quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O Instinto de Defesa, Cientistas Malucos e o Corpo Elétrico

O Instinto de Defesa, Cientistas Malucos e o Corpo Elétrico

E-mailImprimirPDF

30 de dezembro de 2009 - Em boa medida fruto do instinto de defesa, uma revolução se desenrola silenciosamente no terreno da relação entre o homem e a máquina. Começa com o ato de dirigir um carro e vai até o comando de um membro artificial que pode ser feito à distância através de sensores injetáveis no corpo humano, como tem ocorrido com veteranos de guerra do exército americano. Fundamental em toda essa revolução, está a DARPA—agência de projetos de pequisa avançada de defesa dos EUA—grupo tão audacioso quanto controverso cujo trabalho futurista tem tido aplicações civis e militares espetaculares, desde a Internet até o GPS, passando por carros sem motorista. Não menos integrante de tal revolução incremental são as chamadas cirurgias minimamente invasivas, prática já incorporada por mais de 850 hospitais nos EUA: manipulando indiretamente minúsculos instrumentos (introduzidos em micro incisões) através de controles no estilo utilizado em videogames e visores binoculares 3D, o cirurgião conta com a precisão das imagens e com a resposta sensorial oferecidas pela máquina interveniente. Ali se busca o engajamento total dos sentidos do cirurgião com os sensores artificiais, como se as mãos e os olhos mecânicos fossem do próprio médico.

Tudo isso se passa com o cirurgião presente na sala. Imagine agora que uma realimentação sensorial possa ir além da sala de cirurgia, transmitida por rede sem fio. Ao digitalizar os comandos cirúrgicos, criam-se momentos de transição nos quais, ao invés de executadas, as manobras são descritas. Em resenha do livro de Michael Belfiore sobre a DARPA (“The Department of Mad Scientists”, Smithsonian Books, Outubro 2009) intitulada “The Body Electric” (New York Times, 24/12/09), William Saletan sugere que essa transição seja estendida realizando-se a cirurgia em realidade virtual permitindo assim que eventuais erros possam ser corrigidos. (É como se passássemos da máquina de datilografia ao processador de texto.) Ao mesmo tempo lembra que no campo de batalha não se pode contar com tais luxos: muitas vezes soldados são feridos em localidades remotas que não dispõem de médico nem rede sem fio, e mesmo assim têm que ser socorridos com urgência. É aí que entra um projeto da DARPA que tem por objetivo desenvolver máquinas móveis que possam fazer a cirurgia sem o comando humano.

Se um robô pode fazer uma cirurgia em você, que tal um robô que se junte a seu corpo? Segundo Saletan, o acasalamento está de fato a caminho. À medida que os soldados voltam do Iraq e do Afeganistão com membros amputados, eles ganham substitutos computadorizados que lêem os sinais elétricos do corpo. Tornam-se ciborgues. “E o passo seguinte é a adaptação mútua. Amputados têm sempre tido que aprender como operar seus novos membros. Agora os membros estão devolvendo o favor”. Saletan explica que o software dos membros artificiais analisa os sinais elétricos do corpo de modo a se tornar gradualmente mais preciso na interpretação de comandos. E, ainda que o cérebro continue no comando, o corpo se torna negociável. Nesse sentido, os amputados têm se submetido a cirurgias para tornar seus sinais motores mais legíveis por membros mioelétricos. “O humano está sendo reconfigurado para a máquina”, conclui Saletan. Mas, enquanto equipamento com software, um membro artificial tanto pode conter vulnerabilidades, quanto pode ser adulterado por um hacker.

Eis um caso emblemático: Michael Weisskopf, um jornalista que perdeu sua mão direita no Iraq, quando tentava fazer seu carro dobrar numa rua em hora de rush, viu sua nova mão agarrar o volante e se recusar a largar. Segundo conta Belfiore, tudo não passou de um malentendido. Mas membros eletrônicos estão sendo programados para tomar cada vez mais decisões.

Tendo surgido em resposta ao lançamento da Sputnik em 1957 (que causou grande preocupação ao governo dos EUA no sentido de que o país estaria sendo ultrapassado pelos soviéticos nos avanços tecnológicos), a DARPA concebeu em 1969 a rede de computadores Arpanet que deu origem ao que hoje conhecemos como Internet, além do controvertido projeto de 2002 chamado “Total Information Awareness” (“Consciência de Informação Total”) cujo objetivo era varrer dados de telecomunicações à procura de sinais de terrorismo.

(Diga-se de passagem que o próprio ecossistema do Vale do Silício, hoje eixo principal da inovação tecnológica, teve sua origem no instinto de defesa: em palestra na série Google Tech Talk intitulada “The Secret History of Silicon Valley” realizada em Dezembro de 2007 na sede da Google, Steve Blank, professor de empreendedorismo em Stanford e Berkeley, revela como as raízes do Vale do Silício nasceram não da indústria dos semicondutores de silício, mas sim do duelo tecnológico sobre os céus da Alemanha e dos esforços secretos em torno da União Soviética. Já em 1939, os alemães tinham desenvolvido sistemas de detecção por radar e se tornaram capazes de identificar os aviões dos aliados bem antes das forças aliadas terem descoberto um antídoto. Por essa razão os militares americanos decidiram fundar um laboratório secreto em Harvard, chamado Radio Research LAB (RRL), e lá desenvolveram a tecnologia de anti-radar. Foi aí que entrou em cena o chamado “arquiteto do Vale do Silício”: Frederick Terman, professor de Engenharia Elétrica de Stanford, especialista em tecnologias de radar, foi convocado para participar do RRL em Harvard, e, ao retornar a Stanford na condição de reitor-executivo, ajudou a construir o ecossistema de pesquisa científica, inovação tecnológica e empreendedorismo ao trazer vultosos investimentos do Departamento de Defesa, da CIA e da Agência Nacional de Segurança, que à época fizeram o papel dos capitalistas de risco financiando as primeiras ondas de empreendedorismo.)

Com o subtítulo de “Como a DARPA está refazendo nosso mundo, desde a internet até membros artificiais”, o livro de Belfiore traz um exemplo concreto de como governos podem estimular a inovação sem criar burocracia inoperante. Embora mencionando alguns exemplos de tecnologias potencialmente sórdidas tais como os projéteis que podem guiar a si próprios e os insetos robotizados que serviriam como veículos minúsculos sem a necessidade de motorista humano, Belfiore destaca o gênio de algumas centenas de, em suas próprias palavras, cientistas malucos e engenheiros cujo trabalho de mais de cinco décadas que permaneceu fora do radar da exposição pública justifica a afirmação de alguns de que a maior fábrica de idéias dos EUA não foi o Bell Labs, o Vale do Silício, ou o Media Lab do MIT, mas sim a DARPA. Segundo ele, a agência reúne oficiais militares e cientistas, todos buscando idéias capazes de promover mudança de paradigma em áreas as mais variadas—desde energia, robótica, e foguetes até salas de operação sem pessoas, e aviões que podem dar meia volta ao mundo em algumas horas. A ênfase é trabalhar as idéias. Sem dispor de laboratórios próprios, nem mesmo uma equipe fixa, muito menos estrutura burocrática viciada, a agência vai buscar em universidades e empresas privadas quem possa tornar concretas as idéias concebidas num determinado projeto.

Veja-se o projeto do carro sem motorista. Através da lei “National Defense Authorization Act” de 2001, o Congresso americano determinou que “será um objetivo das Forças Armadas conseguir o emprego de tecnologia controlada remotamente, sem a intervenção humana, de modo que até 2015, um terço dos veículos de combate terrestres sejam sem-motorista.” No “DARPA Urban Challenge” (“Desafio Urbano DARPA”) realizado em 03/11/07, na Califórnia, que teve como antecessores os “Grand Challenges” de 2004 no deserto, a DARPA convocou a participação de diversas universidades e fabricantes de automóveis, e acabou premiando as equipes que construíram os veículos autônomos com melhor desempenho na tarefa de dirigir no trânsito realizando manobras complexas tais como junção, ultrapassagem, estacionamento e negociação nos cruzamentos. E o aprendizado adquirido pelos fabricantes de automóveis que participaram das competições já se fazem sentir nos dias de hoje. Em alguns modelos de carro, o chamado piloto automático pode ajustar a velocidade conforme o resultado da monitoração do trânsito a seu redor.

E a cada vez que delegamos o controle ao veículo, nos sentimos mais confiantes e confortáveis com um computador ao volante. Nesse ritmo, como diz Saletan, ao invés do falar ao celular, ler e enviar mensagens, o próprio ato de dirigir será considerado uma distração.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 30/12/2009, 08:17hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/o-instinto-de-defesa-cientistas-malucos-e-o-corpo-eletrico.html


segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A Internet Interativa e o Laço de Expansão Viral

A Internet Interativa e o Laço de Expansão Viral

E-mailImprimirPDF

21 de dezembro de 2009 - Fenômenos virais (ou viróticos), segundo a etimologia do termo, são aqueles que apresentam um processo de derivação anormal, e, em geral, de forma rápida, independente e hospedada (isto é, requer um hospedeiro). Pode-se definir também como objetos ou padrões capazes de se replicar ou converter outros objetos em cópias de si próprios quando esses objetos lhes são expostos.

A idéia de associar o adjetivo viral a algo diferente de um vírus biológico somente veio a se consolidar justamente com a popularização da internet na segunda metade dos anos 1990’s. A bem da verdade, o primeiro a escrever sobre marketing viral, por exemplo, foi Douglas Rushkoff em seu livro “Media Virus: Hidden Agendas in Popular Culture” (Ballantine Books, 1994), que, entre outras coisas, chama à atenção para o fato de que a palavra “mídia” (em inglês, “media”, cuja tradução literal seria “meios”) se refere tanto à ferramenta para disseminar informação quanto ao substrato sobre o qual os geneticistas fazem crescer bactérias e vírus. A idéia é que se um anúncio atinge um usuário “suscetível”, esse usuário se tornará infectado (ou seja, passa a aceitar a idéia) e vai então compartilhar a idéia com outros, infectando-os. Desde que cada usuário infectado compartilhe a idéia com mais de um usuário suscetível na média, o número de usuários vai crescer conforme uma curva logística, cujo estágio inicial de crescimento é aproximadamente exponencial.

Um objeto, ainda que não-material, é considerado viral quando tem a capacidade de espalhar cópias de si próprio ou de alterar objetos semelhantes de forma a se torná-los praticamente uma cópia dele mesmo sempre que esses objetos sejam expostos ao objeto viral. Trata-se de uma forma comum de descrever como pensamentos, informação e tendências se deslocam entre seres humanos. Os chamados “memes” são normalmente citados como os melhores exemplos de padrões virais. Segundo a Wikipedia, “um meme, termo cunhado em 1976 por Richard Dawkins no seu bestseller O Gene Egoísta, é para a memória o análogo do gene na genética, a sua unidade mínima”. No que concerne à sua funcionalidade, o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma se autopropagar.

O que dizer da Hotmail.com, portal de correio eletrônico, que, em menos de seis meses após seu lançamento, já dispunha de 1 milhão de usuários cadastrados? Com menos de 1 ano e meio desde sua fundação, já eram 12 milhões de membros. Números de 2008 indicam uma população de 270 milhões de usuários. Em toda a história da mídia baseada em assinantes, nada havia crescido tanto e tão rapidamente. Nada fica a dever no quesito geração de riqueza, pois a campanha de US$50 mil de atração de novos membros da Hotmail atingiu patamares lendários: Sabeer Bhatia e Jack Smith, fundadores do portal, acabaram vendendo a empresa de apenas 18 meses de existência à Microsoft por nada menos que US$400 milhões.

Em seu livro recente “Viral Loop: From Facebook To Twitter, How Today’s Smartest Businesses Grow Themselves” (“Laço Viral: De Facebook a Twitter, Como os Negócios Mais Espertos de Hoje se Fazem Crescer”, Hyperion, Outubro 2009), Adam Penenberg conta que os usuários do Hotmail tomavam conhecimento do portal através da informação que circulava não apenas de boca em boca, mas também “de mouse em mouse”: o próprio correio eletrônico ia sendo utilizado para convidar amigos e parentes, e o e-mail se transformou num “laço viral”. Pesquisas indicaram que oitenta por cento dos que abriram uma conta no portal diziam que ficaram sabendo da existência da Hotmail através de uma mensagem de um amigo.

Coube a Tim Draper, capitalista de risco e investidor na Hotmail, conceber o laço viral: inserir, ao final de cada mensagem eletrônica a ser enviada, um linha contendo um convite para se inscrever no portal. A princípio, Bhatia e Smith demonstraram relutância em promover uma adulteração em cada e-mail enviado pelo portal, pois imaginavam que seus usuários poderiam se sentir invadidos caso a “propaganda” fosse de fato inserida automaticamente no final de cada mensagem. Convicto de que os benefícios superariam os riscos, Draper insistia argumentando que se o sucesso da empresa dependia do tamanho de sua base de usuários, seria preciso fazer tudo que estivesse ao seu alcance para fazê-la crescer o mais rápido possível. Da sugestão original “P.S. I love you. Get your free email at HoTMaiL.”, acabou sendo implementada uma versão mais curta sem a parte inicial “P.S. I love you”. Segundo relata Anenberg, o impacto foi quase que instantâneo: em questão de horas o crescimento do Hotmail disparou espetacularmente, começando com um crescimento médio de 3.000 usuários por dia. Após sessenta dias já haviam sido cadastrados mais de 750.000 usuários, e dentro de seis meses chegaram a 1 milhão. Cinco semanas depois foi atingida a marca dos 2 milhões, com uma taxa de crescimento de cerca de 20.000 novos usuários por dia.

A linha adicional contendo inclusive um link clicável para o portal acabou servindo como um pitch promocional para a empresa. Cada usuário, ao fazer uso do produto, acabava se tornando um vendedor involuntário, e esse endosso vindo de um amigo ou conhecido tornou-o mais poderoso e de maior alcance que a propaganda tradicional. (Que o diga a Juno, que investiu US$20 milhões em propaganda e marketing e mesmo assim a Hotmail ganhou três vezes mais usuários na metade do tempo.) Quem recebia uma mensagem enviada pelo Hotmail estaria vendo não apenas que seu amigo é um usuário, mas que o serviço funciona, e é gratuito.

O caso da Hotmail é emblemático na chamada nova economia. Muitas das mais bem sucedidas empresas da internet interativa, incluindo Google, MySpace, Digg, YouTube, eBay, LinkedIn, e as estrelas mais recentes Twitter e Flickr, são exemplos canônicos do chamado “laço de expansão viral”: para usar, é preciso espalhar. Afinal de contas, que sentido faz ser usuário do Facebook se nenhum dos seus amigos ou pares lá estiverem? O resultado é que nunca houve tamanho potencial para se gerar riqueza com tanta rapidez, em tamanha escala, e começando com tão pouco.

Em matéria no portal FastCompany (“Ning’s Infinite Ambition”, 11/04/08), Anenberg dá a receita: “Simplesmente projetando seu produto da forma correta, você pode montar um negócio bilionário a partir do nada. Sem orçamento para propaganda ou marketing, sem a necessidade de uma equipe de vendas, e os capitalistas de risco vão se matar pela chance de atirar dinheiro em sua direção”. O segredo, segundo ele, é o laço de expansão viral, um conceito pouco conhecido fora do Vale do Silício. “É um tipo de alquimia engenheira que, se for feita corretamente, quase que garante um crescimento auto-replicante: um usuário se torna dois, e depois quatro, oito, até um milhão e além”, acrescenta. Os laços virtuais estariam emergindo como possivelmente o maior significativo acelerador de negócios a atingir o Vale do Silício desde o engenho de busca. Em contraponto, Mike Masnick, em matéria no portal TechDirt (“Building A Viral Business Isn't About Alchemy”, 21/04/09) afirma que “‘laços de expansão virais’ pode ser um novo termo mas é apenas uma re-embalagem do ‘efeito de rede’.” Em matéria publicada um ano antes no mesmo FastCompany.com (“Network Effects”, 19/12/07), Eric Ransdell argumenta que “as empresas de internet crescem tanto e tão rapidamente pelo simples fato de abraçarem a mudança mental estratégica mais importante do século XXI”, e “em um mar de novos termos em economia, ‘efeitos em rede’ é a nova idéia através da qual mais e mais empresas traçarão seu caminho”.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 21/12/2009, 08:37hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/a-internet-interativa-e-o-laco-de-expansao-viral.html

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Educação e Aprendizado Usando Videogames

Educação e Aprendizado Usando Videogames

E-mailImprimirPDF

14 de dezembro de 2009 - Difícil contestar a máxima de que o bom educador é aquele que é capaz de engajar seu(s) discípulo(s). Educar é despertar para um certo conhecimento, e nada melhor que o interesse genuíno e o engajamento do próprio educando para que o ensinamento seja absorvido.

Segundo um relatório recente da empresa de pesquisa de mercado The NPD Group (“Kids and Gaming 2009”), 82% das crianças e adolescentes americanos entre 2 e 17 anos de idade (cerca de 56 milhões de pessoas) são adeptos do videogame.

Com 10,6 horas por semana em média, os da faixa etária entre 12 e 14 anos são os que dedicam o maior tempo ao jogo eletrônico.

Em matéria recente no New York Times (“Educational Video Games Mix Cool With Purpose”, 01/11/09), Stefanie Olsen relata que é cada vez maior o número de crianças americanas que estão jogando videogames educacionais como parte de seu currículo escolar, seja em programas extra-escola ou na internet a partir de casa. Conforme constatam diversos especialistas, entre os quais Angela McFarlane da Univ de Bristol (Inglaterra) em relatório intitulado “Report on the educational use of games”, os chamados “jogos de computador” propiciam um forum no qual o aprendizado surge como resultado de tarefas estimuladas pelo conteúdo do jogo, o conhecimento é desenvolvido através do conteúdo do jogo, e as habilidades são desenvolvidas como resultado do ato de jogar. Como explorar todo o potencial do videogame na melhoria do ensino e do aprendizado tem sido um contraponto um tanto positivo à visão mais mundana de que os jogos eletrônicos pouco ou nada têm a acrescentar no quesito educação.

Como diz Olsen, depois de anos assistindo a tecnologia transformar a maneira através da qual as crianças brincam, socializam e aprendem, muitos acadêmicos, fundações e agora startup’s têm trabalhado no desenvolvimento de jogos que farão bom uso da paixão das crianças pelo videogame. A diferença em muitos dos jogos educacionais de hoje em dia é que eles são “online” e sociais, permitindo que as crianças interajam e colaborem durante o jogo para atingir objetivos comuns. Diferentemente dos jogos encapsulados numa caixa tão comuns nos anos 1980 e 1990, os jogos educacionais mais recentes são montados como serviços através dos quais a criança pode entrar num mundo virtual, experimentar assumir um determinado personagem e resolver problemas que podem ter relação com o mundo real. Além disso, os jogos mais recentes trabalham conceitos de matemática, ciência ou linguagem de tal modo que eles estejam incorporados na própria mecânica do jogo, ao invés de passar a impressão ao jogador de que aquilo se trata de mais uma tarefa escolar.

Com efeito, é cada vez maior a cooperação entre educadores e projetistas de videogames. Em matéria no portal da Agência Reuters (“Video games take bigger role in education”, 10/12/09), John Gaudiosi constata que à medida que a chamada “geração dos nativos digitais” cresce jogando videogames, educadores estão mais e mais desenvolvendo parcerias com desenvolvedores de jogos e cientistas para criar novas experiências interativas para a sala de aula. Em destaque um trio de novos jogos que foram desenvolvidos para tornar mais acessíveis e divertidos para a criançada assuntos como cultura, biologia molecular e exploração espacial.

Do mesmo modo que crianças e adolescentes abraçaram videogames musicais como o “Guitar Hero 5” da Activision e o “The Beatles: Rock Band” da MTV Games, educadores e pesquisadores esperam que jogos como “Immune Attack”, “Discover Babylon”, e “Astronaut: Moon, Mars & Beyond” caiam na preferência dessa nova geração.
A Escape Hatch Entertainment, desenvolvedora de jogos para a “Federation of American Scientists” (“Federação de Cientistas Americanos”, abrev. FAS), criou o “Immune Attack ” com vistas a imergir adolescentes entre 12 e 17 anos no mundo microscópico das proteínas e células do sistema imunológico do ser humano. O objetivo do jogo é salvar um paciente de uma infecção bacteriana, e a própria dinâmica do jogo permite que se adquira um entendimento de biologia celular e ciência molecular. Segundo Ann Stegman, gerente do programa da FAS, foi possível concluir a partir de pesquisas com as crianças que jogaram o Immune Attack que elas absorveram muito mais que apenas vocabulário: aprenderam como o mundo das células funciona, incluindo conceitos complexos como as funções dos Monócitos e as interações moleculares entre fatores de complemento humanos e proteínas de superfície bacteriais.

Já pelos idos de 2001 a FAS começava a coletar material sobre como a tecnologia poderia ser usada para transformar a educação. Reunindo cerca de 100 pesquisadores da academia, do governo, e do setor privado, a FAS lançou o programa “Learning Science and Technology Research and Development Roadmap” (“Roteiro para o Desenvolvimento e Pesquisa para o Aprendizado de Ciência e Tecnologia”). O trabalho colaborativo dos participantes desse programa identificaram áreas chave para a pesquisa e o desenvolvimento dos sistemas de aprendizado de nova geração, e submeteram os dados e subsídios necessários ao Congresso americano para uma legislação que foi aprovada em 2008 autorizando o estabelecimento de um Centro Nacional para a Pesquisa em Tecnologias Digitais e da Informação Avançadas. A rigor, com esse programa a FAS iniciou em 2004 um experimento ousado para provar que o videogame poderia ensinar e treinar pessoas. O recém formado Programa de Tecnologias de Aprendizado da FAS (FAS-LTP) acabou recebendo financiamento federal para o projeto e o desenvolvimento de jogos de aprendizagem. E aí, o FAS-LPT veio a produzir também o “Multi Casualty Incident Responder”, um videogame que, através de simulação, treina bombeiros para reagir em casos concretos de eventos com múltiplos sinistros. Adicionalmente, o FAS-LPT desenvolveu, em parceria com a Iniciativa de Biblioteca Digital Cuneiforme da UCLA, a Escape Hatch Entertainment, e o Walters Art Museum, o “Discover Babylon”, um jogo imersivo em 3D para a faixa etária 8-12 que ensina sobre o significado da Mesopotâmia na cultura mundial usando objetos de museu e de bibliotecas.

Por sua vez, a NASA, através do projeto “NASA Learning Technologies” (NASA-LT) tem investido no desenvolvimento de tecnologias que possam produzir conteúdo através de aplicações inovadoras de tecnologias para melhorar a educação nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, aí incluídos os videogames que propiciem o aprendizado da astronomia e da exploração espacial, dos quais “Astronaut: Moon, Mars & Beyond” e “Moonbase Alpha” são os produtos em vias de serem lançados ao público. Segundo a NASA, os ambientes sintéticos imersivos persistentes na forma de jogos online multijogadores massivos (MMO) e mundo virtual social estão de fato chamando à atenção como ambientes educacionais e de treinamento. Os MMO’s permitem que os jogadores desenvolvam e exercitem um conjunto de habilidades sofisticadas tais como pensamento estratégico, análise interpretativa, resolução de problemas, formulação e execução de planos, formação de equipes e colaboração, e adaptação à mudança rápida.

O fato concreto é que o poder dos videogames como ferramentas educacionais está rapidamente ganhando reconhecimento.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 14/12/2009, 14:58hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/educacao-e-aprendizado-usando-videogames.html

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 14/12/2009, 10:08hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/index.php

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

As Tecnologias da Web 2.0 e o Paradigma ‘Enterprise 2.0’

As Tecnologias da Web 2.0 e o Paradigma ‘Enterprise 2.0’

E-mailImprimirPDF

8 de dezembro de 2009 - Num momento em que as tecnologias de comunicação incorporam o chamado software social, que permite aos seus usuários interagir e compartilhar dados complexos de forma ágil e fácil, tirar proveito do poder dessas novas tecnologias é crítico para que as empresas permaneçam competitivas alavancando o poder dos efeitos de rede de seus empregados. Isso sem falar na necessidade de atração e retenção da próxima geração de empregados mais jovens e mais espertos, bem como no aproveitamento da onda de inovação na internet (blogs, redes sociais, wikis) beneficiando-se do potencial inexplorado da sua força de trabalho nas áreas de inovação, colaboração, e produtividade.


Em seu artigo seminal “Enterprise 2.0: The Dawn of Emergent Collaboration” (MIT Sloan Management Review, 2006), Andrew McAfee observa que a maioria das tecnologias da informação utilizadas pelos chamados “empregados do conhecimento” podem ser classificadas em duas categorias: canais e plataformas. Típicos do e-mail e da mensagem instantânea, os canais propiciam que a informação digital seja criada e distribuída por qualquer um, mas o grau de comunalidade dessa informação é muito baixo, mesmo que todos tenham sua caixa de mensagem no mesmo servidor, ou que utilizem uma mesma lista de discussão. Por outro lado, nas plataformas (tais como intranets, portais corporativos, e portais de informação) o conteúdo é gerado, ou pelo menos aprovado, por um pequeno grupo, mas é visível amplamente, pois, diferentemente do caso dos canais, a produção de informações é centralizada e a comunalidade é alta. O fato é que estamos situados no ponto de inflexão no que diz respeito à evolução dos meios de comunicação: se o e-mail foi revolucionário quando surgiu, hoje podemos nos comunicar utilzando blogs e páginas web. Bem diferente do vai-e-vem do e-mail, que se configura como um meio de comunicação inerentemente privado, a comunicação por plataforma é inerentemente pública, isto é, por natureza apropriada para o compartilhamento.

Do ponto de vista da comunicação entre os empregados do conhecimento de uma dada corporação, as tecnologias atualmente utilizadas não parecem oferecer o melhor dos ambientes para a captura desse conhecimento coletivo. Comunicando-se através de canais, que não podem ser acessados por ninguém além do destinatário da mensagem, e visitando portais sobre os quais não podem depositar contribuições, esses empregados terão dificuldade em descobrir, por exemplo, quem está trabalhando em questões semelhantes, quais são os tópicos em maior evidência no setor de pesquisa e desenvolvimento da corporação, qual a melhor forma de abordar determinada análise.
Com a evolução da internet interativa, a popularização das redes sociais, dos blogs, e das wikis, aos poucos a cultura de colaboração começa a invadir as práticas corporativas. Como diz McAfee em artigo recente no Harvard Business Review (“Shattering the Myths About Enterprise 2.0”, Nov 2009), a colaboração digital está a todo vapor no mundo dos negócios. Em todos os setores da indústria observa-se que as empresas estão aderindo às plataformas de software que propiciam aos seus empregados produzirem mais e com melhor qualidade. Um estudo de Maio de 2009 da Forrester Research revelou que quase 50% das empresas nos EUA usam algum tipo de software social. Por sua vez, um levantamento da Prescient Digital Media de Julho de 2009 apontou que 47% dos entrevistados estavam usando wikis, e 46% utilizavam forums de discussão internos.

Subjacente a toda essa tendência está a chamada “Web 2.0”, termo inventado em 2004 pelo blogueiro e entusiasta do software social Tim O’Reilly para se referir à capacidade da internet de permitir a qualquer pessoa, mesmo não envolvida com tecnologia, que se conecte com outras pessoas e possa contribuir com conteúdo. Desde as redes sociais como Facebook, passando pelo microblog Twitter, pelo portal de videos produzidos pelo usuário YouTube, até a fenomenal enciclopédia coletiva Wikipedia, muitos são os exemplos bem sucedidos que consolidam essa tendência. Em seu artigo supracitado de 2006, McAfee usou o termo ‘Enterprise 2.0’ para chamar à atenção para o fato de que algumas empresas mais espertas estavam incorporando as tecnologias da Web 2.0, assim como a abordagem subjacente para a colaboração e a criação de conteúdo. De lá para cá, o termo deu origem a um verdadeiro movimento de modernização da cultura de utilização de tecnologia da informação nas práticas corporativas, chegando a representar uma alternativa supostamente mais apropriada (para a dinâmica de avanços da atualidade) que a abordagem mais tradicional representada pelos sistemas de “Enterprise Resource Planning” (ERP) que se prestam para o gerenciamento de todo o fluxo de informações de uma corporação a partir de dados compartilhados. Segundo McAfee, o diferencial da abordagem Enterprise 2.0 é da própria natureza das tecnologias da internet interativa: não há uma estrutura imposta a priori na comunicação, pois a estrutura emerge da própria dinâmica da interação colaborativa, e isso pode ser extremamente benéfico para os quesitos inovação e compartilhamento do conhecimento de uma dada corporação.

Ainda segundo McAfee, o termo ‘Enterprise 2.0’, que se tornou também o título de um encontro anual que “promove uma visão abrangente das mais importantes tecnologias e iniciativas organizacionais necessárias para sustentar uma vantagem competitiva no mercado mutante de hoje em dia”, diz respeito a como uma organização usa plataformas de software social emergente (em inglês, “emergent social software platforms”, abrev. ESSP) para perseguir seus objetivos. E a idéia é que essa definição enfatize o aspecto mais contundente dessas novas tecnologias: nada de impor workflows, papéis e responsabilidades pré-determinados, ou interdependências entre as pessoas, mas sim permitir que venham a emergir a partir da dinâmica de formação das redes de relacionamentos.

Vários são os benefícios dos ESSP’s, a começar por oferecer um serviço de busca, facilitando que as pessoas encontrem informações e orientação, e minimizando assim a duplicação de esforços. Além do mais, os processos de inovação são abertos a mais pessoas, e dessa forma o aproveitamento da inteligência coletiva pode ser significativamente melhorado. Como se não fosse bastante, aos executivos abre-se a possibilidade de dispor de um repositório atualizado em tempo real de tudo que se refere ao conhecimento que a corporação detém.

Há, no entanto, resistência à adoção da abordagem Enterprise 2.0 devido sobretudo ao fato de que se receia que os riscos se sobreponham aos benefícios. Desde a utilização das plataformas para a circulação de conteúdo inapropriado, até o vazamento de informações confidenciais, passando pelo risco da circulação de informação incorreta ou recomendação equivocada, todas essas críticas são analisadas e refutadas por McAfee em seu artigo supracitado.
Na introdução de seu livro que acaba de ser publicado, “Enterprise 2.0: New Collaborative Tools for Your Organization's Toughest Challenges” (Harvard Business School Press, 16/Novembro/2009), McAfee diz que o uso de tecnologia para juntar as pessoas e deixá-las interagir sem especificar como parece uma receita para o caos, mas é exatamente o contrário: padrões e estrutura emergem mesmo não tendo sido impostas a priori.
08
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (Sáo Paulo), 08/11/2009, 10:22hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/as-tecnologias-da-web-2-0-e-o-paradigma-enterprise-2-0.html