segunda-feira, 29 de março de 2010

À Busca de uma Métrica para a Inovação

À Busca de uma Métrica para a Inovação

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29 de março de 2010 - Tão elusivo quanto nem sempre apropriadamente empregado, o conceito de inovação serve muito bem aos evangelistas tecnológicos (os autênticos e os nem-tanto) em seus discursos de futurologia sobre a tecnologia e seu impacto econômico e social.

Se, por um lado, muitos já disseram que inovação é a aplicação de capital à descoberta científica, por outro lado, até mesmo autoridades no assunto revelam suas idiossincrasias nas suas próprias definições do termo: Peter Drucker (autor de “Innovation and Entrepreneurship: Practice and Principles”, Harpercollins, 1985) diz que inovação é “mudança que cria uma nova dimensão de performance”; Genrich Altshuller (autor de “The Innovation Algorithm”, Technical Innovation Center, 1999, originalmente publicado em russo em 1973) prefere dizer que se trata de uma “reconciliação de contradições”; Piero Bassetti (da Fondazione Bassetti) define inovação como sendo a “realização do improvável”.

A recente publicação do IEEE de um relatório sobre “Poder de Patente” trazendo um ranking das empresas com base no número de patentes obtidas em 2009 e as acumuladas até o presente, e a reação de alguns especialistas aos critérios de classificação levou Tim O’Reilly, uma das vozes mais influentes no Vale do Silício, a provocar uma discussão sobre a métrica da inovação. Em “How do we measure innovation?” publicado em 26/03/10 no blog “O’Reilly Radar”, o autor começa citando as reações de Ari Shahdadi e Brad Burnham ao relatório do IEEE, e, depois de se declarar amplamente favorável a ambas, lança o desafio de se construir uma métrica que refletiria o poder transformador de agentes como a própria web, a Google, a Facebook, a Amazon, a Craigslist, e a Wikipedia, nenhuma delas reconhecidamente líder em número de patentes. Segundo O’Reilly, é fundamental dar conta também de todas as áreas nas quais pequenas empresas criam valores e não dispõem de tempo, dinheiro ou inclinação para desviar esforços de inovações para patentes.

Shahdadi se refere ao artigo “Patent Power Scorecards: Japan Ascendant” (por Patrick Thomas e Anthony Breitzman, Mar/2010) que anuncia o relatório do IEEE, especificamente quando os autores afirmam que a recessão econômica atingiu severamente a inovação nos Estados Unidos, pois em 2008 o número de solicitações de patente permaneceu constante em 456 000, tornando-o o primeiro ano desde 1996 em que não houve um aumento no número de solicitações submetidas. Para Shahdadi, seria importante acabar com o uso de estatísticas de patenteamento como uma métrica para a atividade inovadora, especialmente por grupos como o IEEE. Mais ainda, há que se encontrar uma métrica que permita correlações mais estreitas em áreas específicas tais como “o número de transistores em um microprocessador” ou “o número de usuários gerando novo conteúdo online”. Enfim, há a necessidade de se encontrar uma alternativa à mera contagem de patentes e de volume de gasto em P&D como métrica predominante, pois esses números estão sendo usados atualmente pelos responsáveis por políticas públicas para justificar regulação que, no final das contas prejudica a inovação em muitos setores.

Burnham, por sua vez, chamou à atenção para o fato de que gasto com P&D também é um mau indicador, pois, segundo ele, há desperdício em demasia em grandes empresas, e por essa razão a metodologia de medir inovação deveria ter algo a ver com a utilidade para o usuário final. “A Facebook tem tido um impacto maior sobre mais vidas que a IBM e eles não gastam uma fração do que a IBM gasta em P&D ou com patentes,” afirma Burnham.

O’Reilly insiste que deve haver uma maneira de medir a introdução de novos produtos, e, a partir daí, formar um ranking por novidade e por ampla aceitação, de tal forma que reflita uma medida mais substancial da inovação e seu impacto na economia. As políticas governamentais de financiamento assim como as decisões sobre políticas industriais e econômicas são diretamente afetadas pela medida da inovação, e por essa razão é preciso encontrar uma metodologia que leve em conta o impacto, e não o número de submissões de patentes.

Em comentário ao artigo de O’Reilly, Michael Bates (da 1Place Patent Attorney & Solicitors) leva em conta associar um valor a uma patente de forma a diferenciá-la das patentes inúteis, e cita um estudo recente sobre a determinação do valor relativo de uma patente na área de nanotecnologia. Trata-se do artigo “Discovery of factors influencing patent value based on machine learning in patents in the field of nanotechnology” por Scott D. Bass e Lukasz A. Kurgan, publicado na revista científica Scientometrics (2010), no qual a inovação foi medida indiretamente ao se estimar o valor relativo da patente associada. Foi possível identificar características comuns entre patentes de alto valor que poderiam ser utilizadas na previsão do valor futuro de uma inovação em nanotecnologia. E o raciocínio foi baseado no fato de que uma patente reflete uma mudança tecnológica na medida em que representa um resultado inventivo de uma forma que é padronizado em campos, países e períodos diferentes, permitindo o uso de técnicas analíticas de patentes com vistas a revelar: (1) as abordagens do inventor à luz das políticas econômicas da época; (2) a dimensão da comercialização da pesquisa acadêmica; (3) o resultado da tecnologia em termos do valor da patente. Daí, a simples contagem do número de patentes poderia dar lugar à estimativa do valor relativo da invenção, possivelmente em conjunto com outros critérios específicos da área.

No que revela uma clara falta de conformidade com a verdadeira paisagem da inovação tecnológica transformadora, a Stanford University aparece apenas em 13º lugar na categoria “Universidades/Educação/Treinamento”, segundo o relatório do IEEE. Além das globalmente conhecidas como responsáveis por tecnologias de disrupção (HP, Google, Yahoo!, Cisco, Sun, YouTube, NVIDIA), diversas empresas verdadeiramente transformadoras em seus campos de atuação foram criadas por docentes e alunos egressos do campus de Stanford: Atheros Communications, BEA Systems, Charles Schwab & Company, Cypress Semiconductor, DNAX Research Institute, E*Trade, IDEO, Intuit, LinkedIn, Logitech, Mathworks, McCaw Cellular Communications, Octel Communication, Orbitz, Rambus, Rational Software, Silicon Graphics, Taiwan Semiconductor, Tandem Computers, Tesla Motors, VMware, Zillow.

Embora tendo acumulado, desde a criação de seu Office for Technology Licensing, cerca de 2877 licenças de invenções tecnológicas, correspondendo a algo em torno de 1,27 bilhões de dólares em royalties arrecadados, Stanford se destaca, menos pelo número de patentes obtidas, e mais pelo poder transformador das inovações tecnológicas que acalentou durante todos esses anos desde a consolidação do Vale do Silício como celeiro de tecnologias disruptivas.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 29/03/2010, 08:16hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/a-busca-de-uma-metrica-para-a-inovacao.html