terça-feira, 31 de março de 2009

Forjando a Interação entre Conhecimento e Empreendimento

ARTIGOS ESPECIAIS

30/03 - 23:00

Forjando a Interação entre Conhecimento e Empreendimento

São Paulo, 30 de março de 2009 - Na academia ou no setor privado, inovação é o elemento mais fugidio, e mesmo assim é fundamental para a solução de problemas cruciais tanto locais quanto globais. Em seu pronunciamento de abertura da recente Semana do Empreendedorismo da Stanford University (18-25 Fev 2009), o Reitor (Presidente) John Hennessy discutiu o interplay entre o aprendizado de mais alto nível e o progresso comercial, acrescentando alguns elementos fundamentais do que significa hoje o forjar a interação entre conhecimento e empreendimento. Tendo vivido na própria pele os dois mundos (pois obteve resultados pioneiros no desenvolvimento da tecnologia RISC, e fundou empresas de alta tecnologia como a MIPS Technologies), Hennessy diz que universidades e laboratórios de pesquisa forçam as pessoas a viver na fronteira da tecnologia, e essa exploração as ajuda a descobrir aquilo que não é óbvio. Relembrando as primeiras interações com os ex-alunos Jerry Yang e David Filo, fundadores da Yahoo!, a imagem que ficou foi a do quanto a dupla se sentiu motivada pela necessidade da verdadeira navegação pela (então pouco explorada) rede mundial de computadores. De Sergey Brin e Larry Page, também ex-alunos e fundadores da Google, a lembrança mais marcante é a da evolução do significado da busca na internet à medida que o volume de dados disponibilizados crescia e, ao mesmo tempo, como a abordagem acadêmica de Brin e Page ao problema da busca se revelou prática e eficaz.

Casos como esses, embora bem posicionados no extremo do espectro do sucesso, representam mais uma regra que propriamente uma exceção em Stanford. O fato é que a síntese do ensino com a pesquisa é fundamental nessa universidade que adotou como lema “Os Ventos da Liberdade Estão Soprando” (“Die Luft der Freiheit Weht”, em alemão). Todos os docentes fazem pesquisa de alto nível, na grande maioria das vezes em associação com alunos de pós-graduação ou do final da graduação. Stanford é conhecida por sua pesquisa multidisciplinar em suas faculdades e departmentos, assim como seus laboratórios independentes, centros e institutos de pesquisa. Diversos centros nacionais de pesquisa estão localizados em Stanford, inclusive o Department of Plant Biology da Carnegie Institution de Washington, e o National Bureau of Economic Research. São mais de 4.500 projetos financiados por órgãos externos, com um total de receita de projetos girando em torno de US$1,06 bilhão no período 2008-2009, incluindo o SLAC (“Stanford Linear Accelerator Center”, acelerador linear de Stanford, que serve a todo o país). Desses projetos, o governo federal financia cerca de 85,7%. Além disso, aproximadamente US$150,2 milhões vêm de fontes não federais. No total, são mais de 4.000 estudantes de pós-graduação envolvidos em projetos com financiamento. E para garantir a propriedade intelectual de Stanford, existe o “Office of Technology Licensing” (OTL), que, no período 2007–2008, permitiu que Stanford recebesse mais de US$62,5 milhões em receita bruta de royalties de 344 tecnologias. Trinta e seis das 344 invenções geraram US$100.000 ou mais em royalties, enquanto que três invenções geraram U$1 milhão ou mais. Nos últimos dois anos (2007–2008) o OTL concluiu 107 novas licenças e avaliou cerca de 400 novas descrições de invenção em 2008. A relação de invenções licenciadas pelo OTL impressiona: John Chowning desenvolveu a síntese de som FM para sons digitalmente gerados no final dos anos 1960s, levando ao sintetizador de música; o Stanford Patient Education Research Center desenvolve programas para pessoas com problemas crônicos de saúde, incluindo artrite e HIV/AIDS, e já foi licenceado para mais de 500 organizações em 17 países; nos anos 1980s, John Cioffi e seus alunos descobriram que linhas telefônicas tradicionais poderiam ser usadas para transmissão de dados em alta velocidade, o que resultou no patenteamento da tecnologia DSL; a técnica de cifragem de mensagens baseada-em-identidade, desenvolvida por Dan Boneh e Matt Franklin trouxe uma forma eficiente de criptografar e proteger mensagens de e-mail, e levou à fundação e consolidação da empresa inovadora Voltage; nos anos 1980s, Leonard Herzenberg, Vernon Oi e Sherie Morrison descobriram como produzir anticorpos em massa; duas ferramentas ajudam no seqüenciamento do DNA, a eletroforese CHEF, inventada em 1987 por Ron Davis, Gilbert Chu e Douglas Vollrath, e o software Genscan, desenvolvido por Christopher Burge; o gen do chip, baseado na tecnologia do “spotted microarray” desenvolvida por Pat Brown e Dari Shalon, permite que os médicos criem perfis genéticos de pacientes e suas doenças; a tecnologia do DNA recombinante, desenvolvida em 1973 por Stanley Cohen e Herbert Boyer, estabeleceu os fundamentos para a engenharia genética moderna permitindo que cientistas combinem partes do DNA de diferentes organismos. Para que se dê um salto bem sucedido do laboratório de pesquisa para o empreendimento, é imperativo entender por que empresas que fincam raízes na academia ou num ambiente de pesquisa são mais bem sucedidas que outras startup’s. Na opinião de Hennessy, esses inovadores fortemente baseados em pesquisa acabam sendo não apenas bem versados nas suas respectivas áreas, mas são também otimistas no que diz respeito ao futuro triunfo de seus projetos. Resta saber como forjar essa simbiose entre o conhecimento e o empreendimento. O espírito empreendedor de Stanford, resultado de sua localização na Califórnia e do legado de vários pioneiros, aí incluídos seus fundadores Leland e Jane Stanford, tem contribuído com a geração de mais de 3.000 empresas de alta tecnologia e outros campos. Frederick Terman, um dos pioneiros da tecnologia do anti-radar e provost (i.e., vice-reitor executivo) de Stanford no período de 1955 a 1965, é chamado de “o arquiteto acadêmico” da região de alta tecnologia conhecida como Vale do Silício, e a ele é creditada a criação das parcerias universidade-indústria que levaram ao estabelecimento de empresas chave para a revolução tecnológica que vivemos hoje. Terman incentivou o empreendedorismo entre seus alunos, criou oportunidades na Califórnia para engenheiros formados em Stanford, estabeleceu programas de educação continuada para engenheiros em empresas locais, e ajudou a fundar o parque industrial da universidade onde empresas como a Hewlett-Packard puderam se fixar. Terman criou uma cultura empreendedora que, hoje em dia, se estende a todas as disciplinas acadêmicas. Além das mais conhecidas (HP, Google, Yahoo!, Cisco, Sun, YouTube, NVIDIA), várias empresas revolucionárias foram criadas por docentes e alunos saídos do campus de Stanford: Atheros Communications, BEA Systems, Charles Schwab & Company, Cypress Semiconductor, DNAX Research Institute, E*Trade, IDEO, Intuit, Linked In, Logitech, Mathworks, McCaw Cellular Communications, Octel Communication, Orbitz, Rambus, Rational Software, Silicon Graphics, Taiwan Semiconductor, Tandem Computers, Tesla Motors, VMware, Zillow.

Do ponto de vista da academia, urge que se investigue como o ambiente acadêmico pode começar a dar sua parcela no sentido de resolver alguns dos maiores problemas enfrentados pela humanidade. Sustentabilidade ambiental, uso racional da energia, e biologia das doenças são apenas algumas das questões prementes que exigem não apenas uma simples inovação para o progresso, mas soluções interdisciplinares e colaborativas. Hennessy afirma que é de responsabilidade da universidade articular as diversas equipes que possam enfrentar essas questões e oferecê-las os recursos necessários para explorar as possíveis soluções. Segundo ele, é improvável que essas grandes questões globais sejam resolvidas de forma satisfatória por um modelo puramente de empreendedorismo.

Há que se reconhecer que nos últimos 50 anos, Stanford tem acumulado um histórico de traduzir de forma bem sucedida a pesquisa acadêmica para a prática que não encontra paralelo em nenhuma outra universidade. O espírito pioneiro que tem caracterizado essa antiga fazenda transformada em instituição de ensino superior, ainda é pervasivo. Segundo Hennessy, inovação define a cultura de Stanford, e nesse sentido a conjunção de tantos pontos fortes numa instituição, num tempo em que surgem enormes desafios em escala global, cria uma oportunidade única. Em apelo a toda a comunidade de ex-alunos, simpatizantes e admiradores em geral para que oportunidade não fosse perdida, foi lançado em 2006 o “The Stanford Challenge”, um programa de arrecadação de doações previsto para se prolongar por cinco anos. Ao que tudo indica, ainda no início da segunda metade do período previsto, o programa já superou a meta inicial de arrecadar US$4 bilhões. E esse valor veio em dinheiro e compromissos, na forma de mais de 350.000 doações de todos os tamanhos. Conforme mensagem de Hennessy, “são dois os objetivos: buscar soluções para os problemas globais e equipar seus alunos com a educação de que precisam para se tornarem líderes num mundo complexo e interrelacionado”. E as palavras chave são colaboração interdisciplinar e empreendedorismo. Conforme o portal do “The Stanford Technology Ventures Program”, as competências empreendedoras são a chave para destravar o potencial das inovações tecnológicas para resolver problemas mundiais aparentemente intratáveis.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil, 30/03/2009, 23:00hs, http://gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2420277,408,100,1

domingo, 15 de março de 2009

Responsabilidade com a Privacidade do Consumidor é Bom Negócio

ARTIGOS ESPECIAIS

14/03 - 19:00

Responsabilidade com a Privacidade do Consumidor é Bom Negócio

São Paulo, 14 de março de 2009 - As redes sociais na internet se constituíram em 2008 no grande fenômeno do mercado consumidor na escala global. Estima-se que dois terços da população da internet visitam uma rede social ou portal de blog, e o setor pode estar representando cerca de 10% do tempo total de uso da internet. Em função do crescimento do tempo dedicado às redes sociais estar acontecendo numa taxa dramaticamente maior que a média dos outros setores da internet, a fatia correspondente às redes no uso total da internet tem crescido rapidamente. Em alguns países, a parcela correspondente a “Comunidades baseadas em Membros Inscritos” mais que dobrou, segundo um relatório recente da Nielsen Online: na Suíça, por exemplo, saiu de 3% para 9,3%; no Brasil, passou a 25%; no Reino Unido 1 em cada 6 minutos (um ano atrás era 1 em cada 13); e na Itália 1 em cada 7 minutos (1 em 14 no ano anterior). À medida que a indústria online e o valor da “propriedade cibernética” (em inglês, “online real-state”) é cada vez mais medida pelo tempo gasto ao invés de pelo número de páginas vistas, pode começar a ser observado um deslocamento significativo na receita da mídia “tradicional” online para a chamada mídia social, isso se a indústria das redes sociais encontrar o modelo apropriado para tirar proveito dessa tendência.

Segundo o relatório da Nielsen Online, as indústrias globais de mídia e propaganda se deparam com novos desafios em torno das oportunidades e dos riscos que esse novo veículo cria. As redes sociais representam competição aos veículos tradicionais pela atenção do consumidor ao mesmo tempo em que servem de facilitadores para que veículos e anunciantes se conectem a suas audiências. E aí surge naturalmente a questão: de que forma precisam mudar suas estratégias conforme o novo cenário? O engajamento do consumidor nas redes sociais tem o potencial de mudar a forma pela qual os consumidores são “alvejados”, não apenas através do meio digital, mas também por meio de outras formas de mídia tradicional. Se, por um lado, uns poucos bilhões de dólares de receita não podem estar errados, a sabedoria predominante é a de que o atual nível de atividade de propaganda em redes sociais não está par a par com o tamanho – e níveis altamente engajados – da audiência. As redes sociais e a indústria da propaganda ainda não encontraram aquela fórmula mágica para fazer isso acontecer.

No momento a indústria se depara com uma situação do tipo “cachorro mordendo o rabo”. Parte do extraordinário crescimento do número de membros da Facebook é devido a seu design leve e com pouca propaganda; consequentemente, o crescimento da audiência não tem sido acompanhada por uma aumento proporcional na receita proveniente de anunciantes. Por outro lado, a abordagem da MySpace mais voltada ao entretenimento e à personalização da aparência – inclusive carregando mais propaganda – tem sido mais bem sucedida na atração de receita de anunciantes, e ainda assim a audiência da MySpace é avaliada como decrescente.

Porém, conforme Eric Eldon em seu artigo “Your mom is leaving MySpace for Facebook (but you aren’t)” publicado no portal Venturebeat (13/03/09), apesar da MySpace ter aparecido ultimamente como tendo seu tráfego estagnado, se não em declínio, no seu território base (EUA), a verdade é mais sutil: o tráfego total da MySpace sofreu um grande abalo no último ano — uma queda de 28% dos 72,92% do mercado americano de redes sociais um ano atrás para 52,21% em Fevereiro último, de acordo com os novos índices da empresa Hitwise. E, é claro, a Facebook nesse interim cresceu 149% de 14,46% do mercado para 36,03%. Mas o que está acontecendo parece mais um deslocamento demográfico que o juízo final para a MySpace: no momento ela continua sendo o melhor caminho para se chegar a adolescentes e adultos jovens. A MySpace na verdade cresceu 1% entre os usuários de 18 a 24 anos. A maior queda foi no grupo de idade mais avançada. A Facebook já reportou que teve crescimento grande entre os maiores de 30. Como provável resultado desse crescimento a fatia dos membros entre 18 e 24 na verdade caiu 27%, de 40,14% dos membros para 29,22%. Por outro lado, a Facebook já havia dito que um dos grupos que mais cresceu na sua comunidade de membros foi o de mulheres maiores de 55 anos. Por essa razão, Eldon intitula seu artigo “sua mão está deixando a MySpace pela Facebook, mas você não”.

Independentemente de grupo ou faixa etária, a verdade é que as recentes tecnologias de armazenamento e análise do padrão de atividades dos consumidores na internet têm revelado uma perspectiva alvissareira aos diversos atores da sociedade de consumo: o marketing se revela mais eficaz quando é focado, e chega exatamente ao seu destino pretendido. A situação é descrita pelos entusiastas como “ganha-ganha-ganha”: quem deseja comprar recebe sugestões de consumo conforme suas atividades de navegação na rede; quem quer vender maximiza o retorno no investimento pois a mensagem chega precisamente ao seu público alvo; quem publica tem maior valor agregado ao seu serviço, dada a eficácia esperada. Por outro lado, essa mesma tecnologia também pode trazer riscos aos direitos do consumidor, especialmente quando se trata do direito à privacidade e à liberdade de expressão. Em seu portal na internet, a American Civil Liberties Union (subsede da Califórnia do Norte, ACLU-NC) diz que quando empregada sem as proteções adequadas, essa tecnologia pode vir a ser uma ferramenta que passa por cima dos direitos constitucionais. Num guia intitulado “Privacy & Free Speech. It’s Good for Business”, a ACLU-NC defende que pode trazer enormes vantagens para a imagem das empresas a tomada de decisões inteligentes e pró-ativas sobre privacidade e liberdade de expressão de seus consumidores.

Conforme declaração em 13/03/09 de Tim Berners-Lee, cientista da computação inglês cuja proposta de um sistema de gerenciamento da informação 20 anos atrás à European Organization for Nuclear Research (CERN) redundou na World Wide Web, rastrear as visitas a portais da internet da maneira como alguns serviços têm realizado pode permitir a construção de um perfil incrivelmente detalhado das pessoas e de seus hábitos. Por isso, o internauta está a cada dia correndo mais riscos de ser rastreado por governos e corporações que desejam montar um perfil de suas atividades. A questão central é o quanto vale a privacidade do cidadão da rede: até que ponto uma rede social tem direito de repassar ao mercado o perfil de compras e de navegação de seus membros, sem que estes declarem estar de acordo com tais termos de serviço. Muitas são as promessas de que é possível aliar o benefício do “anúncio ao-alvo” (em inglês “target advertising”) à preservação da privacidade do indivíduo, desde as provenientes de iniciativas mais consolidadas como a Network Advertising Initiative (da qual fazem parte Google, Acerno, Akamai, BlueLithium, Yahoo!, que trazem a público suas recomendações auto-reguladoras com as quais se comprometem as participantes do consórcio) até as daquelas que se dizem revolucionárias (Phorm, NebuAd, Front Porch) ao propor o armazenamento de informações a partir do provedor e anonimizando o usuário através da substituição de suas informações pessoais identificáveis por números (aparentemente) aleatórios.

Porém, da mesma forma que a noção de responsabilidade social e ambiental entrou de vez na agenda das empresas, assim acontece com a responsabilidade com a privacidade e a liberdade de expressão. Conforme recomenda o guia da ACLU-NC, salvaguardar a privacidade e a liberdade de expressão não é apenas prudente do ponto de vista legal, é também uma sábia política de negócios. Proteger os direitos do usuário também pode gerar resultados imediatos na medida em que isso significa construir fidelidade e confiança da parte do cliente. Com as salvaguardas nos seus devidos lugares, os consumidores tendem a comprar mais online: um estudo de 2000 mostrou que os consumidores gastariam um total de US$ 6 bilhões a mais anualmente na internet se não sentissem que sua privacidade estava em jogo a cada vez que faziam uma transação. Em 2008, uma outra pesquisa demonstrou que 68% das pessoas não se sentiam “de forma alguma confortáveis” com empresas que criam perfis ligando a navegação na internet e os hábitos de compra à identidade do usuário. Outro estudo de 2007 descobriu que os clientes estão dispostos a pagar para proteger sua privacidade e calculavam o valor em aproximadamente 60 centavos de dólar a cada item de 15 dólares. Quando a Google se recusou a revelar os registros de busca ao governo americano, e a Yahoo! se recusou a ceder à pressão do governo francês a banir materiais específicos de seus leilões online, ambas foram consideradas pela imprensa e pelo público em geral como heróis da liberdade de expressão e da privacidade.

Por outro lado, violações à liberdade de expressão e à privacidade podem afetar diretamente a receita de uma empresa. A Facebook perdeu grandes parceiros anunciantes e foi alvo de protestos online de cerca de 80.000 de seus usuários por deixar de fornecer aviso e permissão apropriados para seu serviço de anúncios chamado Beacon que ligava as atividades de internet de um usuário a seu perfil na Facebook. Os planos da NebuAd de rastrear meticulosamente toda a atividade online, ao nível de cada clique do usuário, e aí usar essa informação para anúncio ao-alvo foram totalmente destroçados quando os consumidores acionaram o alarme da privacidade e da liberdade de expressão; como conseqüência, grandes acordos de parceria vieram abaixo, uma investigação de um comitê parlamentar do congresso americano foi iniciada, e o fundador e executivo da empresa renunciou. Na última quarta-feira (11/03/09), a Google anunciou em seu blog oficial que começou a exibir anúncios aos usuários com base em suas atividades online anteriores, na forma do “alvejar comportamental” (“behavioral targeting”), que tem sido utilizado pela maioria dos seus competidores mas que, por razões que acabamos de expor, tem atraído críticas dos defensores do direito à privacidade e de alguns membros do Congresso americano. Por exemplo, Rick Boucher (Democrata, Virginia), membro da Câmara dos Representantes que acaba de assumir a coordenação do subcomitê de telecomunicações, e que deve trabalhar na elaboração de um projeto de lei para tratar da privacidade no ciberespaço, diz que “usuários da internet devem ser capazes de saber que informação está sendo coletada sobre eles e ter a oportunidade de optar por sair do sistema de coleta.” Juntamente com outro membro da casa, Cliff Stearns (Republicano, Flórida), Boucher pretende exigir que portais da Web revelem como eles coletam e usam os dados, e dêem aos usuários a opção de sair de qualquer que seja o sistema de coleta de dados.

Conforme reporta Miguel Heft no artigo “Google to Offer Ads Based on Interests” (NY Times, 11/03/09), já se antecipando às objeções à sua abordagem, a Google anunciou que planeja oferecer novas formas de os usuários protegerem sua privacidade. Em destaque, a Google será a primeira grande empresa a dar a seus usuários a capacidade de ver e editar a informação que ela compilou sobre seus interesses para os propósitos de alvejamento comportamental. Tal qual rivais como Yahoo!, a Google também oferecerá aos usuários a escolha de sair do que ela chama de “anúncio baseado em interesse”. Foram muitos os elogios provenientes de entidades defensoras da privacidade na internet à decisão de dar aos usuários o acesso a seus perfis. E, considerando que é uma empresa líder no mercado de anúncio online, a Google pode estar contribuindo para que se exerça pressão sobre outras empresas para seguir seu exemplo. Alguns consórcios da indústria do anúncio online chegaram a se manifestar positivamente, dizendo que isso pode arrefecer os ânimos dos que clamavam por regulação governamental para o setor.

Trata-se, de fato, de um grande exemplo: tratar com responsabilidade o direito à privacidade e à liberdade de expressão do cliente deverá ser mesmo visto como um bom negócio.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil, 14/03/2009, 19:00hs, http://www.gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2390970,408,100,1

segunda-feira, 9 de março de 2009

Investimento, Bolha e Confiança

ARTIGOS ESPECIAIS

09/03 - 12:15

Investimento, Bolha e Confiança

São Paulo, 9 de março de 2009 - Ao que tudo indica, muitos americanos ainda não entenderam o que aconteceu com a economia. Como é que tudo ocorreu de forma tão rápida e tão devastadora? Quem é o responsável? As respostas do governo e do mercado estão dando algum resultado? Numa tentativa de analisar as possíveis respostas, o documentário Inside the Meltdown da série FRONTLINE exibido em 17/02/09 pela rede americana de TV pública PBS investiga as causas da pior crise econômica dos últimos 70 anos, e como tem sido a resposta do governo americano. O filme mergulha nos bastidores de eventos importantes como o acordo com a Bear Stearns, o colapso da Lehman Brothers, o socorro à gigantesca seguradora AIG e o famoso pacote de resgate do sistema financeiro de US$700 bilhões. Tudo parece ter começado em 2007 com os primeiros sinais de um previsível estouro da bolha do mercado imobiliário, e aí o receio passou a se espalhar entre as grandes instituições financeiras que formam o coração de Wall Street. Já no início de 2008, incomodado com os bilhões de dólares de maus contratos de financiamento imobiliário, o banco de investimentos Bear Stearns se viu cercado por rumores de que em breve quebraria. A partir daí, a confiança no sistema se rompeu e tudo parecia ir rapidamente de água abaixo.

Não faz muito tempo, uma outra bolha havia estourado, e tudo aconteceu também de forma assustadoramente rápida e arrasadora: quando a chamada “bolha da internet” rompeu em Março de 2000, muitos investidores assistiram ao “sumiço” de cerca de US$3 trilhões. Quando o índice NASDAQ chegou aos 5.132 pontos em 10/Março/2000, isso significava 500% acima do seu nível em 09/Agosto/1995, dia em que a Netscape se lançou na bolsa de valores. Em 23/Setembro/2002, o índice NASDAQ fechou em 1.185 pontos. A queda de 18 meses nos preços das ações resultou numa perda de US$4,4 trilhões de valor de mercado, incluindo US$$1 trilhão nas 150 maiores empresas do Vale do Silício. Era o maior colapso do mercado de ações na história do capitalismo industrial. E as perguntas que ficaram no ar foram semelhantes às dos dias de hoje: Por que tão rápido? Quem foram os responsáveis? Afinal, o que incitou a incrível escalada das empresas de ponto-com em Wall Street? Um outro documentário da série FRONTLINE, dessa vez intitulado sarcasticamente “Dot Con” (um jogo de palavras envolvendo “dot com”, i.e. ponto-com, e “con”, esta última significando “vigarice”), examina as forças financeiras por trás da subida sem precedentes e da queda da noite para o dia da economia da internet. A sinopse do programa faz a pergunta: será que o público tinha ficado cego pelos sonhos de pequenas fortunas e vida fácil, ou será que os bancos de investimento americanos manipularam o mercado de IPO (“Initial Public Offering”, evento de entrada na bolsa de uma empresa de capital até então fechado) e exploraram a confiança do público?

Numa entrevista ao Washington Post em 2002, época em que o escândalo da Enron ainda ocupava as manchetes, o diretor e produtor Martin Smith, ao ser perguntado se teria havido manipulação indevida, diz que sim, pois nunca tinha surgido tantas empresas não-rentáveis sendo oferecidas ao público como bons investimentos e elogiadas por tantos analistas de mercado. A explosão da mídia financeira da época só contribuiu para uma maior desinformação. No final das contas, adianta Smith, o público tem que assumir a responsabilidade, mas aqueles que sabiam mais não estavam ajudando a informar e educar o público, ao contrário, estavam explorando. Numa série de entrevistas realizadas com especialistas e partícipes da crise, a primeira pergunta começava afirmando que o mito da internet como uma força “democratizante”, “nivelando o campo de jogo” e tudo o mais, havia sido exposto, no mínimo no que concerne aos mercados financeiros. Em outras palavras, longe de “democratizar o mercado” e “nivelar o campo de jogo”, parecia que a nova mídia associada à bolha da internet – as redes de tv a cabo 24 horas no ar como CNBC e CNNfn, assim como outros portais online como Motley Fool, TheStreet.com, e outros, e as corretoras online – ao invés disso produziram novos demagogos (sob a forma de capitalistas de aventura, banqueiros de investimentos, analistas e jornalistas de negócios), e lhes foi permitido, como nunca dantes visto, manipular o público investidor. Haveria verdadeiramente algo sobre a própria internet, como veículo, que teria alimentado a bolha?

A resposta de Thomas Frank (editor-fundador da revista The Baffler, editor e autor de Harper's, além de autor de One Market Under God: Extreme Capitalism, Market Populism, and the End of Economic Democracy (2000) eThe Conquest of Cool: Business Culture, Counterculture, and the Rise of Hip Consumerism (1997)), traz algumas observações importantes, e ainda bem atuais. Frank lembra que democracia através do investir parece ser um tema recorrente na indústria financeira, voltando à tona sempre que um “bull market” (termo associado a um clima de otimismo no mercado de ações) realmente impressionante está estourando os indicadores – os anos 1920s, 1960s, e 1990s. Afinal de contas não é possível haver bull market sem a participação em massa, e não há como haver participação em massa sem que o público em geral se sinta seguro em participar. Uma outra razão pela qual Wall Street periodicamente espalha tais fantasias elaboradas de democratização é que eles buscam um mundo no qual pessoas comuns se imbuíram da liberdade de pensar por si próprias, compraram ações, e estariam prontas a concordar que os impostos corporativos têm que ser diminuídos, que a Seguridade Social tem que ser privatizada, que os sindicatos têm que ser desmontados e seu trabalho terceirizado, que as regulações têm que ser removidas, e que o ambientalismo é um engodo. Embora Wall Street não dê boas vindas à democracia econômica, durante os anos 1990s fez um grande esforço para abraçar uma espécie de democracia cultural, anunciando que a hora do “smart money” e dos pequenos e espertos empreendedores e investidores havia chegado. Daí, quando a internet finalmente desembarcou na bolsa (em 1995 com a Netscape), já estava perfeitamente plugada no script existente. Seu maior impacto teria sido como um símbolo e como um investimento. Por toda parte se ouvia como a internet tinha trazido mais avanços sociais em poucos anos do que se tinha notícia, como esse dispositivo milagroso e misterioso tinha transferido o poder para as pessoas a um ponto que parecia incompreensível, como tinha invertido as velhas hierarquias de chefe e subordinado, de primeiro mundo e terceiro mundo. Era Deus em pessoa descendo à terra e nos dizendo que os mercados eram democracias.

Como resultado das investigações do governo americano sobre possíveis irregularidades, a “Securities and Exchange Commission” (o equivalente à comissão de valores mobiliários) entrou com uma ação contra o Credit Suisse First Boston (CSFB), banco de investimentos e corretora de valores mobiliários, por “práticas abusivas relacionadas à alocação de ações em IPOs ‘quentes’”. Na ocasião, a comissão simultaneamente anunciou que o CSFB havia concordado em pagar um total de US$100 milhões correspondendo à ação movida pela comissão e a uma outra ação movida pela NASD Regulation, Inc. (NASDR). O CSFB também concordou em não mais participar em violações e irregularidades, e em instituir novos procedimentos concebidos para prevenir a recorrência do tipo de má conduta que deu origem a essa ação. Muito se tem feito para assegurar que a próxima geração de empreendedores possa evitar os problemas ocorridos na época da bolha da internet, ou “pelo menos cometer menos erros”, conforme David Kirsch, professor da Universidade da California em San Diego e criador do “Digital Archive of the Birth of the Dot Com Era” (arquivo digital do nascimento da era ponto-com) mais conhecido como o “Dot Com Archive” (dotcomarchive.org). Iniciado em Junho de 2002, quando a maioria das pessoas estavam fazendo o possível para esquecer os anos precedentes de exuberância empreendedora aparentemente irracional, o arquivo recebeu no mês seguinte de um parceiro de uma firma de capital de aventura uma doação de todos os planos de negócios que a firma tinha recebido de 1999 a 2002 (documentos cobrindo algo como 1.100 empresas). Atualmente o arquivo contém cerca de 6,4 milhões de mensagens de e-mail, mementos, apresentações de slides, fotografias, material de marketing e bancos de dados representando milhares de empresas. Esses dados têm começado a revelar insights interessantes sobre a bolha ponto-com. Alguns deles apareceram num artigo intitulado “Was there too little entry during the Dot Com Era?”, de autoria de Brent Goldfarb, David Kirsch e David A. Miller (publicado no Journal of Financial Economics 86(1) 100-144 (2007)): (1) Prevalecia uma crença de que a estratégia de negócios conhecida como “Get Big Fast” (Torne-se Grande Depressa) era apropriada para negócios de internet. Essa estratégia deixou de ser a preferida somente após ser resolvida a incerteza sobre sua eficácia no início de 2000. (2) A ascensão e queda do tamanho dos investimentos de capitalistas de aventura era mais proeminente na internet e em outros setores de tecnologia da informação. Enquanto que o total de investimento de capital de aventura (VC) caiu após o declínio no mercado de ações em 2000, investimentos de VC relacionados à internet caíram mais e os IPOs relacionados à internet quase cessaram. (3) Taxas de saídas de empresas ponto-com são comparáveis ou talvez menores que taxas de saída de iniciantes em outras indústrias nos seus anos formadores. Taxas de sobrevivência de empresas ponto-com com cinco anos se aproximam de 50%. Essa taxa de sobrevivência é mais baixa que indústrias de manufatura, nas quais aproximadamente 2/3 de indústrias iniciantes sobrevivem , mas é igual ou maior que as taxas de sobrevivência em várias outras indústrias. (4) A sobrevivência não se relaciona ao recebimento ou à quantidade de financiamento de “private equity” (tipo de atividade financeira realizada por instituições que investem essencialmente em empresas que ainda não são listadas em bolsa de valores, com o objetivo de alanvancar seu desenvolvimento). Empresas financiadas por VCs não teriam mais ou menos chances de sobreviver. Não há evidência de que o retorno no investimento em private equity foi positivo ou que, condicional à sobrevivência, a classificação quanto ao tráfego de internet era mais alta para empresas apoiadas por investimento de private equity.

Em sua página no portal da Universidade da California em San Diego, David Miller, um dos autores, diz que o artigo dá uma contribuição mais ampla à teoria das bolhas de investimento e “crashes” (quedas acentuadas e inesperadas do preço das ações) em geral – inclusive a possibilidade de melhor entender os eventos recentes em mercados como o imobiliário, “public equities”, e os investimentos baseados em contratos imobiliários. A grande sacada é que o comportamento de manada entre os administradores de fundos financeiros relativamente bem informados (como os capitalistas de aventura, “hedge funds” - denominação que originalmente significava "fundo de cobertura", mas que se tornou mais geral para denominar instituições de investimentos alternativas -, e bancos de investimento) podem levar a um ciclo do tipo infla-estoura porque esses intermediários estão gerenciando os fundos de investidores menos informados (como fundos de pensão, investidores institucionais, e indivíduos). Uma manada se forma entre os administradores de fundos quando um número suficiente deles decide que um certo tipo de título ou ativo é um bom investimento que o restante acha ótimo para “acumular” sem investigar os fundamentos. Essa manada pode ser temporária e auto-corretora à medida que os administradores de fundos conhecem melhor o investimento com o decorrer do tempo. No entanto, investidores fora do círculo não estão tão bem informados, e portanto não confiam completamente nesses administradores, que aliás não estão jogando com o próprio dinheiro. O artigo mostra que uma vez que a bolha começa a estourar, os investidores podem achar que o ótimo é simplesmente retirar todo o dinheiro, justamente na hora em que os administradores de fundos corrigiram suas estratégias em reação ao colapso da bolha.

Miller conclui se perguntando o que é preciso na atual crise financeira, segundo sua teoria, para que o mercado volte à normalidade, e responde afirmando que nós investidores precisamos ver alguma evidência de que os intermediários financeiros estão investindo de forma sábia novamente. Uma injeção de dinheiro governamental na indústria financeira pode ajudar, se isso significar oferecer aos intermediários uma chance de demonstrar que se pode confiar neles novamente. Do contrário, podemos ficar paralisados num mau equilíbrio no qual ninguém investe porque os intermediários não se mostraram confiáveis, e os intermediários não podem demonstrar que são confiáveis porque ninguém está investindo.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil (São Paulo), 09/03/2009, 12:15hs, http://www.gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2379665,408,100,3