segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O Capital de Aventura e a Democratização das Oportunidades de Geração de Riqueza

ARTIGOS ESPECIAIS

07/09 - 16:35

O Capital de Aventura e a Democratização das Oportunidades de Geração de Riqueza

7 de setembro de 2009 - Nos dias de hoje é inegável a importância da inovação tecnológica na democratização das oportunidades de geração de riqueza. Na lista dos 400 americanos mais ricos, segundo a Forbes, está o mais jovem de todos: Mark Zuckerberg, fundador da Facebook, tendo se tornado, já aos 23 anos de idade (em 2007), o mais jovem bilionário “self-made” de toda a história. Entre os 15 primeiros da lista de 2008 figuram seis “celebridades” do mundo da tecnologia da informação: Bill Gates (Microsoft), Lawrence Ellison (Oracle), Paul Allen (Microsoft), Sergey Brin (Google), Larry Page (Google), Steve Ballmer (Microsoft). Em comum entre eles, além do aspecto “self-made” (i.e., fortuna não-herdada), está o “combustível” inicial para os respectivos empreendimentos que lhes trouxeram o patrimônio bilionário: o chamado “venture capital”, frequentemente traduzido como “capital de risco”, ou “capital empreendedor”, mas que pode muito bem ser chamado de “capital de aventura” (como, aliás, o é na língua espanhola), dada a natureza aventureira da empreitada, pois envolve alto risco, alto retorno, longo prazo, ausência de liquidez, e normalmente está restrita a investimentos em nova tecnologia, novos conceitos de marketing ou novas possibilidades de aplicação de um produto.

Recente pesquisa da National Venture Capital Association (NVCA) traz dados de empregos e vendas que conclusivamente mostram a importância das empresas apoiadas pelo capital de aventura na economia americana. É possível encontrar empresas financiadas com capital de aventura em todos os setores da economia, embora com maior facilidade nos setores de tecnologia da informação e de assistência à saúde. Empreendimentos inovadores tais como Genentech, Medtronic, Microsoft, Amazon, Fedex, e Intel estão entre as diversas empresas americanas que receberam investimento de capital de aventura nos seus estágios iniciais. Juntas, as empresas alimentadas com esse tipo de capital empregaram mais de 10,4 milhões de trabalhadores americanos em postos de alta-qualidade, e geraram cerca de US$2,3 trilhões em receita em 2006. O total de receita das empresas apoiadas pelo capital de aventura compreendeu 17,6% do produto interno bruto, e 9,1% do emprego no setor privado dos EUA em 2006.

A mesma pesquisa revela que as empresas recipientes do capital de aventura bateram seus competidores que não tiveram esse tipo de investimento tanto em criação de empregos quanto em crescimento da receita. Entre 2003 e 2006, o emprego em empresas apoiadas por esse tipo de capital aumentou em 3,6%, enquanto que nacionalmente o emprego cresceu apenas 1,4%. No mesmo período, o crescimento das vendas nos EUA cresceu 6,5%, enquanto que as empresas apoiadas pelo venture capital experimentaram um crescimento de 11,8% nas vendas. Como se não bastasse, empresas inovadoras e de tecnologia de ponta que recebem investimentos de capital de aventura mantêm firmes os índices de emprego e de receita, em diversos setores da indústria, desde computadores e periféricos, vendas a varejo e distribuição, semicondutores, software, e telecomunicações, até biotecnologia, serviços financeiros, serviços de assistência à saúde, e dispositivos médicos. Ainda segundo o relatório da NVCA, em 2006, essas empresas do setor de computadores e periféricos empregavam cerca de 2 milhões de americanos, seguidas da indústria de energia industrial com 1,3 milhões de empregos. O setor de computadores e periféricos foi também o líder em 2006 com receita de US$533 bi, seguido do setor de energia com US$302,4 bi em receita naquele ano. Além do mais, os produtos revolucionários gerados pelos setores de biotecnologia e dispositivos médicos com apoio do capital de aventura sustentou em 2006 cerca de 494.000 postos de trabalho com altos salários e de mão de obra altamente especializada.

Ainda conforme o estudo da NVCA, o fato concreto é que o capital de aventura tem propiciado aos EUA um apoio inestimável ao talento e ao apetite empreendedores de seus cidadãos, transformando idéias e pesquisas científicas em produtos e serviços sem paralelo no resto do mundo. Trata-se de uma classe de ativos privados que financiam empresas desde a forma mais simples – muitas vezes apenas um empreendedor e uma idéia expressa sob forma de um plano de negócios – até organizações maduras e consolidadas. Empresas de capital de aventura são, na sua grande maioria, formadas por profissionais e administradores de capital de risco que financiam e agregam inteligência gerencial às empresas mais inovadoras e promissoras, que, regra geral, são empresas jovens e emergentes. Nesse sentido, o dinheiro financia novas idéias que não poderiam ser financiadas através das linhas de crédito mais tradicionais, e que, em geral, ameaçam produtos e serviços estabelecidos, e, tipicamente, demandam de cinco a oito anos para serem lançadas. Dessa forma, o capital de aventura se revela um tanto peculiar enquanto classe de ativo de investidor institucional, pois o investimento é feito numa empresa cujas ações, em termos práticos, não tem liquidez tampouco valor, até que a empresa amadureça por um período de cinco a oito anos. O acompanhamento e os futuros financiamentos seguem o desenvolvimento da empresa, servindo de checkpoints as chamadas “rodadas”, que ocorrem tipicamente a cada um ou dois anos, ocasião em que as ações são alocadas entre os investidores e a equipe administradora dos fundos com base numa “valoração” de comum acordo.

Além do dinheiro propriamente dito, o investimento de capital de aventura acrescenta inteligência gerencial, pois os parceiros de capital se põem diretamente envolvidos nos aspectos gerenciais da empresa, tipicamente assumindo posições no conselho de administração. Esse envolvimento é crítico para o sucesso de um jovem empreendimento, o que significa que os parceiros de capital têm o direito e a obrigação de recrutar talentos executivos e gerenciais capazes de escalar o empreendimento. Numa startup, é comum haver interação intensa e direta entre os fundadores e/ou empreendedores e a equipe executiva e gerencial, e isso limita o número de startups nas quais um dado fundo pode investir.

Curiosamente, toda essa nova cultura americana de investimento e suporte à inovação através do capital de aventura encontra num imigrante francês (que chegou a servir no exército americano) o seu nascedouro. Segundo Spencer Ante, colunista da BusinessWeek, em seu mais recente livro “Creative Capital: Georges Doriot and the Birth of Venture Capital” (“Capital Criativo: Georges Doriot e o Nascimento do Capital de Aventura”, HarvardBusiness School Press, Abril 2008), a emergência do capital de aventura moderno acontece na era do pós-Segunda-Guerra, e, não obstante a dominação do Vale do Silício, nasceu na Costa Leste pelas mãos de Georges Doriot. A noção de investir num negócio com dinheiro obtido além da própria família – o ponto crucial desse segmento nos dias de hoje – foi uma democratização sem precedentes do mundo dos negócios. A carreira de Doriot, por muitos anos professor da Harvard Business School, como capitalista de aventura começou formalmente em 1946, quando ele e diversos políticos de liderança, executivos de negócios, e acadêmicos da área de Boston, fundaram a American Research and Development (ARD). Embora o capital de risco já existisse há séculos, a ARD estabeleceu um novo modelo com três características fundamentais. Primeiramente, a ARD formava um “pool” de dinheiro de investidores, alguns deles instituições, que não tinham necessariamente qualquer relação entre si nem com a própria ARD. Em segundo lugar, a administração da ARD, sobre a qual Doriot não detinha quase nenhum controle, determinava como investir esse pool de dinheiro sem a influência dos investidores. Finalmente, após dar errado em alguns casos iniciais, a ARD buscou financiar empresas pequenas, cujos produtos se baseavam em pesquisa científica básica, ou mesmo simplesmente idéias para empresas. O caso mais célebre foi o de uma indústria de computadores que, no final dos anos 1950’s, desejava competir com a IBM trazendo como inovação os conceitos de interatividade e compartilhamento de tempo (“time-sharing”). De um investimento de US$70.000, a Digital Equipment Corporation evoluiu para uma entidade multimilionária, propiciando a seus investidores os frutos de um retorno-no-investimento de nada menos que 70.000 por cento. Segundo Ante, esse foi o primeiro gol de placa do capital de aventura, e o primeiro indicador de que esse setor viria a se consolidar definitivamente no mundo das finanças.

Conforme relato apaixonado de Ante, apesar do término trágico de sua carreira, todos os veios da vida de Doriot se conectam para formar algo profundo. Na segunda metade do século XX, os EUA experimentaram uma transformação histórica, na qual uma sociedade dominada por grandes corporações como Standard Oil, US Steel, e General Motors se tornou uma nação conduzida por startups apoiadas por capital de aventura tais como Digital Equipment Corporation, Intel Corporation, Microsoft, Starbucks, e tantas outras. Desde então, essas empresas pequenas e inovadoras têm criado novos mercados e milhões de postos de trabalho de alto-salário, ao mesmo tempo que forçado as velhas indústrias a se tornarem mais eficientes e produtivas. Doriot teria se tornado o profeta dessa nova “Nação de Startups”, o líder de uma cruzada econômica e social que democratizou o “clubinho” no qual havia se transformado o mundo das finanças. Ante considera que, mais que qualquer outra pessoa, Doriot – através de seus ensinamentos, escritos e liderança na vida militar, acadêmica e nos meios financeiros – foi o grande pioneiro da transição para uma economia baseada no empreendedorismo e na inovação. Por essa razão, Doriot deveria ser reverenciado tanto quanto outros titãs do mundo dos negócios como J.P. Morgan, John D. Rockefeller, ou Andrew Carnegie.

Numa palestra recente intitulada “The History of Venture Capital”, proferida no Programa de Empreendedorismo da Stanford University, Ante chama o Vale do Silício de “capital do capital de aventura”, e credita vários fatores para o deslocamento dessa cultura para a Costa Oeste dos Estados Unidos. Entre eles, a iniciativa de Frederick Terman, ex-reitor-executivo de Stanford e considerado o “arquiteto acadêmico do Vale do Silício”, ao estabelecer uma relação de mútuo respeito e benefício entre a academia e a indústria que acabou levando à formação do inigualável eixo de inovação em torno de Stanford. Contribuíram também uma maior aceitação da diversidade étnica na Costa Oeste, e uma educação universitária abundante no Vale do Silício. Fator fundamental, as empresas de capital de aventura em torno da lendária Sand Hill Road, que beira o campus de Stanford, começaram a surgir a partir dos anos 1960’s, incluindo as líderes Kleiner Perkins Caufields & Byers e Sequoia Capital.

A indústria do capital de aventura tem sentido bastante a crise econômica, alguns analistas chegando a sugerir a morte do modelo de negócios que foi tão bem-sucedido nessa revolução tecnológica da era da internet. Representantes tradicionais dessa indústria reagem e, em contraponto, afirmam que o melhor momento chegou: Tim Draper (Managing Director da Draper Fischer Juvertson), em palestra intitulada “Seizing the Economic Bull” (“Domando o Touro Econômico”) no Programa de Empreendedorismo de Stanford em 25/02/2009, diz que a depressão econômica do início de 2009 é, na verdade, uma grande dádiva para capitalistas de aventura, e até mesmo uma boa nova para os aspirantes a empreendedor. Segundo Draper, algumas das marcas mais dominantes foram iniciadas durante depressões e recessões, beneficiando-se de uma competição enfraquecida e um mundo com receio de se mexer. Essa é a hora de agir para aqueles que têm uma idéia inovadora. É preciso coragem.

E, como dizia Doriot, “o homem verdadeiramente corajoso é aquele que faz algo corajoso quando ninguém está olhando”.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 07/09/2009, 16:35hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2628474,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 07/09/2009, 09:12hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/09/07/o_capital_de_aventura_e_a_democratizacao_das_oportunidades_de_geracao_de_riqueza_53590.php


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