terça-feira, 17 de agosto de 2010

Computação nas Nuvens, Startups e a Criação de Empregos


Computação nas Nuvens, Startups e a Criação de Empregos

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Em postura de oblívio ao clima de desemprego reinante na maior economia do mundo, as startups baseadas em serviços de internet parecem existir em um outro mundo. Crescem como mato. E a computação nas nuvens tem servido de fertilizante de alto rendimento. Como diz Jonathan Boutelle no artigo “How Cloud Computing Impacts the Cash Needs of Startups” (16/08/2010, GigaOm.com), “o dinheiro é o oxigênio do negócio, e a computação nas nuvens permite que as empresas inspirem o oxigênio (coletando receita) antes que o expirem (pagando a seus provedores do serviço nas nuvens)”. Isso tudo porque, a bem da verdade, ao invés de uma inovação tecnológica, a computação nas nuvens chega como uma inovação no sistema de preços: a computação é paga como uma utilidade, e como tal o valor pago é decorrente do uso. Assumindo que o uso está diretamente relacionado à geração de receita, os custos da computação nas nuvens flutuam em consonância com as receitas.
Dessa forma, uma startup pode fazer “escalonamento baseado no sucesso”, e poder se dar ao luxo de ter vários meses de custo mínimo (possivelmente sem receita), antes de encontrar o encaixe do produto no mercado, e aí então crescer rapidamente. Com a computação nas nuvens à disposição, é possível escalonar para cima para atender à demanda, assim como escalonar para baixo rapidamente, caso necessário. Nesses termos, não é difícil concluir que o escalonamento baseado no sucesso reduz o risco de lançar uma startup, e, naturalmente, reduz o capital necessário para o seu lançamento. Ganham cada vez mais força as abordagens ágeis ao investimento em startups adotadas e defendidas por Dave McClure, Jeff Clavier, First Round Capital, Y-Combinator, TechStars, Betaworks, Founder Collective. Nas palavras de McClure, o método de investimento associado ao “Modelo Startup 2.0” recomenda: (i) invista em startups usando investimento incremental, e desenvolvimento iterativo; (ii) comece com diversos experimentos pequenos, filtre os fracassos, e expanda o investimento em cima do sucesso.
Em artigo de 01/02/2010 na BusinessWeek.com (“Amazon Web Services: Quietly Staking Out the Cloud”) Om Malik já chamava a atenção para o fato de que a computação nas nuvens tem sido um fator facilitador crucial na última geração de startups de internet, permitindo que iniciem com pequenos volumes de capital e escalonem rapidamente em resposta à demanda. Como não têm patrimônio (físico ou não), as startups não se vêem impedidas por nenhum dos fatores que retardam a adoção da computação nas nuvens, muito menos por uma insistência no fazer as coisas à moda antiga. Relatando uma conversa com Werner Vogels, CTO da Amazon, em que elogiava o papel dos chamados “Amazon Web Services” (aws.amazon.com) como catalisadores da inovação, Malik observava que, com acesso a tais serviços, as startups têm condições de escalonar agressivamente. “Com as nuvens vem o pensamento e a disposição irrestritos para mexer e experimentar sem se preocupar demais com o custo,” respondeu Vogels, acrescentando ainda que “a nuvem permite que muitos negócios escalonem agressivamente, tais como os aplicativos para a Facebook”.
Pesquisas consolidadas já estabeleceram o papel essencial das startups (tecnicamente, empresas com menos de um ano de criação) na criação de novos postos de trabalho e no crescimento do emprego na economia americana. Mais recentemente, em relatório produzido para a Kauffman Foundation (“The Importance of Startups in Job Creation and Job Destruction”, Jul/2010), Tim Kane observa que “as startups não são tudo quando se fala em crescimento do emprego. Elas são a única coisa.” Através de uma análise pormenorizada dos dados das “Business Dynamics Statistics” com base na idade das empresas, Kane conclui que “sem as startups, não haveria crescimento líquido no emprego na economia dos EUA”. Ainda segundo Kane, as startups criam em média 3 milhões de novos postos de trabalho anualmente. Todas as outras idades de empresas, incluindo firmas nos seus primeiros anos de existência até as estabelecidas dois séculos atrás, se revelam destruidoras líquidas de postos de trabalho, perdendo, juntas, um saldo de 1 milhão de postos de trabalho a cada ano.
Em geral se imagina as startups como altamente voláteis. Com efeito, Dane Stangler em relatório de Março de 2010 (“High-Growth Firms and the Future of the American Economy”, Kauffman Foundation) estima que menos da metade de todas as novas empresas sobrevivem mais de cinco anos. Na realidade, Stangler se concentra nas empresas de alto crescimento – as chamadas “gazelas” – que, a despeito de existirem em número relativamente pequeno, são responsáveis por uma parcela desproporcional da criação de empregos. Os resultados mostram que: (i) em qualquer ano, as empresas com desempenho entre as 1% melhores geram aproximadamente 40% da criação de novos empregos; (ii) empresas jovens de crescimento rápido, que correspondem a menos de 1% de todas as empresas, geram aproximadamente 10% de novos postos de trabalho em um dado ano qualquer.
Levando em consideração a volatilidade dos empregos gerados por startups, Michael Horrell e Robert Litan em “After Inception: How Enduring is Job Creation by Startups?” (Kauffman Foundation, Jul/2010) se propõem a responder a uma questão crucial: será que o número de postos de trabalho criados por startups exibem a mesma volatilidade que as taxas de sobrevivência? Em outras palavras, quantos postos de trabalho desaparecem um ano após serem criados? Até certo ponto surpreendentes, os resultados indicam que, enquanto que o emprego sofre uma queda no período de vida de uma empresa da mesma faixa etária, ele não reflete a taxa de sobrevivência das startups. Para empresas iniciadas entre 1977 e 2000, após cinco anos, em média, 80% do número de postos de trabalho que foram criados inicialmente ainda existem naquele grupo etário, enquanto que o número de empresas diminuiu em cerca de 50% nesse mesmo período. Além do mais, à medida em que as empresas envelhecem, os números de postos de trabalho em agregado parecem se nivelar em pouco mais de 65% por grupo etário, enquanto que o número de empresas continua a cair para 20% e menos. Horrell e Litan concluem que essa diferença marcante entre o emprego e a sobrevivência da empresa dá um esboço das oscilações do emprego que ocorrem nesses grupos etários. Enquanto que muitas empresas fracassam em um dado grupo, destruindo empregos, muitas também despontam, criando empregos.
A título de recomendação aos responsáveis por políticas públicas de incentivo à criação de empregos, Tim Kane chama a atenção para o fato de que, no caso dos EUA, os governos locais que priorizam empreendimentos maiores e empresas mais antigas estariam fadados ao fracasso, não apenas porque essas seriam de “soma-zero”, mas sobretudo porque o crescimento do emprego é conduzido em grande medida por startups que se desenvolvem organicamente. Empresas sobreviventes criam até 7 milhões de saldo de empregos (metade dos quais no nascimento das empresas), enquanto que o grupo dos que foram à falência são responsáveis por uma perda líquida de 4 a 8 milhões de empregos.
Em tempos de internacionalização do ambiente econômico, acelerada pela computação nas nuvens, vale a pena aprender e tirar lições dos dados da economia norte-americana. Que as startups entrem definitivamente na lista de prioridades dos responsáveis pelas políticas públicas de incentivo à geração de emprego.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Moneyball para Startups e a Força da Tração


Moneyball para Startups e a Força da Tração

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Numa dessas ironias da vida, um dos grandes pilares da revolução tecnológica alucinante que ainda hoje se desenrola está sendo taxado de dinossauro. Isso mesmo, jurássico. Verdadeiro símbolo do combustível que tem alimentado a inovação tecnológica, o capitalista de ventura (em inglês, “venture capitalist”, abrev. VC), ou capitalista de risco, tem tido um papel fundamental no desenvolvimento do ecossistema de inovação e geração de riqueza do Vale do Silício. Atualmente, porém, observa-se nitidamente que os fundos de capital de ventura estão diminuindo de tamanho, ao mesmo tempo em que crescem os fundos de investidor anjo. E, no momento atual, todas as indicações são de que o investidor, seja atuante em uma classe de ativos ou em outra, está sendo forçado a se tornar mais ágil e mais esperto, em consonância com o ritmo de mudanças. Os custos das empresas startup têm diminuído dramaticamente nos últimos cinco anos, e a distribuição online através de engenhos de busca, mídia social, e plataformas móveis têm se popularizado como canais de marketing para consumidores. Enquanto isso, por um lado, aumenta o número de aquisições, e, por outro lado, o tamanho das negociações diminui à medida em que empresas mais consolidadas adquirem startups em momentos cada vez mais iniciais de seu ciclo de desenvolvimento.
Conforme previu Paul Kedrosky em relatório publicado em Junho de 2009 pela Kauffman Foundation (“Right-Sizing the U.S. Venture Capital Industry”), a indústria do capital de ventura está encolhendo. Apesar do sucesso demonstrado nas últimas três décadas, e de seu papel de catalisador financeiro de empresas de alto crescimento, a indústria de VC tem revelado estagnação e declínio em seu retorno. Entre os especialistas há um sentimento generalizado de que, embora deva manter seu papel fundamental de tracionar o crescimento de empresas nas áreas de tecnologia da informação, tecnologia limpa, e biotecnologia, todas elas de alto risco e ao mesmo tempo capital-intensivas, a indústria deverá passar por um processo de redimensionamento. A resistência a mudanças é uma realidade, inclusive pela imagem, tanto no inconsciente coletivo quanto no meio dos responsáveis por políticas públicas, de que a indústria de VC é elemento inseparável da inovação tecnológica. Kedrosky se propõe a responder questões fundamentais como: qual deveria ser o tamanho da indústria de VC em termos do compromisso financeiro subjacente agregado para com parcerias de empreendimento? O tamanho da indústria deveria ser maior de modo a melhor equipar empreendedores para resolver problemas que enfrentamos enquanto sociedade? Deveria ser menor para que possa arriscar mais, tracionar retornos maiores, e portanto manter os investidores satisfeitos?
É fato que a indústria do capital de ventura cresceu dramaticamente como resultado da formação da bolha da internet que acabou rompida em 2001. Antes do fenômeno da bolha se consolidar, as pessoas que investiam em fundos de VC (os chamados “parceiros limitados”, em inglês “limited partners”, abrev. LP’s) puseram cerca de 50 bilhões de dólares no setor, e em 2001 o total de investimentos inchou para algo em torno dos 250 bilhões. Acontece que, como o capital de ventura é uma classe de ativos essencialmente “ilíquida”, mesmo após o estouro da bolha os fundos não desapareceram imediatamente. Em 2000-2001 o mercado de ações se ajustou rapidamente punindo investidores no índice NASDAQ e nas ações de empresas de tecnologia de um modo geral.  É natural que os consumidores tenham retirado seu dinheiro desses investimentos de alto risco, mas o compromisso dos LP’s com os fundos de VC é de 10 anos determinado no contrato. Dessa forma, o total de compromissos em 2008 ainda se situava em torno dos 250 bilhões.
Em “What’s Really Going on in the VC Industry? What Does it Mean for Startups?” (16/10/10) Mark Suster lembra que o que acelerou o encolhimento da indústria de VC foi o colapso dos mercados financeiros.  Os LP’s que investem em fundos são tipicamente as reservas monetárias (em inglês “endowments”) das universidades americanas, os fundos de pensão, as seguradoras, as grandes corporações, além dos indivíduos de grande fortuna. Kedrosky então enumera dois problemas com o LP: (1) o “problema do denominador, que diz que se um LP investe X% (numerador) em “investimentos alternativos” tais como capital de ventura, e se o montante disponível para investir (denominador) diminui de 30%, então o montante que ele aloca para o VC vai precisar baixar de 30% para permanecer na mesma porcentagem; (2) a indústria do VC tem tido um péssimo desempenho nos últimos 10 anos, a ponto de muitas firmas sequer terem retribuído o capital original dos LP’s, muito menos dar lucro.
Em artigo intitulado “MoneyBall for Startups: Invest BEFORE Product/Market Fit, Double-Down AFTER”, 30/07/10), recentemente publicado em seu blog “Master of 500 Hats”, Dave McClure, investidor anjo e empreendedor, começa lembrando as discussões recentes sobre as vantagens e desvantagens de ser pequeno ou grande investidor em alta tecnologia, mais especificamente que mudanças e desafios têm surgido na indústria do VC na última década. As circunstâncias atuais, segundo ele, não se mostrariam favoráveis aos fundos de grande volume de investimento em internet de consumo (em inglês, “consumer internet”). De forma aparentemente paradoxal, McClure argumenta que um dos principais fatores para o sucesso de um investimento em uma startup não seria o tamanho do fundo. Na verdade, o ponto principal, segundo ele, seria o nível de complacência e de falta de agilidade dos investidores nessas últimas duas décadas, revelados inclusive na própria taxa interna de retorno (em inglês, “internal rate of return”, abrev. IRR). “Enquanto isso a internet de consumo trouxe uma verdadeira tsunami de mudanças tecnológicas e comportamentais que resultou em reduções espetaculares em tempo e custo necessários para distribuir produtos e serviços a mais de 2 a 3 bilhões de pessoas conectadas no planeta. A internet mudou a vida dramaticamente para bilhões de pessoas em todo o globo – e ainda assim a maioria dos VC’s e dos advogados ainda fecham negociações via fax e correio comum.”
O mundo mudou muito para empreendedores de tecnologia, e os VC’s estão tentando se adaptar às novas realidades.  Segundo McClure, alguns vão conseguir, porém outros vão acabar decidindo por não angariar um novo fundo e passar os próximos cinco a dez anos envolvidos com os fundos que já têm, e depois se retirar do setor. “A maioria dos VC’s são dinossauros, e a World Wide Web é um asteróide que atingiu o planeta numa explosão cataclísmica em câmera-lenta 15 anos atrás. Pode levar mais 5 anos para que as cinzas das nuvens e o inverno nuclear dos navegadores, engenhos de busca, redes sociais, e dispositivos móveis matem os tiranossauros, mas é um fato consumado,” diz McClure.
Em decorrência das mudanças trazidas pela Web, incluindo aí os recursos disponbilizados pela computação nas nuvens, estaríamos vivenciando um período de grandes oportunidades para se montar startups de internet de consumo focadas-em-receita com base num investimento de baixa magnitude (da ordem de 1 a 5 milhões de dólares) que: (i) atinja um certo nível de viabilidade comercial, (ii) adquira clientes usando canais de distribuição online (engenhos de busca, redes sociais, plataformas móveis), (iii) possa ser vendida mais tarde por algo na faixa de 25 a 250 milhões de dólares.
Tudo isso com base nos seguintes fundamentos: (1) os ciclos de desenvolvimento do produto seriam mais curtos, os recursos e o material necessários seriam gratuitos ou de baixo custo, os  equipes de desenvolvimento seriam menores, e os novos serviços de combinação com outros serviços já existentes que já propiciam excelente valor na nuvem através de features, dados, efeitos de rede, API’s; (2) os custos de marketing seriam menores devido à disponibilidade de canais de baixo custo e de alcance amplo, que podem ser usados de forma mais mensurável e previsível que anteriormente; (3) a receita poderia ser gerada de forma simples e contínua através de modelos de negócio diretos e métodos de pagamento online que se popularizam cada vez mais, comércio eletrônico transacional, bens digitais, cobrança de assinatura, publicidade mensurada por clique. O tripé formaria o que ele chama de “tração”.
Em suma, a receita de McClure assim se configura: “invista antes do encaixe produto/mercado, meça/teste para ver se a equipe está encontrando esse encaixe, e, em caso positive, exerça sua oportunidade de investimento de acompanhamento proporcional depois que eles tiverem conseguido obter o encaixe produto/mercado.”
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE