quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Participação Societária em Startups


A Participação Societária em Startups

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Uma das características marcantes da cultura de startups e de ecossistemas de empreendedorismo em alta tecnologia tais como o Vale do Silício e a Ala do Silício (“Silicon Alley”, Nova Iorque) é a convivência da moeda tal qual conhecemos (dinheiro) lado a lado com uma noção mais abstrata de valor: a participação societária (em inglês, “equity”). Levando-se em conta os espetaculares fatores multiplicadores de crescimento do valor de mercado de certas empresas pioneiras em tecnologia disruptiva (Google num passado recente, e Facebook no momento atual), a participação societária pode valer mais que dinheiro. Não é à toa que a indústria do capital de ventura (capital de risco), desde seus primórdios através do pioneirismo de George Doriot até os difíceis tempos de hoje, tenha sido levada a desenvolver suas próprias regras econômicas. E isso, naturalmente, representa um elemento complicador na vida de um empreendedor, daí a recomendação de especialistas como Fred Wilson, autor de AVC.com, um das referências no universo dos blogs sobre investidores em startups, para que empreendedores tenham sempre ao seu lado um advogado experiente e especialista em startups.
Bem a propósito, o Berkman Center (Harvard) hospedou recentemente uma sessão extremamente esclarecedora sobre questões legais enfrentadas por startups (“Legal Issues for Startups”, 26/10/10), apresentada por John Chory, advogado e coordenador do WilmerHale Venture Group e membro do Corporate Practice Group. Especialista em representação de empresas em estágios iniciais de seu desenvolvimento, e apoiadas por capital de ventura, que atuam nas áreas de tecnologia e de ciências da vida, Chory tem ampla experiência em assistência jurídica a empresas públicas e privadas no que concerne a financiamento por capital de ventura, oferta pública de ações, fusões e aquisições, licenceamento de tecnologia, e direito mobiliário. Entre seus clientes ninguém menos que Akamai, A123 Systems, LogMeIn, Zipcar, e tantos outros casos de sucesso.
Tomados em conjunto, seus clientes terão levantado mais de meio bilhão de dólares em capital de ventura ao final de 2010.
Segundo Chory, a distribuição justa da participação societária (isto é, proporcional ao comprometimento e ao esforço dedicado ao empreendimento) é certamente um dos passos fundamentais para o sucesso de uma startup. Qualquer desequilíbrio é receita para que se enfrente dificuldades as mais variadas, desde o levantamento de capital de ventura até a venda ou a fusão a outras empresas.
Uma outra questão legal de valor absolutamente crítico para o sucesso de uma startup é a que se refere às provisões de aquisição de ações (em inglês, “vesting provisions”): ações devem ter um prazo de concretização da posse por parte de um fundador, pois dessa forma previnem-se situações problemáticas nas quais um ou mais fundadores deixam a empresa num estágio ainda um tanto inicial e mesmo assim mantêm a propriedade de todas as ações que lhe foram alocadas. Em geral, essas provisões de aquisição são estendidas aos investidores assim que o capital é investido no empreendimento.
O processo de vesting normalmente acontece durante um period de quatro anos, embora algumas empresas se utilizem de um período de três anos. O que ocorre é que as opções de compra de ações não pertencem integralmente ao pretenso proprietário antes dele ter lhes vestido. Muitas empresas fazem o que se chama de “cliff vest” para o primeiro ano, o que significa que a aquisição só ocorre no dia em que se completou um ano. A vantagem do vesting é que o pretenso proprietário tem a garantia do valor pré-estabelecido das ações, e mesmo que o valor de mercado suba muito, a aquisição será feita ao final do período com base naquele valor inicial.
Possível fonte de problemas para startups são as chamadas “condições de aceleração” do processo de vesting de ações: antecipar a posse de ações em função de eventos como saída da empresa, demissão por justa causa, fusão ou aquisição por empresa maior, invalidez para o trabalho, etc., pode criar incentivos incorretos e/ou indesejáveis. E tudo isso é levado em conta por investidores no momento de avaliar o risco e o potencial de sucesso do empreendimento. Obviamente que a capacidade de atração de profissionais de excelência entra nessa conta, e aí entram as considerações sobre a participação societária de empregados.
Em seu artigo “Employee Equity” (AVC.com, 27/09/10), Fred Wilson lembra que uma das características inerentes à cultura de startup é justamente a participação do empregado na propriedade da empresa. Sabe-se que muitas empresas consolidadas e de grande porte também incorporam a cultura da participação societária do empregado, mas ao aceitar trabalhar numa startup, normalmente se espera fazer parte do rol de acionistas, pois, dessa forma, se a empresa for bem sucedida e vier a ser vendida ou tornada pública (na bolsa de valores), muitos serão os ganhos financeiros decorrentes de tais eventos. A bem da verdade, a participação societária de empregados está definitivamente integrada à cultura de startup, pois reforça a idéia de que todos fazem parte de uma equipe, todos são acionistas, e todos se esforçarão ao máximo para o crescimento da empresa.
Não é incomum uma startup se valer da oferta de opções de compra (ou venda) de ações por um preço estabelecido (normalmente vantajoso em relação ao preço de mercado atual ou futuro) ao empregado e a outros participantes importantes tais como empresas parceiras, membros do conselho de administração, e grandes clientes. De modo a premiar apropriadamente o comprometimento, a contribuição ao crescimento da empresa, incentivar a fidelidade, e evitar o espalhamento da participação societária entre ex-participantes, tais ofertas são normalmente associadas a provisões de aquisição.
Embora a participação societária do empregado seja uma prática comum em startups, os níveis de participação variam bastante. Segundo Fred Wilson, até a geografia tem influência nesses índices. Por exemplo, em ecossistemas consolidados como o Vale do Silício, Boston, e a Ala do Silício (Nova Iorque), os níveis são bem elevados. Já em ambientes ainda em processo de consolidação, a cultura de oferta de participação societária a empregados ainda se revela incipiente e difícil para todos os envolvidos.
Para os parques tecnológicos aspirantes a Vale do Silício, fica a lição de que, de fato, empreendedorismo de alta tecnologia não acontece no vácuo. Além de forjar a relação entre o conhecimento e o empreendimento, é preciso propiciar um ambiente de assistência e de segurança jurídica compatível com o que há nos principais eixos de inovação tecnológica. Além de lidar com todos os aspectos legais e jurídicos, advogados especialistas em direito corporativo e direito mobiliário têm o papel de ajudar os empreendedores a fazer seus negócios decolarem: apresentando-os a investidores em potencial (anjos, superanjos, capitalistas de ventura) e a mentores, negociando licenças, executando contratos, ofertas pública de ações, e fusões, fazendo parte de conselhos de administração, dando assistência jurídica a clientes.
É por essas e outras que Gordon Davidson, Chairman da Fenwick & West, LLP, advogado especializado em startups, tendo na carteira de clientes empresas como Cisco, Electronic Arts, Intuit, Macromedia, e Symantec, em palestra em Stanford (“The Role of Lawyers in the Startup Ecosystem”, 26/05/2004), já recomendava que todo empreendedor conheça um mínimo de mercado de ações, proteção à propriedade intelectual, e os casos bem sucedidos de criação de ecossistemas de inovação tecnológica.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE