governamentais que limitam a flexibilidade de empreendedores e investidores de risco têm sido detrimentais. É tentador impor restrições em diversas dimensões: localização das empresas, tipo de valores mobiliários que os investidores de risco podem utilizar, e a evolução das empresas (por exemplo, restrições a aquisições ou vendas secundárias de ações).
Afeito a esses princípios básicos, o Vale do Silício serve de modelo a muitos que aspiram reproduzir seu sucesso.
Em discurso na Stanford University em 24/06/10, o presidente da Rússia Dmitry Medvedev afirmou que, como parte de um amplo esforço de modernizar a economia russa e reduzir sua dependência dos recursos naturais, seu governo está planejando implantar um centro de inovação de alta tecnologia, no estilo “Vale do Silício”, em Skolkovo, região metropolitana de Moscou. A idéia é propiciar a criação de um ecossistema de investimento e inovação em cinco áreas estratégicas: eficiência no setor de energia, energia nuclear, tecnologia da informação, telecomunicações, e biotecnologia. Medvedev aproveitou a ocasião para anunciar uma nova política de taxação e de incentivos fiscais para atrair investidores e empreendedores estrangeiros.
O Chile é mais um dos países que se declaram dispostos a se apropriar do legado do Vale do Silício. Em palestra intitulada “Chile: Launching a Global Entrepreneurship Hub”, proferida em 22/09/10 no Stanford Technology Ventures Program, Juan Andrés Fontaine, Ministro da Economia do Chile, expôs o programa de criação de um ecossistema de empreendedorismo em alta tecnologia em seu país, que inclui incentivos para atração de investidores e empreendedores dos principais eixos de inovação tecnológica, a começar pelo Vale do Silício. Apresentando seu país como uma startup em crescimento, Fontaine defende que as mudanças tão desejadas pela sociedade podem vir através da inovação, ao invés da revolução. É preciso haver uma melhor interação entre cientistas e empreendedores, e, através de uma melhor compreensão do exemplo do Vale do Silício, assim como de uma melhor aproximação entre a academia e a indústria, será possível consolidar uma cultura de inovação e empreendedorismo que possa levar o Chile à condição de eixo latino-americano de inovação tecnológica, advoga Fontaine. Oxalá o exemplo seja seguido pelo restante da América Latina!
Como diz Lerner, por mais desafiador que seja o estímulo ao empreendedorismo, trata-se de assunto importante demais para deixar nas mãos dos responsáveis por políticas públicas.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE