segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Aprender Brincando Significa mais Engajamento


Aprender Brincando Significa mais Engajamento

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Se a tecnologia tem trazido mudanças não raro radicais a cada aspecto da vida contemporânea, tudo caminha para que a escola e o aprendizado não fiquem de fora. Desfrutando de ampla popularidade e uma singular capacidade de engajar a juventude, os videogames têm sido aclamados como um novo paradigma para a educação do século XXI. Não obstante, em uma abreviada auto-descrição no seu website, o “Games For Learning Institute” (“Instituto Games para o Aprendizado”) da New York University lembra que, surpreendentemente, sabe-se ainda muito pouco sobre o quão bem sucedidos os games têm se revelado no papel de ferramenta educativa: quais são os elementos fundamentais do design que tornam os jogos quase que irresistíveis, de fácil acesso, e divertidos? quanto diferem os gêneros de games na sua eficácia para tópicos específicos e para aprendizes específicos? como é que as crianças aprendem quando jogam videogames? qual é a importância do cenário? de que forma os games podem ser usados para preparar o futuro aprendizado, introduzir material novo, ou fortalecer e expandir o conhecimento existente? De que maneira os games podem ser concebidos para que facilitem a transferência do aprendizado para as realidades do cotidiano do aluno?
Apostando justamente na capacidade de engajamento do jogo, eletrônico ou não, Katie Salen, game designer e diretora executiva de design da audaciosa iniciativa de Nova Iorque denominada “Quest to Learn”, defende que é preciso ir além da concepção tradicional de que a escola é um “receptáculo” para o aprendizado, pois a criança passa por muitos contextos de aprendizado todos os dias. Decorrente de sua visão de designer, Salen costuma ver as coisas em termos de seu potencial ideal e do espaço físico que ocupam, o que lhe permite se referir à escola como um “espaço de aprendizado”, ou “espaço de descoberta”, ou ainda “espaço de possibilidades”.
Inaugurada no Outono de 2009 para servir do 6º ano ao ensino médio, a Quest to Learn nasceu com o propósito de “conectar o aprendizado escolar às demandas do século XXI, apoiando a juventude em suas diversas experiências de aprendizado em todos as suas facetas, desde redes digitais, comunidades de pares, conteúdo, carreiras, e mídias”. Tudo começou em 2006 quando a MacArthur Foundation voltou sua atenção ao design de ambientes de aprendizado do século XXI que, ao mesmo tempo, responderiam às necessidades das crianças que crescem numa era digital, rica de informações, e globalmente complexa, e buscariam premiar a criatividade, a inovação, e a desenvoltura. Em 2007 a ONG novaiorquina denominada “New Visions for Public Schools” se juntou ao “Institute of Play”, organização dedicada à aproximação entre os games e o aprendizado, fundada por Katie Salen, para trabalhar na concepção de uma escola que utilizaria o “aprendizado no estilo jogo” como uma forma de engajar e dar autonomia aos alunos em todas as suas caminhadas pela vida.
A idéia seria levar a cabo uma abordagem ao aprendizado que puxasse pelo que os games têm de melhor: mergulhar a criança em espaços de problema complexos, baseados na indagação, de modo a ajudar o jogador a entender como está indo, o que precisa trabalhar melhor, e para onde ir a partir daquele ponto. O conteúdo não seria tratado como uma informação morta mas como um recurso cheio de vida: o aluno seria incentivado a interagir com o mundo à sua volta de formas que lhe parecessem relevantes, empolgantes, e lhe propiciassem o sentimento de autonomia.
De forma a maximizar o aprendizado, a “Quest to Learn” foi concebida de modo a permitir a quebra de barreiras entre a escola e o espaço doméstico, e até mesmo entre a escola e os espaços informais tais como a lanchonete e o ginásio. É como se a escola passasse a fazer parte de uma verdadeira rede de espaços de aprendizado que envolve outros espaços locais ou globais, físicos ou digitais, individuais ou colaborativos, conduzidos por professor ou por pares. Toma-se como fundamental, inclusive, a criação dos chamados “feedback loops” (“laços de realimentação”): o aluno precisa ver como aquele conteúdo, seja de matemática ou de qualquer outra disciplina, se revela em múltiplos contextos.
No prefácio do documento “Quest to Learn. Developing the School for Digital Kids” (por Katie Salen, Robert Torres, Loretta Wolozin, Rebecca Rufo-Tepper and Arana Shapiro, The MIT Press, a ser publicado em Novembro 2010, mas já disponível online), Salen afirma que os game designers transitam no espaço de possibilidades, e que por essa razão concebem sistemas que definem regras que dão surgimento não apenas ao jogo em si mas também a um sentido de que qualquer coisa é possível.
Além do mais, há um benefício específico no que diz respeito à socialização no século XXI: ao conceber um game, nos perguntamos quem está do outro lado? Como será a percepção e a reação de quem está do outro lado? Ao mesmo tempo, games são profundamente sociais, apesar da impressão de que provocam isolamento e auto-satisfação. Sendo assim, o aprendizado tem no jogo um grande aliado pois sabe-se muito bem que sem a socialização o aprendizado tende a ser menos rico.
É inegável que os games propiciam certos tipos de experiência de aprendizado e de práticas sociais que se mostram fundamentais no mundo de hoje: colaboração, formação de equipe, resolução de problemas em espaços complexos, capacidade de assumir múltiplas identidades e/ou de explorar e tentar modos diferentes de ser ou fazer. Com efeito, o videogame se revela um ambiente extremamente indulgente com a criança, pois dá espaço à experimentação, à tentativa-e-erro e à audácia de assumir riscos sem a pressão para que erros não sejam cometidos. Observa-se em quem quer que jogue videogames o entusiasmo pela passagemde nível, e pela busca incessante da “vitória épica”. Ao mesmo tempo, chagar ao final até mesmo de um game relativamente fácil pode levar mais de 12 horas de jogo, e quase sempre envolve diversas situações de fracasso. Em palestra no Game for Learning Institute (“Why Games are Good for Learning”, 17/02/10), Will Wright, famoso por ter concebido videogames inovadores e de amplo sucesso como The Sims (2000) e Spore (2008), se refere ao game como “aprendizado baseado no fracasso,” no qual o insucesso é breve, suplantável, em geral empolgante, e portanto não assustador. É como se um jogo bem concebido fosse, fundamentalmente, uma série de laços de realimentação, devolvendo uma avaliação em pequenas e freqüentes doses.
É justo nesse ponto que Salen vislumbra uma analogia entre o game e o bom ensino: há um nítido sentido de desafio atingível, não obstante os complexos desafios à frente. Mais do que isso, os games são motivadores porque a criança entende que foram projetados para que ela seja bem sucedida, pois no mínimo já viu outra criança se dar bem, e com ela não seria diferente. Sabe-se que nem sempre o mesmo ocorre com relação à sala de aula.
Em matéria recente no New York Times (“Learning by Playing”, 15/09/10), Sara Corbett chama a atenção para o fato de que a idéia de utilizar o videogame como ferramenta para o aprendizado tem recebido apoios célebres e um tanto inusitados: desde uma integrante emérita da Suprema Corte dos Estados Unidos (Sandra Day O’Connor), até um renomado biólogo evolucionista (E. O. Wilson, da Harvard University). Em entrevista a Will Wright em 2009, Wilson diz acreditar que “games são o futuro na educação”, acrescentando que “estamos passando por uma rápida transição nesse momento” e que “estamos prestes a deixar para trás o papel impresso e os livros-texto”.
Resta encarar o desafio com a mente livre e o coração aberto.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Idade versus Tamanho, e Startups Enxutas


Idade versus Tamanho, e Startups Enxutas

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É quase uma verdade inquestionável nos meios econômicos: a pequena empresa é o grande motor da criação de empregos. No caso dos Estados Unidos, no entanto, essa verdade universal pode estar perdendo seu posto. Embora o olhar tradicional sobre os números nos permita concluir que dois terços dos novos empregos são criados por empresas com menos de 500 empregados, que é a definição de pequena empresa para o governo americano, num artigo intitulado “Who Creates Jobs? Small vs. Large vs. Young”, por John C. Haltiwanger, Ron S. Jarmin e Javier Miranda (Working Paper 16300, National Bureau of Economic Research, Agosto 2010), os autores demonstram, utilizando dados de 1976 a 2005 do Census Bureau Business Dynamics Statistics e do Longitudinal Business Database, que, quando a idade das empresas é levada em conta, não há diferença entre o desempenho de empresas grandes e pequenas no que diz respeito à geração de empregos. “Tamanho quase não tem qualquer influência. É tudo idade – startups são onde a criação de empregos realmente ocorre”, declarou John Haltiwanger, co-autor e professor de economia da University of Maryland, numa matéria recente de Steve Lohr no New York Times (“To Create Jobs, Nurture Start-Ups”, 11/09/10).
Em poucas palavras, o artigo de Haltiwanger e seus colaboradores demonstra que os dados utilizados tradicionalmente na interpretação das análises do relacionamento entre o tamanho da empresa e o crescimento de empregos contêm pouca ou nenhuma informação sobre a idade da empresa. Ao introduzir controle sobre os efeitos do tipo de indústria e do ano, surge um relacionamento inverso entre as taxas líquidas de crescimento e o tamanho da empresa. Uma vez adicionado o controle sobre a idade da empresa, deixa de existir um relacionamento sistemático entre as taxas líquidas de crescimento e o tamanho da empresa. Isso significa que o ano de fundação contribui substancialmente tanto para a criação de empregos bruta quanto líquida. É importante lembrar, no entanto, que, em razão do fato de que empresas jovens tendem a ser pequenas, a descoberta de um relacionamento inverso sistemático entre o tamanho da empresa e as taxas líquidas de crescimento em análises anteriores pode ser inteiramente atribuída ao fato de que a maioria das novas empresas são classificadas como pequenas.
A um veredito semelhante chegaram Dane Stangler e Paul Kedrosky em relatório recentemente publicado pela Kauffman Foundation, intitulado “Neutralism and Entrepreneurship: The Structural Dynamics of Startups, Young Firms, and Job Creation” (Setembro 2010): startups e empresas jovens (i.e., aquelas com menos de 5 anos de sua fundação) são responsáveis por toda a criação líquida de empregos nos Estados Unidos. Segundo os autores, embora tenha se firmado como um consenso entre os especialistas em política econômica, essa idéia continua a surpreender, e, até certo ponto, desapontar, muitos analistas. Afinal de contas, como se explica o fato de que as startups e as empresas jovens, geralmente entendidas como constituindo a parte mais volátil da economia, continuam aparecendo como a principal fonte de novos empregos? Não seria o caso de todos os empregos criados por tais empresas desaparecerem logo em seguida? Mesmo que essas empresas sejam responsáveis pela maior parte do resultado positivo no que diz respeito à criação de empregos, o que dizer de seu efeito no emprego em empresas existentes: seria o caso de que elas destruiriam simultaneamente os empregos em outras partes da economia, portanto anulando o efeito de sua própria criação de empregos?
Com vistas a contribuir para um melhor entendimento da dinâmica de criação de empresas e geração de empregos nos Estados Unidos, Stangler e Kedrosky se propõem a responder à seguinte questão: por que empresas novas e empresas jovens criam (ou parecem criar) quase todos os novos empregos líquidos? Sem diminuir a contribuição das startups e das empresas jovens na criação de empregos, a conclusão é a de que são muitas as razões por trás dos padrões que se observam em termos da relação entre a idade da empresa e a taxa líquida de criação de empregos, pois, na medida em que a economia evolui, a quantidade de empresas acumula ao longo do tempo, e, com os níveis de entrada e saída na economia permanecendo relativamente estáveis, as empresas novas e as jovens deverão continuar a constituir a maior categoria na economia como um todo, e as maiores responsáveis pelos novos empregos líquidos. Com efeito, desde 1977 o nível e a taxa de criação de empresas nos EUA têm permanecido praticamente os mesmos, e em artigo anterior (“Exploring Firm Formation: Why is the Number of New Firms Constant?”, Jan 2010), Stangler e Kedrosky já sugeriam uma semelhança entre esse estado de coisas e a teoria neutra da evolução proposta pelo biólogo Motoo Kimura no final da década de 1960: “A seleção natural é uma força conservadora. Passa a maior parte do seu tempo mantendo as espécies as mesmas do que mudando-as.” Dessa forma, defendem os autores, tal qual o que Kimura fez com mudança molecular e seleção natural, podemos ver a relação entre criação de empresas e geração de empregos como uma força em favor da estabilidade.
Os dados mostram que, em qualquer dos últimos trinta anos, empresas novas e jovens constituem o maior bloco nos EUA, o que leva a uma expectativa no sentido de que serão elas as maiores geradoras de novos empregos. E um resultado dessa dinâmica de acumulação de empresas é a importância da criação de empresas para o crescimento econômico, pelo menos no sentido neutralista de se ter uma base de criação e destruição de empresas a partir da qual a seleção natural opera como força conservadora. É natural indagar como e quando essa base de níveis relativamente estáveis pode mudar. Um fator crucial a se considerar é o custo de criação de empresas, e nesse sentido é importante observar a tendência para a sua diminuição. No setor de tecnologia da informação, por exemplo, a conjunção da redução de custos de infraestrutura e de distribuição, com a disponibilidade de software de código aberto, significa que algo que custava entre 2 e 3 milhões de dólares há 10 anos pode estar custando hoje em torno dos 100 mil dólares. E isso pode representar uma redução significativa das barreiras de entrada no mercado sobretudo para os jovens empreendedores com pouco ou nenhum acesso a capital.
Paralelamente, observa-se uma tendência de reestruturação nos mercados de capital de risco, sobretudo no setor de empresas de tecnologia da informação. O surgimento e a consolidação de programas de aceleração baseadas em capital semente tais como TechStars, Y Combinator, e Betaworks, tem estimulado e facilitado a adoção de abordagens tais como “Startup Enxuta” (em inglês, “Lean Startup”), popularizada por Eric Ries, autor do blog “Startups Lessons Learned”. Em entrevista ao portal Vator.com (“Eric Ries and his 'lean startup' awakening. It's not about cost, it's about speed - rapid hypothesis testing and validated learning”, Abril 2010), Ries explica que, com o declínio econômico recente, juntamente com um declínio em custos de tecnologia, a idéia de se tomar menos dinheiro emprestado inicialmente e gastar sabiamente para atingir uma maior probabilidade de sucesso está se consolidando como uma nova abordagem à criação de startup. Se por um lado já havia proponentes de tais metodologias, tais como Steve Blank, empreendedor em série, professor em Stanford e Berkeley, e autor de “The Four Steps to the Epiphany” (Cafepress.com, 2006), assim como Donald Reinertsten, que escreveu “The Principles of Product Development Flow”, Ries expõe sua abordagem experimental ao desenvolvimento de produtos baseada na iteração “construa, meça, aprenda”. E a abordagem transborda ao universo dos investidores. Em palestra na conferência GROW (Vancouver, Ago 2010) intitulada “The Lean VC: a Silicon Valley story about Innovation, Incubation, & Iteration”, Dave McClure define o modelo do “investidor enxuto”: “invista em muitas startups usando investimento incremental, desenvolvimento iterativo.  Comece com muitos experimentos pequenos, filtre os fracassos, e expanda o investmento sobre os sucessos… (Enxágue & Repita).”
Como bem observam Stangler e Kedrosky, se, por um lado, as empresas de tecnologia da informação representam apenas uma pequena parcela do universo das startups, os efeitos sentidos ali já se fazem sentir em outros setores. Por exemplo, novas empresas de serviços cada vez mais encontram clientes através de serviços online de reputação, o que significa que seus custos de marketing tendem a diminuir ao mesmo tempo em que seu alcance aumenta. Igualmente, tem se tornado cada vez mais fácil para pesquisadores compartilharem informações sobre problemas difíceis em áreas como biologia e tecnologia limpa (sem esquecer o caso recente do problema mais fundamental da ciência da computação “P=NP?”), possivelmente com um impacto correspondente nos custos e nas chances de comercialização.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE