Inovação Disruptiva, Experiência do Consumidor, e a Economia Peer-to-Peer
Rafael Loureiro de Carvalho
Ruy J.G.B. de Queiroz
Maio 27, 2015
Inovação é o alvo do investimento, e o investimento é o combustível que mantém a economia em movimento de uma maneira ou de outra, destaca Clayton Christensen em conversa sobre o que ele chama de “empowering innovation”: inovação que transforma produtos caros e complicados, que anteriormente estavam disponíveis apenas para poucos, em produtos mais simples, mais baratos, e disponíveis para muitos.
Christensen é mais conhecido por ter escrito o clássico “The Innovator’s Dilemma” (1997) que introduz o conceito de “disruptive innovation”: um processo através do qual um produto ou serviço se estabelece inicialmente em aplicações simples na parte inferior de um mercado e, em seguida, se desloca implacavelmente para o segmento superior mercado, eventualmente tomando o lugar de concorrentes estabelecidos. Em tom de crítica ao autocentrismo da indústria do sistema financeiro, Christensen chama a atenção para o fato de que, diferentemente das “sustaining innovations” e das “efficiency innovations”, as inovações “empoderadoras” são as grandes geradoras de novos postos de trabalho. A ênfase demasiada nas chamadas “inovações de eficiência”, como tem ocorrido no Japão, argumenta Christensen, tem provocado um ciclo vicioso e um acúmulo de capital que, em última análise, não ajuda a romper com o baixo índice de crescimento do número de empregos que se instalou na economia global desde a última crise financeira.
Em seu livro Disrupting Digital Business: Create an Authentic Experience in the Peer-to-Peer Economy recentemente publicado pela Harvard Business Review Press (Maio 2015), Ray Wang demonstra não somente como empresas podem pensar fora da caixa, mas também apresenta formas, através das quais as organizações podem executar um pensamento disruptivo e se diferenciar nos seus mercados.
Num mercado globalizado e repleto de ferramentas tecnológicas propiciadas pela revolução digital, mudanças rápidas são corriqueiras: disrupções de mercados são constantes e provocam profundas modificações na maneira como empresas geram e entregam valor aos seus clientes, sejam estas transformações devidas à disponibilização de novas ferramentas, sejam elas devidas à criação de novos modelos de negócios. Grandes empresas imbuídas do espírito marcado pela revolução digital lidam com tecnologias até pouco tempo atrás inexistentes, como redes sociais, cloud computing, vídeo e comunicações unificadas, mobilidade, big data e a Internet of Things. Em um ambiente onde tendências são efêmeras, as companhias devem ser consistentes em cada interação com seus empregados, parceiros, fornecedores, e claro, seus clientes. Em uma realidade onde não se vendem apenas produtos ou serviços, mas sim, experiências, i.e. a chamada “customer experience” é o que prevalece, as organizações devem prezar pela concepção e manutenção de uma promessa de marca. Desta forma, os stakeholders serão capazes de entender a alma da empresa e saber o que esperar dela em cada interação.
A fim de que esta promessa de marca remeta à imagem de uma empresa que preza pela inovação, as empresas devem ser capazes de gerar modelos de negócios disruptivos. Sendo assim, não é mais suficiente apenas promover inovações incrementais, aquelas que prezam pela otimização de processos, produtos e serviços existentes, é preciso investir em inovação transformacional. No entanto, nem todas as empresas estão preparadas para este tipo de abordagem. Para saber quão receptiva à inovação uma empresa é, faz-se necessário entender o DNA organizacional. Para este diagnóstico, Wang divide as organizações em quatro categorias. As líderes de mercado representam apenas 5% dos empreendimentos. Elas querem ser as melhores, querem estar um passo à frente dos concorrentes, querem se diferenciar e, por isso, não têm medo de investir em coisas diferentes. Exemplos de organizações com este perfil: Apple, Amazon, Facebook, Oracle, Microsoft e Uber. As seguidoras rápidas, por sua vez, representam apenas 15% do mercado. Para este perfil de empresa, é importante inovar, no entanto, elas preferem esperar que as empresas líderes de mercado ajam antes. Elas optam por aprender com os erros e acertos das líderes para proporem uma versão melhorada desta diferenciação competitiva. Sendo assim, perdem a exclusividade proveniente do pioneirismo, contudo não demoram para reagir, mantendo, portanto, o seu market share. As cautelosas preferem inovação incremental à transformacional. Nestas empresas, predomina um cientificismo dedicado à manutenção e à otimização dos processos atualmente utilizados. As empresas com perfil cauteloso representam 50% do mercado. Companhias que negam a necessidade da inovação, acreditando que o status quo deve ser mantido, são chamadas de retardatárias. Elas são 30% do mercado e preferem aderir a tendências já bem estabelecidas; perdendo, portanto, uma margem maior de lucro devido à sua adoção tardia a modelos de negócios inovadores.
Tipo de Fatia do Pergunta
Organização Mercado Típica
Líderes de Mercado 5% "Como podemos transformar a indústria?"
Seguidores Rápidos 15% "O que pode acontecer se nosso competidor
agir antes?"
Cautelosos 50% "Temos absoluta certeza esta é a melhor ação
a ser tomada?"
Retardatários 30% "Quem precisa disso?"
Após entender o DNA organizacional, o autor recomenda que as empresas devem agir para gerar modelos de negócios digitais inovadores, a fim de disromper os mercados nos quais elas atuam. Para isso, é indispensável entender as necessidades reais dos clientes: ao contrário da inovação incremental, a inovação transformacional requer um entendimento profundo das causas raízes dos problemas. Diferentemente de uma economia analógica, a economia digital permite uma customização individual muito mais efetiva, o que possibilita às empresas o provisionamento de resultados específicos para cada cliente de maneira escalável. Para agradar e fidelizar o consumidor, é imprescindível fornecer-lhe um atendimento condizente com o contexto de cada interação, onde cada relacionamento possui um contexto diferente. Para entender estas interações, os dados já estão disponíveis: basta interpretar os rastros digitais deixados pelos usuários nas redes sociais e nos canais de atendimento e também minerar os dados provenientes de sensores instalados em objetos do cotidiano. A análise objetiva desses registros digitais permitirá às empresas tomadas de decisões analíticas.
A empresa já entendeu internamente o seu posicionamento, definindo uma promessa de marca a ser cumprida em cada interação com os stakeholder. Ela refletiu a respeito da importância da inovação transformacional em detrimento da incremental, analisando o seu DNA organizacional e percebeu que a tomada de decisões analíticas deve ser baseada nos rastros digitais dos clientes, a fim de prover uma customização individual em massa para grandes bases de consumidores. De acordo com Wang, o passo final para ser capaz de disromper mercados digitais é estar apta a entender o ecossistema. Em uma realidade hiperconectada, o modelo econômico P2P (people-to-people) dominará em relação aos tradicionais B2B (business-to-business) e B2C (business-to-consumer). Consumidores, fornecedores, parceiros e competidores podem falar abertamente uns com os outros e, por isso, coinovação e cocriação tornam-se possibilidades reais. O surgimento de novas formas de interação digital cada vez mais permeáveis e onipresentes, atrelado à popularização de plataformas de cooperação open source, viabiliza uma convergência de conhecimento, na qual cada stakeholder age como uma pessoa em uma comunidade e é capaz de gerar benefícios para todos os envolvidos. O desenvolvimento cooperativo de técnicas para interpretar a abundância de dados digitais é a chave para a inovação e a consequente disrupção de mercados, gerando benefícios compartilhados.
Muitos podem se beneficiar da leitura de “Disrupting Digital Business: Create an Authentic Experience in the Peer-to-Peer Economy”, pois a obra mostra a disrupção de mercado sob uma perspectiva diferente. O livro sugere que o leitor faça uma análise da estrutura de sua organização, antes de tentar entender o mercado em si. Trata-se de uma abordagem no mínimo interessante, sobretudo para organizações que não sabem por que não conseguem inovar e que se tornam meras expectadoras da inovação liderada pela concorrência. Os principais ensinamentos são decorrentes de um entendimento do DNA da empresa e da promessa da marca, sendo este último um conceito não tão comum em outras obras da área de estudo. A ideia de elevar a abordagem P2P do usual peer-to-peer ao próximo estágio, o modelo people-to-people também serve de alerta para empresas que operam alheias ao ecossistema, deixando de lado os conceitos de cocriação e coinovação, com o discurso de que não se pode cooperar com a concorrência.
R "Ray" Wang é analista chefe e CEO da empresa baseada no Vale do Silício Constellation Research, cujo objetivo é prover insights de como modelos de negócios podem ser influenciados por tecnologias disruptivas. Ele também é autor da obra “A Software Insider’s Point of View” e escreve para importantes blogs como o Forbes CIO Central e o Harvard Business Review, com audiências somadas de dezenas de milhões de leitores. Sua consultoria foca na análise de negócios emergentes e tendências tecnológicas para fazer uma ponte entre os líderes e a adoção de tecnologias inovadoras.
Rafael Loureiro de Carvalho, Mestrando do Centro de Informática da UFPE
Ruy J.G.B. de Queiroz, Professor Titular do Centro de Informática da UFPE