segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Bolhas, crises e prosperidade em revoluções tecnológicas


Bolhas, crises e prosperidade em revoluções tecnológicas

E-mail Imprimir PDF
Compartilhar
 Em meio a uma turbulência significativa na economia mundial, o que tem se observado desde o início do ano de 2011 no Vale do Silício é uma verdadeira corrida ao ouro da inovação tecnológica, alimentada por gigantes da mídia social tais como Facebook, Twitter e LinkedIn, esta última alcançando em 2011, em seu dia de oferta pública inicial, a quinta maior valorização de ações em um só dia desde o estouro da bolha da internet. Empreendedorismo de internet, se é que assim se pode chamar essa nova frente de oportunidades e de pioneirismo, virou uma espécie de febre, e a criação de startups se transformou em algo “na crista da onda”. Como diz o investidor e blogueiro Fred Wilson, o empreendedorismo está em voga, inovadores estão inovando, investidores estão investindo, e, apesar de alguns sinais de retração na oferta de capital de risco, como relata o artigo “Web Start-Ups Hit Cash Crunch” (Wall Street Journal, 13/10/11) de Pui-Wing Tam, o clima ainda é bastante favorável.
A média das valorações das novas empresas de internet, que andavam nas alturas até bem pouco tempo, andou perdendo terreno, como lembra Naval Ravikant, empreendedor e fundador da rede social AngelList que serve de ponto de encontro entre empreendedores e investidores-anjo. Chamando a atenção para as possíveis semelhanças com o que ocorreu no final dos anos 1990’s quando o boom das empresas ponto-com começou a dar sinais de fraqueza e as pequenas startups se depararam com a dificuldade de levantar financiamento, a matéria do WSJ aponta para um possível descompasso fundamental: enquanto uma multidão de empresas de internet teriam sido fundadas recentemente, não haveria capital de ventura suficiente para alimentar toda essa nova geração de startups.
Uma visão mais otimista tem Fred Wilson (“What We Are Seeing”, AVC.com, 13/10/11): é normal que a dificuldade de obter financiamento esteja alta, pois, além do altissimo nível de competitividade do mercado de startups – o número de startups buscando capital de ventura praticamente triplicou nos últimos dois anos – por um lado, os VCs têm encontrado muita dificuldade para levantar capital, e, por outro lado, o investimento vindo de anjos parece estar passando por uma fase menos abundante. Aliado a tudo isso, o investimento em empresas de internet passa por um período de transformações: se nos últimos três a quatro anos a ênfase era no aspecto social (e não poderia ser diferente diante da evolução de Facebook e Twitter), sem contar que a computação móvel tem atraído grande parcela da atenção, hoje o investidor parece estar migrando para novas áreas como computação em nuvem, mercados peer-to-peer, e a adaptação para o mundo corporativo do que funcionou bem no universo do consumidor. Segundo Wilson, não há falta de interesse no investimento em empresas de internet, mas o investidor está se vendo obrigado a aprender a lidar com novos mercados e novos setores, e essa transição parece aliviar um pouco do calor de um mercado superaquecido.
Em 2011, houve, de fato, muita discussão em torno do possível superaquecimento do mercado de empresas de internet, dados os valores estratosféricos atribuídos a determinadas startups em busca de rodadas de investimento. Não obstante, em artigo de 26/05/11 (“Fight Of The Titans”), Carlota Perez, economista e destacada estudiosa da inovação da linha Schumpeteriana e defensora do paradigma da “destruição criativa” (“creative destruction”), já advertia que o atual momento não se caracteriza como uma bolha, mas como um sinal da importância da indústria da internet para o século XXI. A grande bolha do mercado de tecnologia que estourou em 2000 foi, segundo Perez, um experimento em grandes proporções, que sempre acontece entre o período de instalação e a fase de emprego de toda revolução tecnológica. Além de permitir que o mercado propicie a troca da velha pela nova economia e decida quem serão os vencedores nesse novo cenário, é nesse período que as novas infraestruturas são instaladas e financiadas antes que se tornem lucrativas.
Bem no espírito do que pregava Chris Freeman (economista inglês, 1921-2010, responsável pela retomada da tradição neo-Schumpeteriana, e defensor do papel crucial da inovação no desenvolvimento econômico assim como das atividades científicas e tecnológicas para o bem-estar da humanidade) de que a Economia é incapaz de entender o crescimento sem a interdisciplinaridade, Perez, em seu livro “Technological Revolutions and Financial Capital: the Dynamics of Bubbles and Golden Ages” (Elgar, 2002), desenvolve uma teoria sobre as regularidades históricas na difusão de revoluções tecnológicas, incluindo a articulação de sucessivos paradigmas tecno-econômicos e a recorrência de grandes booms financeiros seguidos de bolhas e quedas, que, por sua vez, dão lugar a períodos de grande prosperidade. Em sua apresentação na “FTTH Conference 2011” (Milão) em Fev/2011, Perez diz que todas as cinco transformações tecnológicas experimentadas pelo capitalismo de mercado desde a revolução industrial no final do século XVIII, trouxeram uma nova infraestrutura para o transporte de bens, energia, pessoas e informações. A primeira trouxe os canais; a segunda, as linhas férreas e o telégrafo; a terceira, as ferrovias de aço intercontinentais, o telégrafo a nível global e o transporte a vapor; e, finalmente, a quarta trouxe a eletricidade, as estradas e as rotas aéreas, e o telefone internacional. Por sua vez, a revolução tecnológica dos dias de hoje trouxe a internet para propiciar a transmissão instantânea e ubíqua de dados, permitindo uma gradual transformação de todos os meios de transporte físico e dos sistemas de geração e distribuição de energia, tornando-os ambientalmente sustentáveis.
Com efeito, Perez insiste no papel fundamental que o acesso verdadeiramente universal à internet de banda larga terá na consolidação de uma era dourada global sustentada e sustentável , demonstrando o quanto a mudança do paradigma da produção em massa para o da sociedade do conhecimento abre caminho para uma perspectiva bem mais promissora para uma economia “verde”: o modo de vida a ser almejado deixará de ser o do consumismo, e passará a envolver mais interação social, mesmo que à distância, e a busca por mais bens intangíveis e menos bens materiais. “Verde” não deve dizer respeito apenas a salvar o planeta, mas também a salvar a economia, e ter uma alta (porém diferente) qualidade de vida. É como se “verde” passasse a ser o modelo da “vida luxuosa”.
Acesso amplo e ilimitado à internet a baixo custo é equivalente à eletrificação e à suburbanização, fundamentais no paradigma anterior, no sentido da facilitação do tipo de demanda que deverá maximizar o crescimento econômico e o bem-estar social. Portanto, o melhor caminho para se chegar a uma recuperação sustentada na economia globalizada é através da construção de um espaço de oportunidades de demanda, nacional e globalmente, favorecendo a lucratividade de inovações “verdes”, aprofundando a globalização e propiciando amplo acesso à internet de qualidade. A combinação das tecnologias da informação e da comunicação, dos princípios fundamentais da economia verde e sustentável, e da globalização seria, segundo Perez, equivalente às condições que trouxeram o boom pós-Segunda Guerra nos EUA e na Europa Ocidental.
Em conversação com Fred Wilson na Web 2.0 Expo NY em 11/10/11, Perez revela que a chegada da era de ouro fruto da revolução tecnológica trazida pela internet depende fundamentalmente da participação mais pró-ativa dos líderes da indústria da tecnologia da informação, no sentido de fazer os governos se darem conta de que não é apenas resolvendo o déficit público ou cedendo às pressões do setor financeiro no sentido de manter o status quo que se vai retomar o crescimento econômico. É preciso fazer prevalecer os valores do novo paradigma e da nova economia. Admitindo que há razões históricas para que o Vale do Silício se mantenha distante de governos, Perez conclama os líderes da indústria das TIC’s a tomar uma posição mais politicamente engajada. É chegada a hora de criar os incentivos e as condições para redirecionar a inovação e para a criação de uma nova visão de qualidade de vida compatíveis com a limitada disponibilidade de recursos naturais, e com o novo paradigma trazido pela revolução tecnológica que estamos atravessando.


Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE