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29/06 - 10:20
O Vale do Silício e o Renascimento – A Internet e o Livro Portátil
São Paulo, 29 de junho de 2009 - Conforme o prefácio do livro “Silicon Valley: 110 Year Renaissance” (J.R. McLaughlin, L.A. Weimers, W.V. Winslow, S. McBurney & K. Costas, Santa Clara Valley Historical Association; 2a edição, 2008), parte do que faz o Vale do Silício pulsar é o compartilhamento do conhecimento. As fronteiras que num certo momento isolavam empresas ou departamentos acadêmicos são violadas não apenas na indústria, mas no campus, criando uma fertilização cruzada e uma nova sinergia. Daí saíram visionários que experimentaram a aplicação de computadores no desenvolvimento de novos medicamentos, assim como o uso de raio laser em dispositivos médicos. Diversos gargalos técnicos ou de gerenciamento foram dissolvidos pelo simples ato de compartilhamento de informações e experiências. E um dos principais, e dos mais revolucionários veículos de compartilhamento de conhecimento e informações da humanidade é, sem dúvida, o texto. Na medida em que o texto pode ser produzido e disseminado o mais ampla e facilmente possível, surgem oportunidades extraordinárias para a humanidade. No Renascimento, o livro portátil. No Vale do Silício, o computador pessoal e a internet. Entre muitas, aí está uma das semelhanças fundamentais entre a era do Vale do Silício e a era do Renascimento.
Com efeito, há certos períodos na história em que descobertas e eventos, tanto politicos quanto tecnológicos, criam uma janela dentro da qual a civilização tem a oportunidade de dar um grande salto à frente. Uma dessas oportunidades foi a convergência de eventos e invenções que deram origem a uma era de descobertas, e que hoje conhecemos como o Renascimento. Se tivéssemos que identificar um único evento que possa ter disparado esse processo, não seria exagero apontar para o advento da Peste Negra, a praga mortal. O desaparecimento do trabalho barato levou à busca por inovações que propiciassem a diminuição da dependência da força de trabalho e, consequentemente, a invenções cruciais. Os principais avanços durante o Renascimento foram sem dúvida a prensa (ou máquina de imprimir), a bússola e a pólvora. A prensa e o desenvolvimento de técnicas de produção e distribuição de livros de custo acessível e de transporte fácil propiciaram a primeira revolução da informação. Por sua vez, a pólvora e a diminuição drástica da força de trabalho mudaram a paisagem política de uma sociedade feudal, enquanto que a bússola permitiu as grandes viagens de descobrimento do Novo Mundo. O fato é que o Renascimento foi uma época de invenções, realizações empreendedoras, e explorações muito semelhantes àquelas ocorridas no Vale do Silício. A convergência do computador pessoal, a tecnologia de roteamento que permitiu que plataformas de computadores diferentes se comunicassem, e o fim da Guerra Fria, que abriram caminho para a democratização da internet, tudo isso foi crucial para a nova revolução da informação.
O fenômeno conhecido desde os anos 1970’s como Vale do Silício pode ser tracejado às suas origens nos anos 1890’s quando o então magnata Leland Stanford estabeleceu uma universidade em Palo Alto, localidade situada a 60Km ao sul de San Francisco, e adotou como princípio norteador que seus alunos não apenas ganhassem conhecimento mas fossem capazes de aprender no mundo real. Desde os pioneiros, professores de Stanford estiveram imbuídos deste princípio, e a história registra ali no Vale uma interação inigualável entre a academia e a indústria, com resultados extrapolando de forma nunca dantes vista a partir dos anos 1970’s com o estabelecimento da indústria dos transistores e microprocessadores baseados no silício. O espetacular desenvolvimento da eletrônica de semicondutores se auto-alimentava: estava em vigor a chamada Lei de Moore, enunciada pelo ex-chairman da Intel em 1965, que previa um crescimento fenomenal na capacidade de processamento dos microprocessadores nos próximos 40 anos. Engenheiros ambiciosos, empreendedores, e executivos começaram a ver o Vale do Silício como uma espécie de Meca da modernidade. Em muitos casos vinham diretamente para a indústria, em outros com uma parada em Stanford ou na Universidade da Califórnia em Berkeley para um PhD ou um MBA – para aprender uma nova cultura de empreendimentos e tecnologia. Tudo isso transformou o Vale num magneto de invenção, empreendedorismo e investimento . De clima favorável, e com uma cultura aventureira e de muita tradição em estímulo à criatividade, o Vale foi aos poucos experimentando uma onda de energia criativa e intelectual comparável ao que ocorreu em Florença na época do Renascimento. Aos olhos dos investidores de capital privado, tudo ali se parecia com o novo Eldorado. Formou-se um ecossistema um tanto único de inovação, empreendedorismo, tecnologia, investimento e produção de riqueza.
Em depoimento ao filme documentário produzido com base no livro supracitado, Lisa Jardine, Professora de Estudos do Renascimento, Queen Mary College, London, chama a atenção para um dos mais importantes resultados do Renascimento: a globalização do comércio. E vai mais além ao descrever o principal paralelo entre o Renascimento e o Vale do Silício. Em ambos os casos, aconteceram duas “revoluções da informação”: a primeira, a invenção da prensa (Johannes Gutenberg, 1398-1468) seguida da concepção de livros pequenos e de custo acessível; a segunda, a invenção do computador pessoal e da internet. “Tendemos a pensar no Renascimento como uma época de produção artística (quadros, esculturas, etc.), mas isso foi mais decorrência que origem. O Renascimento foi, na verdade, uma época de empreendedorismo: o brotar do comércio internacional foi o fator mais predominante do Renascimento. Pessoas que começaram como mercadores, rapidamente se tornaram príncipes.”
No mesmo documentário, Charles Geschke, fundador da Adobe Systems, destaca o enorme impacto sócio-econômico da imprensa escrita, e vislumbra que a internet terá impacto ainda mais patente. Frederico Faggin, inventor do dispositivo eletrônico conhecido como “porta de silício” (em inglês, “silicon gate”) e do microprocessador, fundador da ZYLOG e Synaptics, diz acreditar que arte hoje não é mais pintura ou escultura, é criar idéias e padrões. E nisso o Vale do Silício tem sido extremamente produtivo.
Em seu depoimento, Isaac Chuang, físico quântico, afirma que as coisas mais complicadas que costumávamos construir eram edifícios, casas, cidades. Agora são os chips de silício.
Scott Cook, fundador e chairman da Intuit, lembra a importância da invenção do livro como veículo de aceleração da disseminação do conhecimento e do progresso: normalmente se credita a Gutenberg a invenção da imprensa, mas 50 anos mais tarde entra em ação o italiano Aldus Pius Manutius (1449/1450–1515), versão latinizada do seu nome orginal Teobaldo Mannucci, que congrega inovações como a prensa, a obtenção de conteúdo dos clássicos gregos e dos mestres romanos, e a utilização de fontes tipográficos compactos, e, fundamentalmente, o conceito de editora ou distribuidora de livros. Seu legado no quesito publicação inclui as distinções do fonte itálico e a introdução do livro barato em formato encadernado em pergaminho que era lido da mesma forma que livros de capa mole modernos. Pode-se dizer que Manutius foi o inventor do chamado “livro de bolso”, ou livro facilmente transportável. Sua edição da Opera de Virgílio (1501) nesse formato estabeleceu um marco fundamental. Curiosamente, o uso do “itálico” foi introduzido não como ferramenta de ênfase (como é costume hoje em dia), mas com o propósito de se compactar o texto impresso e permitir a produção de livros em formato portátil.
Conta-se que o primeiro livro impresso, na concepção da palavra, foi a Bíblia, que não se caracterizou exatamente como um livro facilmente transportável. (Em 1455, possivelmente tendo iniciado em 1454, Gutenberg produziu cópias de um “folio” belamente executado da “Biblia Sacra”, com 42 linhas em cada página.) No entanto, como lembra Jim Clark, fundador da Silicon Graphics e fundador e ex-chairman da Netscape, a noção de livro transportável foi fundamental no Renascimento. Em depoimento ao documentário supra, produzido em 1998, Clark já revelava que, diferentemente de alguns conservadores, acreditava, que dentro de cerca de 10 anos o computador estaria substituindo o livro: seria possível transmitir um livro, uma revista, ou um jornal através das telecomunicações. E, nessas circunstâncias, diversas pessoas começariam a usar esta como a mídia primária. Hoje existe o “livro-eletrônico” da Amazon, Kindle, além de outros dispositivos tecnológicos que seriam o correspondente ao computador portátil transformado em livro.
Conforme a Wikipedia, o Kindle é uma plataforma de software e hardware desenvolvida pela Lab126, subsidiária da Amazon.com, para leitura de livros-eletrônicos (em inglês, “e-books”) e outras mídias digitais. Até o momento três dispositivos eletrônicos, conhecidos como "Kindle", "Kindle 2," e "Kindle DX" suportam essa platforma, assim como a aplicação para o iPhone chamada "Kindle for iPhone". O primeiro dispositivo foi lançado nos EUA em 19/11/07. Os Kindle’s usam displays de “papel eletrônico” do tipo E-Ink, e permitem baixar conteúdo através da rede Whispernet da Amazon usando a rede EVDO da operadora Sprint. Em recente entrevista a Steven Levy na conferência “Disruptive by Design”, organizada pela revista Wired, Jeff Bezos diz: “Fico incomodado hoje quando tenho que ler um livro físico....O livro físico teve uma grande sobrevida de 500 anos, mas é hora de mudar.” Não apenas o próprio conceito de livro, mas muitas mudanças fundamentais, sejam elas econômicas, culturais, tecnológicas, ou sociais, ainda hoje se processam devido ao que tem ocorrido, e ainda ocorre no epicentro do Novo Renascimento. Apesar de ter passado por uma grande crise no início do milênio com o estouro da chamada “bolha da internet”, o processo de transformação da sociedade através de uma nova revolução da informação permanece firme. Desde a esfuziante entrada da Netscape na bolsa de valores em 1996, bilhões de dólares foram investidos em startups, e empresas sem um plano de negócios sólido receberam avaliações “nas alturas” de Wall Street. Chegou a se parecer com uma era de esbórnia nunca vista, com escritórios dispondo de cadeiras de US$800. Quando a bolha estourou em 2000, ocasião em que Nasdaq perdeu 75% de seu valor e centenas de empresas tiveram que fechar, parecia que tudo aquilo havia sido “exuberância irracional”, segundo Michael Malone em sua resenha do livro “Once You're Lucky, Twice You're Good – The Rebirth of Silicon Valley and the Rise of Web 2.0”, de Sarah Lacy (Penguin, 2008). O livro conta a estória de empreendedores que nunca desistiram do sonho da internet. Aprenderam, sim, a lição, com o estouro da bolha, e recentemente criaram novas empresas Web transformadoras. As empresas de internet de primeira geração —como Amazon e eBay— simplesmente trouxeram o comércio offline para o ambiente online. Mas a segunda iteração das chamadas “ponto-com” — referidas como Web 2.0 — vem com o propósito de aproximar as pessoas. Portais de redes sociais como Facebook e MySpace permitem o encontro de amigos online; por sua vez, o YouTube propicia que qualquer pessoa disponibilize videos para que outros possam assistir; a Digg.com permite que os usuários da internet votem nas notícias mais relevantes do dia.
Enfim, são muitos os sinais de que o Novo Renascimento segue firme proporcionando a segunda revolução da informação, e não parece ter dia marcado para acabar.
(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)
Investimentos e Notícias (São Paulo), 29/06/2009, 10:20hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2550358,408,100,1
Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 29/06/2009, 10:10hs,
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