sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Monopólios da Informação e o Princípio das Separações


Monopólios da Informação e o Princípio das Separações

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Tal qual as novas mídias do século XX – rádio, telefone, televisão, cinema – a internet surgiu trazendo uma mensagem de abertura e de liberdade sem precedentes na história da humanidade. Mais do que todas essas outras mídias, no entanto, talvez por combinar a conversação com a difusão, a internet trouxe consigo uma arquitetura extremamente propícia à criatividade e à inovação. Não é à toa que a era da internet tem sido aclamada como um momento inédito de liberdade nas comunicações e na cultura. Como parte de um ciclo virtuoso, o espetacular crescimento da internet tem sido realimentado pela inovação: novas aplicações possibilitam novas formas de utilização da rede, assim como as novas tecnologias de interconexão física fazem crescer a gama de redes sobre as quais a internet pode se apoiar. Em “Internet Architecture and Innovation” (The MIT Press, Julho 2010) Barbara van Schewick defende que essa explosão de inovação não é um acidente, mas uma mera conseqüência da arquitetura da internet: decorre das escolhas tecnológicas concernentes à estrutura interna da rede feitas no momento de sua própria concepção.
Parece igualmente fundamental o papel da arquitetura da rede no espantoso histórico de inovação em software, negócios e serviços no mundo virtual, e, naturalmente, de crescimento econômico. É justamente nesse espírito que van Schewick se propõe a analisar o quanto a arquitetura da internet afeta a inovação, e, de modo mais geral, de que forma a arquitetura de um sistema complexo influencia um sistema econômico ou uma atividade econômica tal como a inovação.  Em tom de recomendação, van Schewick defende que as mudanças no ecossistema da internet que desviem dos princípios originais de concepção da internet deverão reduzir tanto o volume quanto a qualidade da inovação em aplicações, assim como limitar a capacidade de escolha do usuário. E isso significaria uma ameaça à capacidade de realização de todo o potencial da internet em agregar valor econômico, cultural, social, político, e, por que não dizer, libertário a toda a sociedade. Sem a devida regulamentação, os provedores de acesso farão o possível para modificar a estrutura interna da internet, em benefício próprio. Como bem dizia Adam Smith, produtores sempre tentam descobrir como monopolizar e obter mais lucros, mas a competição é que os impede ou os dificulta, ainda que nunca desistam.
O fato concreto é que a rede mundial tem sido olhada como um verdadeiro modelo do que seria o livre mercado no qual a competição ocorre em sua forma mais pura. Segundo Tim Wu em palestra recente no TEDxEast (11/11/10), esperava-se que a internet viesse a tornar concreto o paraíso idealizado por Adam Smith, onde a competição nunca deixasse de existir, e onde toda empresa grande estaria sujeita a ser passada para trás por uma startup portadora de tecnologia revolucionária. Enfim, um mundo no qual nunca deixariam de existir ciclos de renovação e de novas idéias, livres de restrições impostas por monopólios.
Como justificar, no entanto, o fato de que, paradoxalmente, grande parte dos principais setores da internet são controlados por uma empresa dominadora ou um oligopólio? Como observa Wu em “In the Grip of the New Monopolists” (Wall Street Journal, 13/11/10), a Google “detém” busca, a Facebook domina o setor de redes sociais, a eBay manda no setor de leilão eletrônico, a Skype é soberana na telefonia VoIP, a Twitter dá as cartas no setor de microblog de tempo real, a Apple é praticamente dona do comércio de conteúdo online, a Amazon detém o setor de vendas a varejo online, e assim por diante.
É bem verdade que há os chamados territórios (ainda) sem dono, tal como o setor do livro eletrônico, mas tudo indica que a divisão em capitanias não tende a mudar muito num futuro próximo.  O surgimento da indústria de aplicativos específicos para uma determinada plataforma (iPhone, Android, Facebook, etc.)  pode parecer uma ameaça a essa distribuição de fatias entre monopólios, mas até esse tipo de atividade segue a mesma tendência: para salvar a sua própria sobrevivência, os aplicativos têm que garantir seu lugar na plataforma de um monopólio, reforçando ainda mais a dominação deste último. Segundo Wu, é difícil evitar a conclusão de que estamos vivendo numa era de grandes monopólios da informação, e caberia refletir se o livre mercado na internet tende a se transformar em paraíso de monopólios.
Em seu livro “The Master Switch: The Rise and Fall of Information Empires”, recentemente publicado pela Knopf (Novembro 2010), Wu mostra que os grandes impérios da informação do século XX seguiram um padrão bem claro e bem definido: após o caos que advém de uma inovação tecnológica, uma potência corporativa intervém e centraliza o controle da nova mídia – a “chave-mestra”. Através de uma análise histórica do cenário da indústria da informação no século passado, o autor chama a atenção para os momentos decisivos em que uma nova mídia surge aberta ou fechada, desde o aparecimento do rádio até a chegada da internet, nos quais o controle centralizador pode trazer sérias conseqüências. Analisando a história das mídias nos Estados Unidos, o livro mostra que cada nova mídia surgiu numa situação semelhante ao que ocorreu no aparecimento da internet: após uma onda de otimismo idealista a nova mídia acaba se transformando no objeto de consolidação industrial, vindo a afetar profundamente a forma como as pessoas se comunicam. Segundo Wu, cinco seriam os principais fatores responsáveis pelo fato de que a informação atrai o monopólio: (i) efeitos em rede; (2) economia de escala; (3) poder de integração; (4) busca pelo poder; (5) a simpatia do estado pelos monopólios.
São vários os casos concretos desse tipo de situação: não apenas o rádio, mas o telefone, a televisão assim como o cinema, todas essas mídias surgiram livres e abertas, e sempre convidativas ao uso praticamente irrestrito aos mais diversos experimentos empreendedores. Vítima de seu próprio sucesso, cada nova mídia acabou atraindo a atenção de algum aspirante a magnata que acaba construindo um império à sua volta às custas da abertura dessa mídia. Alguns exemplos canônicos destacados por Wu: Adolph Zukor, criador do império de Hollywood; David Sarnoff, fundador da rede de TV americana NBC; e Theodore Vail, fundador do todo-poderoso aglomerado da telefonia Bell que reinou por cerca de 70 anos.
Demonstrando preocupação com o futuro da internet como midia aberta, num cenário em que grandes impérios da informação da internet tais como Apple e Google têm adotado manobras com características semelhantes às que já ocorreram com outras mídias, com sérias conseqüências à liberdade de expressão e à inovação, Wu defende que sujeitar a economia da informação aos métodos tradicionais de enfrentamento à concentração de poder industrial não é o melhor caminho. Ao invés de uma abordagem regulatória, seria imperativo adotar uma abordagem constitucional para garantir a separação entre as duas principais forças da economia da informação: aquelas que produzem conteúdo, aquelas que detêm a infraestrutura de rede através da qual as informações são transportadas, e aquelas que controlam os pontos de acesso. É como separar o estado da igreja, diz Wu em sua participação no debate “Big Media: Pro and Com” organizado pela Faculdade de Jornalismo da Columbia University em 30/11/10. Ao se opor ao que se denomina tecnicamente de “integração vertical”, o Princípio das Separações eliminaria as tentações e vulnerabilidades às quais estão sujeitas as entidades envolvidas.
Todos sabemos que sem as devidas salvaguardas, a internet pode vir a ser controlada pelo estado, como é o que ocorre, por exemplo, na China. Wu, no entanto, nos faz ver que a ameaça de controle pode vir também do setor privado, pois o controle da chave-mestra pode muito bem cair nas mãos de corporações, e isso representa enormes desafios para a sociedade, tanto no nível das nações quanto, e com maior gravidade, no nível global.
(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Participação Societária em Startups


A Participação Societária em Startups

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Uma das características marcantes da cultura de startups e de ecossistemas de empreendedorismo em alta tecnologia tais como o Vale do Silício e a Ala do Silício (“Silicon Alley”, Nova Iorque) é a convivência da moeda tal qual conhecemos (dinheiro) lado a lado com uma noção mais abstrata de valor: a participação societária (em inglês, “equity”). Levando-se em conta os espetaculares fatores multiplicadores de crescimento do valor de mercado de certas empresas pioneiras em tecnologia disruptiva (Google num passado recente, e Facebook no momento atual), a participação societária pode valer mais que dinheiro. Não é à toa que a indústria do capital de ventura (capital de risco), desde seus primórdios através do pioneirismo de George Doriot até os difíceis tempos de hoje, tenha sido levada a desenvolver suas próprias regras econômicas. E isso, naturalmente, representa um elemento complicador na vida de um empreendedor, daí a recomendação de especialistas como Fred Wilson, autor de AVC.com, um das referências no universo dos blogs sobre investidores em startups, para que empreendedores tenham sempre ao seu lado um advogado experiente e especialista em startups.
Bem a propósito, o Berkman Center (Harvard) hospedou recentemente uma sessão extremamente esclarecedora sobre questões legais enfrentadas por startups (“Legal Issues for Startups”, 26/10/10), apresentada por John Chory, advogado e coordenador do WilmerHale Venture Group e membro do Corporate Practice Group. Especialista em representação de empresas em estágios iniciais de seu desenvolvimento, e apoiadas por capital de ventura, que atuam nas áreas de tecnologia e de ciências da vida, Chory tem ampla experiência em assistência jurídica a empresas públicas e privadas no que concerne a financiamento por capital de ventura, oferta pública de ações, fusões e aquisições, licenceamento de tecnologia, e direito mobiliário. Entre seus clientes ninguém menos que Akamai, A123 Systems, LogMeIn, Zipcar, e tantos outros casos de sucesso.
Tomados em conjunto, seus clientes terão levantado mais de meio bilhão de dólares em capital de ventura ao final de 2010.
Segundo Chory, a distribuição justa da participação societária (isto é, proporcional ao comprometimento e ao esforço dedicado ao empreendimento) é certamente um dos passos fundamentais para o sucesso de uma startup. Qualquer desequilíbrio é receita para que se enfrente dificuldades as mais variadas, desde o levantamento de capital de ventura até a venda ou a fusão a outras empresas.
Uma outra questão legal de valor absolutamente crítico para o sucesso de uma startup é a que se refere às provisões de aquisição de ações (em inglês, “vesting provisions”): ações devem ter um prazo de concretização da posse por parte de um fundador, pois dessa forma previnem-se situações problemáticas nas quais um ou mais fundadores deixam a empresa num estágio ainda um tanto inicial e mesmo assim mantêm a propriedade de todas as ações que lhe foram alocadas. Em geral, essas provisões de aquisição são estendidas aos investidores assim que o capital é investido no empreendimento.
O processo de vesting normalmente acontece durante um period de quatro anos, embora algumas empresas se utilizem de um período de três anos. O que ocorre é que as opções de compra de ações não pertencem integralmente ao pretenso proprietário antes dele ter lhes vestido. Muitas empresas fazem o que se chama de “cliff vest” para o primeiro ano, o que significa que a aquisição só ocorre no dia em que se completou um ano. A vantagem do vesting é que o pretenso proprietário tem a garantia do valor pré-estabelecido das ações, e mesmo que o valor de mercado suba muito, a aquisição será feita ao final do período com base naquele valor inicial.
Possível fonte de problemas para startups são as chamadas “condições de aceleração” do processo de vesting de ações: antecipar a posse de ações em função de eventos como saída da empresa, demissão por justa causa, fusão ou aquisição por empresa maior, invalidez para o trabalho, etc., pode criar incentivos incorretos e/ou indesejáveis. E tudo isso é levado em conta por investidores no momento de avaliar o risco e o potencial de sucesso do empreendimento. Obviamente que a capacidade de atração de profissionais de excelência entra nessa conta, e aí entram as considerações sobre a participação societária de empregados.
Em seu artigo “Employee Equity” (AVC.com, 27/09/10), Fred Wilson lembra que uma das características inerentes à cultura de startup é justamente a participação do empregado na propriedade da empresa. Sabe-se que muitas empresas consolidadas e de grande porte também incorporam a cultura da participação societária do empregado, mas ao aceitar trabalhar numa startup, normalmente se espera fazer parte do rol de acionistas, pois, dessa forma, se a empresa for bem sucedida e vier a ser vendida ou tornada pública (na bolsa de valores), muitos serão os ganhos financeiros decorrentes de tais eventos. A bem da verdade, a participação societária de empregados está definitivamente integrada à cultura de startup, pois reforça a idéia de que todos fazem parte de uma equipe, todos são acionistas, e todos se esforçarão ao máximo para o crescimento da empresa.
Não é incomum uma startup se valer da oferta de opções de compra (ou venda) de ações por um preço estabelecido (normalmente vantajoso em relação ao preço de mercado atual ou futuro) ao empregado e a outros participantes importantes tais como empresas parceiras, membros do conselho de administração, e grandes clientes. De modo a premiar apropriadamente o comprometimento, a contribuição ao crescimento da empresa, incentivar a fidelidade, e evitar o espalhamento da participação societária entre ex-participantes, tais ofertas são normalmente associadas a provisões de aquisição.
Embora a participação societária do empregado seja uma prática comum em startups, os níveis de participação variam bastante. Segundo Fred Wilson, até a geografia tem influência nesses índices. Por exemplo, em ecossistemas consolidados como o Vale do Silício, Boston, e a Ala do Silício (Nova Iorque), os níveis são bem elevados. Já em ambientes ainda em processo de consolidação, a cultura de oferta de participação societária a empregados ainda se revela incipiente e difícil para todos os envolvidos.
Para os parques tecnológicos aspirantes a Vale do Silício, fica a lição de que, de fato, empreendedorismo de alta tecnologia não acontece no vácuo. Além de forjar a relação entre o conhecimento e o empreendimento, é preciso propiciar um ambiente de assistência e de segurança jurídica compatível com o que há nos principais eixos de inovação tecnológica. Além de lidar com todos os aspectos legais e jurídicos, advogados especialistas em direito corporativo e direito mobiliário têm o papel de ajudar os empreendedores a fazer seus negócios decolarem: apresentando-os a investidores em potencial (anjos, superanjos, capitalistas de ventura) e a mentores, negociando licenças, executando contratos, ofertas pública de ações, e fusões, fazendo parte de conselhos de administração, dando assistência jurídica a clientes.
É por essas e outras que Gordon Davidson, Chairman da Fenwick & West, LLP, advogado especializado em startups, tendo na carteira de clientes empresas como Cisco, Electronic Arts, Intuit, Macromedia, e Symantec, em palestra em Stanford (“The Role of Lawyers in the Startup Ecosystem”, 26/05/2004), já recomendava que todo empreendedor conheça um mínimo de mercado de ações, proteção à propriedade intelectual, e os casos bem sucedidos de criação de ecossistemas de inovação tecnológica.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O Incentivo a Novos Empreendimentos de Alto Potencial de Crescimento


O Incentivo a Novos Empreendimentos de Alto Potencial de Crescimento

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Inúmeras são as evidências do papel fundamental da inovação tecnológica como propulsora do crescimento econômico. Com efeito, sobretudo desde os anos 1950’s, economistas e especialistas em políticas públicas têm demonstrado o quão estreita é a relação entre os aumentos em prosperidade econômica e a inovação, seja através de novas descobertas científicas, seja por meio de mudanças incrementais na forma pela qual as unidades fabris ou as prestadoras de serviço desempenham suas atividades. E esse fenômeno vai além das fronteiras do tempo e das nações.
Numa época em que a criação de empregos é o grande desafio, a inovação e o empreendedorismo ressurgem como motores fundamentais do crescimento econômico. À medida em que os governos mundo afora tentam alimentar esses motores, resta saber sob quais princípios deve ser conduzida a intervenção governamental no processo de geração de novos empreendimentos, alguns de natureza intrinsecamente arriscada mas de alto potencial de retorno.
Como bem recorda Josh Lerner, professor da Harvard Business School, e autor de “Boulevard of Broken Dreams: Why Public Efforts to Boost Entrepreneurship and Venture Capital Have Failed-and What to Do About It” (Princeton University Press, 2009), pelo qual recebeu o Global Award for Entrepreneurship Research em 2010, a percepção de que a inovação é crucial ao crescimento econômico tem origem no trabalho pioneiro de Morris Abramowitz de 1956 sobre a relação entre o que a economia americana produziu, isto é, a “saída” da economia, e o que lhe foi alimentado como entrada. Em poucas palavras, Abramowitz chegou à conclusão de que havia apenas duas maneiras de aumentar a saída: (1) aumentando o número de entradas que alimentam o processo produtivo (por exemplo, elevando a idade mínima de aposentadoria dos trabalhadores), ou (2) desenvolvendo novas maneiras de obter mais saída a partir das mesmas entradas.
Após analisar os dados estatísticos, Abramowitz observou que o crescimento das entradas no período de 1870 a 1950 dava conta de apenas 15% do verdadeiro crescimento da saída da economia, e os 85% restantes não poderiam ser explicados pelo crescimento nas entradas. Esse acréscimo na atividade econômica teria tido sua origem a partir de inovações na obtenção de mais resultados em cima das mesmas entradas. Desde então, diversos estudiosos, entre eles Robert Solow, Prêmio Nobel de Economia, obtiveram resultados semelhantes, contribuindo para um consenso no sentido de que o gerador crucial do crescimento eram as mudanças nas formas com que as entradas eram utilizadas. O tamanho desse crescimento não explicado, e o fato de resultados semelhantes continuarem a ser obtidos mesmo com metodologias diversas, têm levado a maioria dos economistas a concluir que a inovação é, de fato, a principal força por trás do crescimento da saída.
É fato que o íntimo relacionamento entre a inovação e o crescimento econômico tem sido amplamente reconhecido. Não apenas os países mais desenvolvidos tais como a União Européia, que tem recentemente considerado o investimento em pesquisa como um de seus objetivos fundamentais nos próximos anos, mas também os países emergentes, como a China, têm incorporado a idéia de que a inovação é crítica para o crescimento. Diversos estudos têm revelado os efeitos positivos do progresso tecnológico em áreas como a tecnologia da informação, e não apenas através da mera identificação de um residual inexplicado. Parece inegável, portanto, que é essencial para o futuro econômico de um país não somente o que ele produz, mas como ele produz. A busca por novas formas de produção parece ser crucial, e nisso o fator de risco pode ser maior do que deseja o espírito conservador.
A literatura acadêmica tem destacado o papel do empreendedorismo e do capital de risco (“venture capital”) no estímulo à inovação. Muitas são as tentativas de examinar a relação entre o tamanho da empresa e o volume de inovação produzido por ela, e, muito embora os resultados se mostrem inconclusivos, há um consenso entre os especialistas no sentido do quão crítico é o papel desempenhado pelas novas empresas nos mais variados setores econômicos. Como sugere Lerner, diversos estudos indicam que os empreendedores e as startups têm um papel fundamental no perceber onde as novas tecnologias podem atender às necessidades do consumidor, e rapidamente introduzir novos produtos.
Nesse contexto, o estímulo governamental à criação de novos empreendimentos de alto potencial de crescimento aliado ao chamado aos investidores de risco se revelam como de importância crítica para o crescimento econômico. Não obstante, se, por um lado, políticas públicas criteriosas podem influenciar positivamente as oportunidades, por outro lado, iniciativas mal conduzidas correm o risco de desperdiçar o dinheiro do contribuinte. É nesse espírito que Lerner, em “Boulevards of Broken Dreams”, avalia diversos casos de intervenção governamental no estímulo às chamadas venturas de alto potencial de crescimento, concluindo com uma série de recomendações para a implementação criteriosa do apoio governamental de atividades empreendedoras de alto risco em tecnologia , de modo que os erros de experiências mal sucedidas não sejam repetidos.
Os principais eixos globais de inovação tecnológica – Vale do Silício, Cingapura, Tel Aviv – todos trazem marcas do investimento governamental. Exemplos mais recentes, alguns bem sucedidos, outros nem tanto, incluem Jamaica, Dubai, Nova Zelândia, Bangalore, e as províncias de Guangdong e Zhejiang (China). Ao invés de assumir que não há lições a serem tomadas dessas experiências anteriores, dada a dificuldade de isolar cada caso de suas peculiaridades culturais e locais, Lerner defende que “o fracasso de esforços de governos no estímulo às atividades empreendedoras e de ventura era completamente previsível.” Todos esses esforços compartilharam falhas na sua concepção que os tornaram fadados ao insucesso. E alguns desses erros apareceram em iniciativas na Europa e até mesmo nos Estados Unidos. Lerner enumera três princípios básicos para o sucesso de políticas públicas nessa área: (1) Lembrar sempre que a atividade empreendedora não existe no vácuo. Empreendedores são extremamente dependentes de seus parceiros. Sem advogados experientes para negociar os acordos, gurus de marketing bem desenvoltos, engenheiros que estejam dispostos a receber salários não muito altos mas opções de ações como compensação, e clientes dispostos a experimentar  uma empresa nova, o sucesso é improvável. (2) Deixar o mercado determinar a direção. Os programas de incentivo devem exigir que uma quantidade substancial de fundos seja levantada de fontes não-públicas. (3) Resistir à tentação de supercontrolar. Em muitos casos, os requisitos governamentais que limitam a flexibilidade de empreendedores e investidores de risco têm sido detrimentais. É tentador impor restrições em diversas dimensões: localização das empresas, tipo de valores mobiliários que os investidores de risco podem utilizar, e a evolução das empresas (por exemplo, restrições a aquisições ou vendas secundárias de ações).
Afeito a esses princípios básicos, o Vale do Silício serve de modelo a muitos que aspiram reproduzir seu sucesso.
Em discurso na Stanford University em 24/06/10, o presidente da Rússia Dmitry Medvedev afirmou que, como parte de um amplo esforço de modernizar a economia russa e reduzir sua dependência dos recursos naturais, seu governo está planejando implantar um centro de inovação de alta tecnologia, no estilo “Vale do Silício”, em Skolkovo, região metropolitana de Moscou. A idéia é propiciar a criação de um ecossistema de investimento e inovação em cinco áreas estratégicas: eficiência no setor de energia, energia nuclear, tecnologia da informação, telecomunicações, e biotecnologia. Medvedev aproveitou a ocasião para anunciar uma nova política de taxação e de incentivos fiscais para atrair investidores e empreendedores estrangeiros.
O Chile é mais um dos países que se declaram dispostos a se apropriar do legado do Vale do Silício. Em palestra intitulada “Chile: Launching a Global Entrepreneurship Hub”, proferida em 22/09/10 no Stanford Technology Ventures Program, Juan Andrés Fontaine, Ministro da Economia do Chile, expôs o programa de criação de um ecossistema de empreendedorismo em alta tecnologia em seu país, que inclui incentivos para atração de investidores e empreendedores dos principais eixos de inovação tecnológica, a começar pelo Vale do Silício. Apresentando seu país como uma startup em crescimento, Fontaine defende que as mudanças tão desejadas pela sociedade podem vir através da inovação, ao invés da revolução. É preciso haver uma melhor interação entre cientistas e empreendedores, e, através de uma melhor compreensão do exemplo do Vale do Silício, assim como de uma melhor aproximação entre a academia e a indústria, será possível consolidar uma cultura de inovação e empreendedorismo que possa levar o Chile à condição de eixo latino-americano de inovação tecnológica, advoga Fontaine. Oxalá o exemplo seja seguido pelo restante da América Latina!
Como diz Lerner, por mais desafiador que seja o estímulo ao empreendedorismo, trata-se de assunto importante demais para deixar nas mãos dos responsáveis por políticas públicas.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Aprender Brincando Significa mais Engajamento


Aprender Brincando Significa mais Engajamento

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Se a tecnologia tem trazido mudanças não raro radicais a cada aspecto da vida contemporânea, tudo caminha para que a escola e o aprendizado não fiquem de fora. Desfrutando de ampla popularidade e uma singular capacidade de engajar a juventude, os videogames têm sido aclamados como um novo paradigma para a educação do século XXI. Não obstante, em uma abreviada auto-descrição no seu website, o “Games For Learning Institute” (“Instituto Games para o Aprendizado”) da New York University lembra que, surpreendentemente, sabe-se ainda muito pouco sobre o quão bem sucedidos os games têm se revelado no papel de ferramenta educativa: quais são os elementos fundamentais do design que tornam os jogos quase que irresistíveis, de fácil acesso, e divertidos? quanto diferem os gêneros de games na sua eficácia para tópicos específicos e para aprendizes específicos? como é que as crianças aprendem quando jogam videogames? qual é a importância do cenário? de que forma os games podem ser usados para preparar o futuro aprendizado, introduzir material novo, ou fortalecer e expandir o conhecimento existente? De que maneira os games podem ser concebidos para que facilitem a transferência do aprendizado para as realidades do cotidiano do aluno?
Apostando justamente na capacidade de engajamento do jogo, eletrônico ou não, Katie Salen, game designer e diretora executiva de design da audaciosa iniciativa de Nova Iorque denominada “Quest to Learn”, defende que é preciso ir além da concepção tradicional de que a escola é um “receptáculo” para o aprendizado, pois a criança passa por muitos contextos de aprendizado todos os dias. Decorrente de sua visão de designer, Salen costuma ver as coisas em termos de seu potencial ideal e do espaço físico que ocupam, o que lhe permite se referir à escola como um “espaço de aprendizado”, ou “espaço de descoberta”, ou ainda “espaço de possibilidades”.
Inaugurada no Outono de 2009 para servir do 6º ano ao ensino médio, a Quest to Learn nasceu com o propósito de “conectar o aprendizado escolar às demandas do século XXI, apoiando a juventude em suas diversas experiências de aprendizado em todos as suas facetas, desde redes digitais, comunidades de pares, conteúdo, carreiras, e mídias”. Tudo começou em 2006 quando a MacArthur Foundation voltou sua atenção ao design de ambientes de aprendizado do século XXI que, ao mesmo tempo, responderiam às necessidades das crianças que crescem numa era digital, rica de informações, e globalmente complexa, e buscariam premiar a criatividade, a inovação, e a desenvoltura. Em 2007 a ONG novaiorquina denominada “New Visions for Public Schools” se juntou ao “Institute of Play”, organização dedicada à aproximação entre os games e o aprendizado, fundada por Katie Salen, para trabalhar na concepção de uma escola que utilizaria o “aprendizado no estilo jogo” como uma forma de engajar e dar autonomia aos alunos em todas as suas caminhadas pela vida.
A idéia seria levar a cabo uma abordagem ao aprendizado que puxasse pelo que os games têm de melhor: mergulhar a criança em espaços de problema complexos, baseados na indagação, de modo a ajudar o jogador a entender como está indo, o que precisa trabalhar melhor, e para onde ir a partir daquele ponto. O conteúdo não seria tratado como uma informação morta mas como um recurso cheio de vida: o aluno seria incentivado a interagir com o mundo à sua volta de formas que lhe parecessem relevantes, empolgantes, e lhe propiciassem o sentimento de autonomia.
De forma a maximizar o aprendizado, a “Quest to Learn” foi concebida de modo a permitir a quebra de barreiras entre a escola e o espaço doméstico, e até mesmo entre a escola e os espaços informais tais como a lanchonete e o ginásio. É como se a escola passasse a fazer parte de uma verdadeira rede de espaços de aprendizado que envolve outros espaços locais ou globais, físicos ou digitais, individuais ou colaborativos, conduzidos por professor ou por pares. Toma-se como fundamental, inclusive, a criação dos chamados “feedback loops” (“laços de realimentação”): o aluno precisa ver como aquele conteúdo, seja de matemática ou de qualquer outra disciplina, se revela em múltiplos contextos.
No prefácio do documento “Quest to Learn. Developing the School for Digital Kids” (por Katie Salen, Robert Torres, Loretta Wolozin, Rebecca Rufo-Tepper and Arana Shapiro, The MIT Press, a ser publicado em Novembro 2010, mas já disponível online), Salen afirma que os game designers transitam no espaço de possibilidades, e que por essa razão concebem sistemas que definem regras que dão surgimento não apenas ao jogo em si mas também a um sentido de que qualquer coisa é possível.
Além do mais, há um benefício específico no que diz respeito à socialização no século XXI: ao conceber um game, nos perguntamos quem está do outro lado? Como será a percepção e a reação de quem está do outro lado? Ao mesmo tempo, games são profundamente sociais, apesar da impressão de que provocam isolamento e auto-satisfação. Sendo assim, o aprendizado tem no jogo um grande aliado pois sabe-se muito bem que sem a socialização o aprendizado tende a ser menos rico.
É inegável que os games propiciam certos tipos de experiência de aprendizado e de práticas sociais que se mostram fundamentais no mundo de hoje: colaboração, formação de equipe, resolução de problemas em espaços complexos, capacidade de assumir múltiplas identidades e/ou de explorar e tentar modos diferentes de ser ou fazer. Com efeito, o videogame se revela um ambiente extremamente indulgente com a criança, pois dá espaço à experimentação, à tentativa-e-erro e à audácia de assumir riscos sem a pressão para que erros não sejam cometidos. Observa-se em quem quer que jogue videogames o entusiasmo pela passagemde nível, e pela busca incessante da “vitória épica”. Ao mesmo tempo, chagar ao final até mesmo de um game relativamente fácil pode levar mais de 12 horas de jogo, e quase sempre envolve diversas situações de fracasso. Em palestra no Game for Learning Institute (“Why Games are Good for Learning”, 17/02/10), Will Wright, famoso por ter concebido videogames inovadores e de amplo sucesso como The Sims (2000) e Spore (2008), se refere ao game como “aprendizado baseado no fracasso,” no qual o insucesso é breve, suplantável, em geral empolgante, e portanto não assustador. É como se um jogo bem concebido fosse, fundamentalmente, uma série de laços de realimentação, devolvendo uma avaliação em pequenas e freqüentes doses.
É justo nesse ponto que Salen vislumbra uma analogia entre o game e o bom ensino: há um nítido sentido de desafio atingível, não obstante os complexos desafios à frente. Mais do que isso, os games são motivadores porque a criança entende que foram projetados para que ela seja bem sucedida, pois no mínimo já viu outra criança se dar bem, e com ela não seria diferente. Sabe-se que nem sempre o mesmo ocorre com relação à sala de aula.
Em matéria recente no New York Times (“Learning by Playing”, 15/09/10), Sara Corbett chama a atenção para o fato de que a idéia de utilizar o videogame como ferramenta para o aprendizado tem recebido apoios célebres e um tanto inusitados: desde uma integrante emérita da Suprema Corte dos Estados Unidos (Sandra Day O’Connor), até um renomado biólogo evolucionista (E. O. Wilson, da Harvard University). Em entrevista a Will Wright em 2009, Wilson diz acreditar que “games são o futuro na educação”, acrescentando que “estamos passando por uma rápida transição nesse momento” e que “estamos prestes a deixar para trás o papel impresso e os livros-texto”.
Resta encarar o desafio com a mente livre e o coração aberto.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE