sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Dimensão Tácita do Conhecimento e Uma Nova Cultura de Aprendizado


A Dimensão Tácita do Conhecimento e Uma Nova Cultura de Aprendizado

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Num mundo em constante mudança, e num ritmo cada vez mais acelerado de transformações, os próprios conceitos de saber e aprendizado passam por um momento de redefinição e reformulação. Os sistemas educacionais padronizados se deparam com o grande desafio de ter que se ajustar a uma época em que tudo em torno do conceito de informação, desde fatos, conhecimento, pesquisa, métodos, ferramentas, interpretações, e até contextos, se encontra em expansão e mudança a passos largos. As práticas educacionais baseadas na concepção de que o aprendizado se dá na medida em que o conhecimento é transferido do instrutor para o aprendiz simplesmente não conseguem acompanhar o ritmo das mudanças.
Ainda que em melhor posição, as práticas que incorporam adaptação e ajuste a mudanças também se vêem passadas rapidamente para trás na medida em que o ambiente requer que o conteúdo seja atualizado praticamente na mesma velocidade em que é ensinado. Ao invés de tentar uma resistência quixotesca a todo esse contexto fluido e dinâmico, o desafio é encontrar um conjunto de princípios básicos que dê suporte a uma nova cultura de aprendizado.
Em seu novo livro “A New Culture of Learning: Cultivating the Imagination for a World of Constant Change” (CreateSpace, Jan 2011), Douglas Thomas e John Seely Brown buscam um entendimento de como as forças de mudança e as ondas emergentes de interesse associadas a essas forças podem nos inspirar e nos levar a imaginar um futuro para o aprendizado que seja, ao mesmo tempo, poderoso e repleto de otimismo. A idéia é que uma melhor compreensão dos processos de aprendizado que dão suporte às práticas que emergem da participação em redes digitais pode nos capacitar a conceber ambientes de aprendizagem que possam tirar proveito do poder da cultura de participação inerente às mídias sociais em prol da educação no século XXI.
Trata-se de uma perspectiva mais colaborativa da troca de conhecimento realizada no que os autores chamam de “o coletivo”. Enquanto que o espaço “público” invoca amplitude e anonimidade, o coletivo é formado por pessoas que compartilham valores e se vêem engajadas em práticas compartilhadas. Segundo Thomas & Brown, dois elementos compõem a nova cultura de aprendizado: (i) “uma rede maciça de informações que propicia acesso e recursos praticamente ilimitados para aprender sobre tudo” e (ii) “um ambiente limitado e estruturado que dá espaço para atuação ilimitada no sentido de construir e experimentar com coisas dentro desses limites”.
É fato que a combinação da internet com a telefonia móvel propiciaram tamanho grau de interconectividade e interatividade a ponto de dar surgimento a um novo sentido de tutoria propiciada pelo acesso a múltiplos níveis de expertise.Enquanto que no sentido tradicional tutoria era um meio de passar cultura a membros numa comunidade, tutoria no coletivo está mais relacionada a aprender e desenvolver relacionamentos entre-pares (“peer-to-peer”) temporários que são naturalmente fluidos e impermanentes.  E nesse caso, a expertise é compartilhada de forma aberta e espontânea, sem qualquer compromisso com uma missão institucional.
Por outro lado, o estímulo à curiosidade e à experimentação lúdica trazido pelos jogos eletrônicos, vem se somar a um ambiente propício a uma nova cultura de aprendizado. (É justamente nesse sentido que John Seely Brown chama os dispositivos móveis da nova geração – iPods, iPads, smartphones, vídeo games móveis – de “amplificadores da curiosidade”.) Além de fazer surgir na criança habilidades para lidar com condições novas, inesperadas e mutantes, o brincar é mais que uma ferramenta para administrar mudanças, pois permite fazer com que coisas novas se tornem familiares, experimentar com alternativas diferentes, e, fundamentalmente, assumir a mudança como inerente ao mundo atual—uma característica chave para o sucesso no século XXI, segundo os autores.
Fincada na idéia de que o aprendizado consiste na aquisição de habilidades ou na transmissão da informação, a concepção predominante no século XX seria definida como “aprender sobre” (“learning about”). Já no final do século passado começou a se consolidar a concepção denominada de “aprender a ser” (“learning to be”) caracterizada pela inserção do aprendizado num contexto situado que leva em conta, além da transmissão da informação, os aspectos relativos a sistemas e identidade. Dadaa fluidez com a qual as mudanças estão ocorrendo nos dias de hoje, os autores propõem a adoção de uma perspectiva mais apropriada aesses novos tempos: a abordagem “aprender a vir a ser” (“learningtobecome”).A idéia é que, enquanto que as teorias do aprendizado consideram o “vir a ser” como um estado de transição, essa nova abordagem vê o aprendizado como uma prática do vir a ser recorrente, e que pressupõe participação e engajamento.
Se, por um lado, a velha mídia assume que o aprendizado consistia na absorção ou interpretação de uma mensagem transmitida, por outro lado, a nova mídia parte do princípio de que o aprendizado é um processo de engajamento com a informação e seu uso num contexto social mais amplo como um componente fundamental da chamada “inquirição produtiva”, noção originalmente concebida no pragmatismo de John Dewey, que, aliás, se aplica também à velha mídia. A diferença, segundo Thomas & Brown, é que o arcabouço social da nova mídia começa a desvendar um aspecto da inquirição produtiva que nunca havia sido pensado nem sequer estava disponível antes do advento das mídias sociais: a capacidade de engajar a imaginação. Permitindo a fusão da tecnologia de redes, de comunidades de interesse e de um sentido compartilhado de presença mútua, a infraestrutura da nova mídia deu origem ao que os autores chamam de “imaginação em rede”. Dado que o paradigma para o aprendizado na velha mídia é a noção de transferência direta do conhecimento, como se este fosse uma substância, Thomson & Brown estão mais interessados em descobrir como seria uma teoria do aprendizado para as mídias coletivas, sociais e participatórias.
Em artigo intitulado “Learning for a World of Constant Change: Homo Sapiens, Homo Faber & Homo Ludens revisited”, apresentado por John Seely Brown no “7th GlionColloquium” realizado em 2009, Thomas & Brownexaminam o aprendizado no contexto de três pilares: saber, fazer e brincar. Com a intenção de argumentar que não é por transferência de conhecimento que o aprendizado funciona, os autores vão buscar no trabalho de Michael Polyani (“The Tacit Dimension”, 1967) a base para suas convicções de que o conhecimento tem uma dimensão essencialmente social: trata-se da dimensão tácita, que, segundo Polyani, complementa a dimensão explícita do conhecimento.
Ao observar a dimensão social da nova mídia, afirmam Thomas & Brown, é possível começar a ver que contextos sociais nos quais o saber, o fazer e o brincar surgem como elementos centrais do aprendizado e que a estrutura do aprendizado nesses novos contextos estão diretamente relacionados à interação entre esses três elementos. E, concluem, esses três domínios do aprendizado também correspondem a três componentes mais amplos: Homo Sapiens (humano como aquele que sabe), Homo Faber (humanocomo aquele que faz) e Homo Ludens (humano como aquele que brinca/joga).
Por fim, como recomendação para que floresça uma nova cultura de aprendizado, será preciso: (1) pensar sobre o problema como uma crise no aprendizado ao invés de no ensino; (2) prestar atenção ao poder das novas culturas do aprendizado que já estão acontecendo e entender o que as torna bem sucedidas; (3) lançar mão de novos recursos: aprendizado entre-pares, amplificado pelo poder do coletivo; (4) entender como otimizar os recursos (e a liberdade) de grandes redes, e ao mesmo tempo proporcionar atuação pessoal e individual dentro dos limites de um espaço de problemas criado por um ambiente de aprendizado limitado.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Democratização da Inovação Tecnológica e o Conceito de Pivô


A Democratização da Inovação Tecnológica e o Conceito de Pivô

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Muito além de um ecossistema de ferramentas de comunicação e de troca de informações, a internet tem se mostrado um extraordinário instrumento de democratização da capacidade de produzir inovação tecnológica. Desde a sua concepção no final dos anos 1960’s que a internet foi projetada para servir tanto como um meio de estabelecer uma rede no sentido abstrato do termo, como um instrumento para abrigar redes heterogêneas ao mesmo tempo em que permitisse que essas redes funcionassem independentemente, isto é, tanto como um conjunto de componentes quanto como a própria entidade que agrega esses componentes.
A capacidade generativa de audiências que não se conhecem e, não necessariamente gozam de mútua credibilidade, de construir e distribuir código executável através da internet para milhões de computadores pessoais transformou-se no estopim de um crescimento e um turbilhão de inovações em tecnologia da informação, ao mesmo tempo que propiciou terreno fértil para a criatividade e o empreendedorismo. A bem da verdade, tantas são as inovações já acalentadas pela internet que não seria exagero admitir que os impactos da rede na história da humanidade se situam no mesmo diapasão que os do carro Modelo T da Ford e os da prensa de Gutemberg.

Abertura tem sido, desde o início, uma das características fundamentais da internet: qualquer computador ou dispositivo de processamento de informações poderia fazer parte da rede, desde que houvesse uma interface apropriada, o que, via de regra, não era difícil de montar. Reproduzindo e, ao mesmo tempo, ampliando o crescimento explosivo da internet, a popularização de um dispositivo multifuncional e facilmente reconfigurável como o computador pessoal permitiu que o universo de usuários que escrevem software para esse dispositivo viesse a atingir larga escala e um alto grau de diversidade. Não obstante a mais recente tendência de criação de sistemas fechados sobre a rede aberta (veja-se o exemplo dos sítios de aplicativos dedicados a plataformas específicas), a diversidade e a escala têm levado a uma ampla variedade de aplicações responsáveis por inovações em áreas as mais diversas tais como política, entretenimento, jornalismo, educação, publicidade, economia.
O fato é que os baixos custos da inovação na forma de aplicação (software) sob uma arquitetura aberta permitem o surgimento de inovações sob os mais diversos modelos de financiamento. Dado que, regra geral, uma nova aplicação nem sempre demanda grandes investimentos em capital, o inovador pode buscar implementar sua idéia apenas durante seu tempo livre, sem ter que abandonar seu emprego ou ocupação atual. Trata-se de aspecto de grande valia, sobretudo se ainda há dúvida sobre sua viabilidade técnica ou mesmo sobre a existência de uma demanda. Além do mais, a queda de preços nos produtos de tecnologia, a disponibilidade de software de código aberto, a comoditização da tecnologia, o fácil acesso a serviços terceirizados de tecnologia (crowd-sourcing), e a computação em nuvem, todos esses fatores têm reduzido os custos necessários para a construção de novos produtos. Em palestra recente ao Stanford Technology Ventures Program (“FundingThunderLizardEntrepreneurs”, 27/10/10), a investidora Ann Miura-Ko, parceira da empresa de investimentos de risco Floodgate, destaca que esses elementos têm contribuído para criar uma grande flexibilidade de prototipagem rápida, e uma nunca dantes vista facilidade e capacidade de ajustar novos produtos para o mercado.
É justamente nesse sentido que Eric Ries, autor do blog “StartupLessonsLearned.com” e conhecido defensor do método “The Lean Startup” de desenvolvimento de produtos no contexto de tecnologia para inovação, defende que o paradigma “inovação através da experimentação” se aplica perfeitamente ao universo de startups (empresas recentemente criadas), principalmente, mas não apenas, as de serviços de internet. Segundo Ries, a maioria das startups fracassa, uma grande parte por razões que poderiam ser evitadas, e portanto não deveríamos nos acomodar e aceitar passivamente o baixo nível de sucesso que se observa na indústria do capital de risco. É preciso renunciar a alguns preciosos mitos do empreendedorismo como se pratica nos dias de hoje, e mudar a forma de operar no mercado de investimento em inovação tecnológica. Ries começa definindo: “uma startup é uma instituição humana desenhada para entregar um novo produto ou serviço sob condições de extrema incerteza”. O que diferencia uma startup bem sucedida é a capacidade de trazer à tona as melhores idéias sob extrema dificuldade, ou seja, a capacidade de encontrar o “pivô” – o ponto de reinvenção no qual a startup se dá conta de que suas idéias originais carecem de uma reinstrumentalização. E, mais importante, a startup bem sucedida é aquela que consegue encontrar seu mercado antes que o dinheiro acabe.
Conforme defende Miura-Ko, uma startup bem sucedida não floresce unicamente de uma grande idéia: o sucesso decorre da capacidade de fazer crescer um negócio em torno da grande idéia. O ecossistema do capital de risco, uma razoável base de clientes, canais de distribuição e fabricação acessíveis, todos esses fatores acabam convergindo para um modelo de negócios que se revela viável e escalável. Justamente, a internet serve de laboratório de experimentação no qual os empreendimentos podem testar com agilidade seus modelos de negócio, usando, por exemplo, mídia social alavancada por uma criação de demanda e estruturas de preço flexíveis.
Com base na premissa de que uma idéia inovadora não necessariamente tem um mercado que esteja pronto para absorvê-la, a proposta de Ries é que o desenvolvimento de um produto seja feito incremental e interativamente em parceria com o suposto universo de clientes, para que se minimize o tempo entre os pivôs. Ainda que correndo o risco de mal comparar, o lançamento de alguns produtos da Google, por exemplo, se dão por um método de espírito semelhante: através de versões “alfa”, “beta”, etc., o produto vai sendo experimentado e ajustado conforme a satisfação da eventual clientela, que aliás não era exatamente conhecida no início do processo. Daí, uma startup “lean” (“enxuta”) opera com um plano de negócios que pode ser dinamicamente reformulado até que um modelo de negócios bem sucedido possa ser encontrado. Através de uma rápida mudança de pivô com base na realimentação fornecida pela clientela, uma startup pode estender seu espaço de manobra sem que sofra diluição significativa decorrente de uma nova rodada de financiamento. No laço de realimentação “Construir-Medir-Aprender”, considerado como “uma unidade de progresso”, um pivô é um ciclo completo, e o crescimento da startup se dá através de uma aprendizagem validada por meio de uma série de pivôs.
O termo pivô vem do fato de que quando empreendedores obstinados descobrem algo errado em sua idéia original, eles não simplesmente abandonam tudo. Ao contrário, mantêm um pé firme sobre o que aprenderam com a experiência anterior, e avançam com o outro pé na nova direção. Segundo as estatísticas, esse padrão de comportamento “zigue-zague” predomina entre as startups bem sucedidas.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE