terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Intraempreendedorismo e a Inovação em Empresas Estabelecidas

Intraempreendedorismo e a Inovação em Empresas Estabelecidas

TER, 21 DE JANEIRO DE 2014 10:33

O termo "empreendedor" foi usado pela primeira vez pelo economista irlandês Richard Cantillon em 1725, referindo-se ao indivíduo que assume riscos. Cantillon foi um mercador bem sucedido e seu trabalho teve uma única obra publicada somente após a sua morte: uma teoria monetária sobre a origem da riqueza e da formação dos preços. Frequentemente, o termo é atribuído ao economista francês Jean-Baptiste Say, muito embora não seja uma unanimidade entre os estudiosos do tema. Por definição, o empreendedor é aquele que percebe e aproveita as oportunidades, transformando-as em ideias comerciais, cria ou acrescenta valor através de processos, trabalho, capital e administra os riscos do mercado competitivo para colocar essas ideias em prática. O que distingue o empreendedor de outro indivíduo é a capacidade de administrar e lidar com a incerteza. Esse perfil é cada vez mais requisitado nos profissionais dentro das organizações.

As novas empresas, em particular as startups, tem investido na criação e na busca por novos modelos de negócio. Quando encontram um que seja viável, empreendem esforços para criar marca, montar uma rede de clientes e fornecedores até chegar no patamar da sobrevivência financeira. Muitas dessas novas empresas são compradas por grupos maiores que tem a aquisição na sua estratégia de renovação. Mas existem outras formas sustentáveis de inovar, investindo no maior patrimônio das empresas: as pessoas.

O que move o empreendedor? Muitos responderiam que é o dinheiro e a possibilidade de construir um patrimônio. Porém, aqueles que deixaram suas zonas de conforto e se arriscaram em montar seus próprios negócios visando somente o dinheiro fracassaram. Mas isso não quer dizer muita coisa, dado que várias estatísticas no Brasil e no mundo indicam o alto grau de insucesso dos novos negócios. Portanto, tomar a decisão de iniciar um novo negócio requer maturidade e sobretudo, planejamento. E se você pudesse realizar o seu sonho sem precisar deixar o seu posto atual de trabalho?

O que faz o intraempreendedor

Gifford Pinchot III usou o termo intraempreendedor (do inglês, intrapreneur) pela primeira vez em 1978 ("Intra-Corporate Entrepreneurship", escrito em co-autoria com sua esposa Elisabeth Pinchot na época em que ambos estudavam na Tarrytown School for Entrepreneurs em Nova Iorque) e, desde aquela época, empresas passaram a incentivar o desenvolvimento desses perfis entre seus funcionários, como 3M, Xerox, Volvo e, mais recentemente, empresas como Google e Coca-Cola. O intraempreendedor é o indivíduo que, em vez de tomar a iniciativa de abrir o seu próprio negócio, toma a iniciativa de criar, inovar e buscar novas oportunidades e negócios para a organização na qual trabalha. Mas por que um indivíduo iria optar por ser um intraempreendedor se ele pode se tornar um empreendedor?

O empreendedor segue seu rumo em empreender por prazer, por realização pessoal, profissional, e por acreditar que o seu trabalho vale a pena e pode ajudar a tornar a sua vida e a de pessoas ao seu redor melhores. O bom empreendedor é capaz de converter uma nova ideia em uma inovação com potencial de gerar uma "destruição criativa". As empresas podem e devem incentivar seus funcionários a pensarem e a produzirem novos negócios sob os olhares da empresa. O intraempreendedorismo libera o gênio criativo que existe em quem mais deveria entender da empresa e dos negócios da empresa: os seus funcionários.

Por outro lado, o intraempreendedorismo representa um grande desafio particularmente para as organizações já estabelecidas, pois à medida que uma empresa se consolida e se torna “incumbente” na sua indústria de atuação, seus gerentes tendem a se distanciar de ideias radicais e a se tornarem mais conservadores. A organização assume uma postura de maior acomodação, o que, por outro lado, traz a miopia e a aversão ao risco. Disso tudo resulta que os valores e as estruturas da empresa se tornam cada vez mais rígidos, e o foco se concentra na operação e na missão principal. Novas ideias são vistas como ameaças ao estado de coisas, ao invés de oportunidades, e, nesse espírito somente a inovação incremental encontra algum espaço para florescer. O fato é que incumbentes se concentram na preservação de suas posições em seus respectivos mercados, e dificilmente se arriscam a buscar avanços radicais ou novos mercados.

Em seu livro “Intrapreneurship: Managing Ideas Within Your Organization” (Univ of Toronto Press, 2011), Kevin Desouza define intraempreendedorismo como a “capacidade de um indivíduo de ser inventivo e empreendedor dentro dos parâmetros de uma organização.” E acrescenta: “Ser inventivo requer a liberdade de levar à frente suas ideias e desenvolvê-las, enquanto que ser empreendedor requer um foco em comercializar ideias para chegar a soluções que os clientes valorizam.”

A quinta pesquisa "Perfil do LIDE Futuro" realizada pela Fundação Getúlio Vargas em novembro de 2013 revela que 76% dos jovens brasileiros entrevistados pretendem estar empreendendo nos próximos 10 anos. Isso vai aumentar a escassez de profissionais nas mais diversas áreas, em especial, de tecnologia. Uma possível solução para o problema é incentivar e recompensar iniciativas empreendedoras dentro da própria empresa, dando mais liberdade aos intraempreendedores, fazendo-os se sentir mais independentes e, consequentemente, mais realizados.

O boom do empreendedorismo, incentivado pela explosão de startups, metodologias e ao acesso aos novos negócios digitais tem criado um novo ecossistema global de empreendedorismo. Termos como "Lean Startup", "Venture Capital" e "aceleradoras" estão no linguajar dos jovens aspirantes a empreendedores. Diversos eventos, palestras e competições difundem as melhores práticas para inciar e validar um negócio. O grande guru do empreendedorismo global, Steve Blank, é reconhecido pelo desenvolvimento da metodologia de desenvolvimento de clientes ("The Four Steps To The Epiphany", 2005), por sua vez responsável pela consolidação das bases teóricas do Lean Startup.

Qual a melhor forma de reduzir os riscos do intraempreendedorismo

O grande guru do empreendedorismo global, Steve Blank, é reconhecido pelo desenvolvimento da metodologia de desenvolvimento de clientes ("The Four Steps To The Epiphany", 2005), por sua vez responsável pela consolidação das bases teóricas do Lean Startup.

A metodologia Lean Startup contém um conjunto de processos e ferramentas que visa reduzir o desperdício, validando ou eliminando suposições erradas sobre o mercado. No ambiente do empreendedorismo corporativo, os princípios "enxutos" permitem a validação de iniciativas com o menor custo possível.

A grande dificuldade ao patrocinar a criação de novos negócios internos está no grau de incerteza dos resultados. A incerteza é a mesma que qualquer empresa encontra ao iniciar no mercado. Como os resultados em geral não aparecem no curto prazo, a liderança tende a gerar um desestímulo no intraempreendedor e na equipe, levando o negócio ao insucesso. Grandes empresas sabem como escalar o negócio, sabem como usar sua rede de relacionamentos, sabe como planejar e executar o planejamento. Empresas startups sabem como iniciar e validar um negócio, para torná-lo escalável. Juntas, elas podem fazer o que nenhuma delas faria sozinha.

Para Steve Blank, a tendência do empreendedorismo corporativo é olhar para as diferentes áreas do negócio como diferentes empresas que interagem entre si. James Brian Quinn já defendia a ideia de que praticamente todas as atividades dos funcionários podem ser consideradas serviços prestados a outras pessoas dentro da empresa ("Intelligent Enterprise", 1992). A maioria desses serviços seria mais bem prestada por intra-empresas do que por empregados subordinados ao comando tradicional. Ou seja, Quinn acreditava que no futuro grande parte dos funcionários será formada por intraempreendedores que operam intra-empresas de serviço interno, sendo controladas e cobradas por resultados como qualquer outra empresa que ofereça "serviços externos", com mais liberdade e mais responsabilidade.

O resultado da estruturação em intra-empresas será a criação de uma empresa com capacidade de aprendizagem. Ao difundir as metodologias Lean, reduz-se o desperdício de aplicar inovação dentro da organização. As grandes empresas possuem uma expertise em várias unidades do negócio, que podem dar suporte às intra-empresas para validar as hipóteses, entender as necessidades com uma profundidade maior que uma startup concorrente da organização, e oferecer ativos como networking, recursos e também pessoas. Porém, o grande benefício é a distância burocrática que as intra-empresas devem conseguir manter para criar novos métodos, processos e sistemas para gerar uma inovação disruptiva. Ao final, esses novos negócios podem se tornar novos recursos para as unidades de negócio atuais, ou tornarem-se novas unidades de negócio rentáveis por si só.

As grandes empresas devem agir como aceleradoras na criação de startups internas. Para a construção de inovação de dentro para fora, há algumas opções. A primeira delas é a contratação de "starters" e não de "scalers", ou seja, buscar pessoas com perfil empreendedor e capazes de enxergar uma oportunidade, criar formas de validação e transformá-la em demanda com baixo custo. O Grupo Buscapé Company tem feito isso no Brasil adquirindo e investindo em startups com alto poder de crescimento com a estratégia de acqui-hiring, ou seja, comprar empresas promissoras para conquistar os talentos que a fazem.

Outra opção é incentivar o intraempreendedorismo e transferir conhecimento sobre modelos de negócio, metodologias de validação de hipóteses, desenvolvimento ágil, etc. Para a Coca-Cola Company, o jeito mais fácil de tornar funcionários "scalers" em "starters" é dar a eles a oportunidade de aprenderem Lean Startup e suas ferramentas. Para isso, foi realizado em Junho de 2013 um Startup Weekend dentro da Coca-Cola de Atlanta, nos Estados Unidos. O Startup Weekend é um evento realizado em todo o mundo onde as pessoas vivem a experiência de criar, validar e lançar uma startup em 54 horas. A grande missão do Startup Weekend é inspirar e ensinar empreendedores a sair da zona de conforto, ampliar a rede de contatos e construir soluções de negócios com viabilidade econômica.

Entretanto, usar essas metodologias ágeis no desenvolvimento de novos negócios não garante o sucesso da iniciativa. Cada empresa deve descobrir a melhor forma de gerar inovação internamente. Segundo Carie Davis, diretor de inovação da Coca-Cola, a democratização dessas ferramentas torna mais fácil a tarefa de fazer as pessoas sonharem e pensarem soluções sustentáveis para algum dos maiores desafios mundiais. De qualquer forma, o esforço de compartilhar a essência do empreendedorismo gera um ambiente de trabalho mais inspirador e dá a possibilidade de construir algo realmente grande no mundo.

As empresas líderes de mercado tem buscado melhores formas para executar e crescer com o modelo de negócios e produtos definidos há anos. Uma das melhores formas de sobrevivência em um mercado competitivo é inserir a inovação como base dos valores da empresa. Incentivar e patrocinar iniciativas empreendedoras gera bons resultados para os negócios, e ao mesmo tempo, coloca a empresa num patamar de destaque no mercado, trazendo novas soluções, novas tecnologias ou novos modelos de negócio. A função básica do intraempreendedor é conceber diferentes visões de negócios e transformá-las em realidades de negócios.



Eduardo Menezes Pires, Mestrando, Centro de Informática da UFPE
Ruy J. G. B. de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE