segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A Economia de Wall Street versus a Economia Virtual

ARTIGOS ESPECIAIS

31/08 - 08:20

A Economia de Wall Street versus a Economia Virtual

31 de agosto de 2009 - Em meio à turbulência e ao declínio na economia real, um nicho silencioso aparece destoando: o setor de bens virtuais demonstra sinais de pujança e progresso. Internautas continuam comprando e vendendo desde bichinhos de estimação virtuais e presentes virtuais, até aplicativos para o iPhone. Segundo um artigo publicado recentemente no portal da Forbes (“Wall Street Vs. ‘Virtual Street’”, por Sramana Mitra, 21/08/09), a economia dos bens virtuais está estimada em cerca de US$5 bilhões anuais, sendo que 80% dessa indústria está concentrada na Ásia (China, Coréia do Sul e Japão). Em outra publicação ainda mais recente no portal GigaOm (“How Big Is the Apple iPhone App Economy? The Answer Might Surprise You”, 27/08/09), Om Malik afirma que a economia em torno dos aplicativos da Apple para o iPhone estaria hoje em torno de US$2,4 bilhões ao ano: conforme a AdMob, startup de anúncios online, a cada mês são vendidos o equivalente a US$200 milhões em aplicativos para o iPhone na loja virtual da Apple, que contabiliza cerca de 1,5 bilhões de aplicativos já baixados.

Já em 2007, Susan Wu, em uma contribuição ao blog TechCrunch (“Virtual Goods: the next big business model”, 20/06/07), enumerava os casos de empresas que à época lucravam com a comercialização de bens virtuais: (i) Tencent, um dos maiores portais de internet da China, havia gerado receitas num total superior a US$ 100 milhões no primeiro trimestre de 2007, e mais de 65% dessas receitas vieram de bens virtuais; (ii) Habbo Hotel, rede social voltada para adolescentes, contava com mais de 75 milhões de avatares inscritos em 29 países e 90% de sua receita de US$60 milhões ao ano vinha de bens virtuais; (iii) Gaia Online, rede social de animação, realizava mais de 50.000 leilões de pessoa a pessoa, e recebia cerca de 1 milhão de posts em quadros de mensagens por dia, o que a colocava como 3º maior portal de leilão e o 2º maior quadro de mensagens na internet, com o usuário médio realizando 1.200 “page views” por mês, e empregava 3 pessoas dedicadas exclusivamente a abrir correspondências portando dinheiro pela compra de bens virtuais; (iv) diferentemente da concepção predominante de que os bens virtuais são apenas para praticantes de video-games online, tanto a Dogster (rede social e fórum para amantes de cães) quanto a HotorNot (portal voltado a apreciadores de fotografia), estavam indo bem com um modelo híbrido anúncios/bens virtuais, e à época cerca de 40% das receitas da HotorNot vinha de bens virtuais; (v) diversas marcas mundiais estavam comprando anúncios na forma de bens virtuais em redes sociais: membros da Gaia podiam comprar e equipar seus Scions xB virtuais, a Coca Cola e a Tencent firmaram parceria permitindo aos usuários da Tencent negociar códigos obtidos de latas reais de Coca-Cola em troca de objetos virtuais na rede da Tencent, e, finalmente, a Wangyou, uma rede social chinesa, se mostrava extremamente agressiva na experimentação com bens virtuais de marca.

É visível que nos últimos seis anos a internet tem passado por uma transformação profunda: além de ter se tornado uma plataforma padrão de comunicação, os avanços nas tecnologias empregadas no compartilhamento de informações têm levado ao que se chama de web interativa. Como dizem D. Tapscott e A. Williams em seu livro “Wikinomics: how mass collaboration changes everything” (“Wikinomia: como a colaboração em massa muda tudo”, Penguin Books, 2006): “Estamos todos participando do surgimento de uma plataforma global, ubíqua, para computação e colaboração, que está reformatando quase todos os aspectos da vida humana. Enquanto a velha Web era a respeito de sites, cliques, e ‘globos oculares’, a nova Web é sobre comunidades, participação, e interação com os pares.” Nesse contexto, faz sentido falar de “Software Social”, que põe o poder de criar, compartilhar e colaborar com pares nas mãos de cada cidadão. Por outro lado, todo esse desenvolvimento tem sido caracterizado pelo surgimento dos chamados Mundos Virtuais: ambientes virtuais que oferecem uma representação gráfica em três dimensões simulando o mundo real, permitindo que o usuário se identifique com uma versão digital de si próprio, i.e., um avatar. De início descartados como uma espécie de tendência passageira, os mundos virtuais têm se popularizado amplamente, atraindo a atenção de grande número de internautas que a eles têm dedicado quantidades significativas de tempo e neles têm gasto muito dinheiro. Páginas são substituídas por lugares digitais. Não seria exagero dizer que a combinação do Software Social com o Mundo Virtual provoca mudanças de comportamento, de padrões de uso, e de percepções de um grande número de internautas. É natural que as empresas estejam preocupadas em aprender como lidar com os desafios postos pelo mundo digital, porém não podem ignorar as novas oportunidades de negócios que estão surgindo.

Os bens virtuais têm surgido com muita força em mundos virtuais tais como o “Second Life”, onde as pessoas criam avatares para jogar e colaborar num cenário de vídeo-game, e em jogos online “hard-core” para os mais aficionados, tais como o “World of Warcraft”, onde as pessoas adquirem ferramentas, bugigangas, ou poções mágicas. Há anos que bens virtuais têm sido o principal modelo de negócios de portais populares na Ásia. Atualmente, dois terços dos US$523 milhões em vendas dos portais sociais da Tencent (provedora dos serviços QQ de mensagem instantânea, China) vêm de bens virtuais tais como bichinhos de estimação. Apenas 13% vêm dos anúncios. Como seria de se esperar, a definição exata de “bens virtuais” tem sido um desafio desde que o conceito surgiu. Em “Virtual item sales as a revenue model: identifying attributes that drive purchase decisions” (“Vendas de itens virtuais como um modelo de receita: atributos que levam a decisões de compra”, Electronic Commerce Research, 2009), Vili Lehdonvirta analisa as tentativas recentes. Uma abordagem é definir bens virtuais de forma implícita através dos serviços que eles examinam, ou seja, bens virtuais seriam aqueles que existem num mundo virtual. Uma tentativa de se prover uma definição mais geral corre o risco de incluir outras transações de comércio eletrônico tais como arquivos MP3 vendidos através do iTunes, que, intuitivamente, pertenceriam a uma categoria distinta. Para evitar isso, poder-se-ia adicionar um qualificador determinando que bens virtuais são “simulações” de objetos materiais. No entanto, muitos bens virtuais não têm nenhuma contrapartida “material”. Até mesmo aqueles que têm uma contrapartida intuitiva, como, por exemplo, roupas, podem ter usos e atributos que são completamente diferentes do objeto material. Parece, portanto, mais apropriado abordar bens virtuais como uma nova categoria de bens de consumo, isto é, bens que são às vezes inspirados em certos objetos comuns, mas que não são “versões virtuais” destes. Em 2005, num artigo intitulado “Virtual Property”, J. Fairfield sintetizou a principal diferença entre bens virtuais e bens de informação tais como arquivos MP3 files: bens virtuais são rivalizadores, o que significa que uma pessoa fazendo uso de um bem virtual exclui outros de o fazerem simultaneamente. Especificamente nesse aspecto, todos os bens virtuais simulam objetos materiais. Por exemplo, uma blusa só pode ser usada por uma pessoa a cada vez, ao contrário do que acontece com a informação, que não é rivalizadora: uma pessoa pode dar um arquivo MP3 a uma outra pessoa e guardá-lo também ao mesmo tempo. Além de rivalizador, Fairfield atribui ao bem virtual as propriedades de persistência e interconectividade. Persistência se refere à idéia de que um objeto tem que existir por um certo período de tempo para que seja considerado um ativo. Itens que desaparecem quando o computador é desligado não têm muito valor. Por outro lado, a interconectividade significa que o objeto não pode existir por si só: outros usuários ou sistemas têm que ser afetados por ele de alguma maneira. Objetos que aparecem apenas no computador de uma pessoa não seriam considerados bens virtuais.

Dito isto, surge naturalmente a questão de como criar a demanda por bens virtuais. No artigo “Game design as marketing: How game mechanics create demand for virtual goods” (“Desenho do jogo como marketing: Como a mecânica do jogo cria demanda por bens virtuais”), a ser publicado em 2010 no International Journal of Business Science and Applied Management, Juho Hamari e Vili Lehdonvirta começam lembrando que vender bens virtuais tem se tornado um dos principais novos modelos de receita para serviços online orientados ao consumidor, redes sociais, jogos online massivamente-multijogador (em inglês “massively-multiplayer online games”, abrev. MMO’s), e mundos virtuais em particular. Na Ásia Oriental isso se verifica com muita força. Em setembro de 2005, 32% dos títulos avaliados pelo portal da Nojima (2007) no Japão usavam vendas de itens virtuais como seu principal modelo de negócios. Em Outubro de 2006, o percentual havia aumentado para 60%. O volume global de negociações de bens virtuais com dinheiro real era estimado em US$2,1 milhões por ano em 2006, e esse crescimento dramático do modelo de bem virtual demonstra que está merecendo a devida atenção dos estudiosos de marketing e gestão da tecnologia. Na prática, o modelo de negócios baseado em vendas de bens virtuais ou microtransações envolve vender itens, avatares ou moedas a usuários de um serviço online. Na maioria das vezes, o objeto vendido por dinheiro real é uma moeda virtual, que é então trocada por itens virtuais. Segundo Hamari & Lehdonvirta, os itens podem variar de armas e armaduras em jogos online a peças de vestuário em mundos virtuais e até crachás bidimensionais gráficos em redes sociais. Os itens são usados como parte do jogo ou para cumprir funções sociais e estéticas semelhantes àquelas nas quais commodities físicas são usadas na sociedade de consumo.

Em um artigo na BusinessWeek intitulado “Lucrative Alternatives to Online Advertising” (“Alternativas Lucrativas a Anúncios Online”, 23/10/08), Robert Hof chama à atenção para o fato de que, em meio a uma tendência de decínio na indústria do anúncio online, bens virtuais podem vir a ser um gerador crucial de receita para portais de jogos eletrônicos e redes sociais. Exemplo típico é a Facebook, um dos portais que mais cresce na internet – em 1 ano subiu da 11a para a 5a posição entre os mais visitados portais dos EUA em Julho 2009 conforme a comScore – mas tem encontrado dificuldades em gerar receita com anúncios. Ao que tudo indica, isso acontece porque anúncios têm uma maior tendência a distrair do que a seduzir em portais onde as pessoas estão para interagir umas com as outras, ao invés de simplesmente navegar na rede buscando informações ou produtos. Por outro lado, dado que bens virtuais são essencialmente artefatos sociais utilizados para ganhar status em meio aos pares, a sua comercialização pode ser uma alternativa viável ao modelo tradicional de monetização das redes sociais através unicamente de anúncios online. A Facebook vende presentes virtuais como rosas e cervejas por 1 dólar a unidade, e isso hoje faz da rede um negócio multi-milionário.

Hof observa também que os especialistas em marketing de marcas consolidadas estão se dando conta da situação, e começam a usar bens virtuais como um substituto dos anúncios tradicionais. Por exemplo, a New Line Cinema, distribuidora de Sex and the City, realizou uma campanha de divulgação do filme em maio passado utilizando sapatos virtuais gratuitos. Em 24 horas, os membros da Facebook presentearam uns aos outros mais de 500.000 pares de Manolo Blahnik’s (modelos de sapato desenhados pelo famoso estilista espanhol), o que provocou mais de 220 milhões de visitas à Facebook no primeiro dia. Muita gente ainda os mantêm em seus perfis como uma forma de demonstrar a simpatia pelo filme.

Em recente matéria no portal VirtualGoodInsider, Ravi Mehta atenta para as tendências reveladas por diversos líderes da indústria do “social gaming” (“jogo social”) durante o encontro “Social Gaming Summit 2009” realizado em 23/06/09 em San Francisco. Uma delas é a de que os bens virtuais funcionam bem com consumidores da economia real. Como exemplo, Mehta informa que Sebastien de Halleux, COO (“Chief Operating Officer”) da Playfish, disse que o jogo Pet Society vendeu 20 milhões de árvores de Natal virtuais, além de ornamentos, no período de férias passado. Os jogadores pagaram até 2 dólares por cada item virtual e muitos deles gastaram mais em árvores virtuais do que o consumidor médio gasta numa árvore de Natal de verdade. E o apelo é o alcance desses objetos: enquanto que uma árvore verdadeira é vista apenas por alguns membros da família e amigos, a virtual é vista por centenas de amigos online.

Um relatório recente da Strategy Analytics, empresa de consultoria e pesquisa de mercado, projeta um crescimento da receita com microtransações de US$1 bilhão em 2008 para US$17,3 bilhões em 2015, e uma das forças motrizes acredita-se que será o “social gaming”. Além disso, há uma tendência visível da monetização das redes sociais através do fornecimento de moeda virtual.

E o ciberespaço aos poucos se consolida como espaço de convivência também no que diz respeito à atividade econômica.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 31/08/2009, 08:20hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2620236,408,100,2

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 31/08/2009, 09:10hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/08/31/a_economia_de_wall_street_versus_a_economia_virtual_53175.php


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