segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mídia Social para Eficiência e Inovação nas Organizações


Mídia Social para Eficiência e Inovação nas Organizações

E-mailImprimirPDF
Ferramenta inestimável para as organizações na busca pela eficiência em seus processos nas últimas cinco décadas, a tecnologia da informação parece aumentar ainda mais sua importância na medida em que deixa de ser apenas um mecanismo de otimização das eficiências internas para assumir um novo papel na criação de valor.  Ao oferecer uma plataforma de colaboração online sem a rigidez hierárquica normalmente associada a sistemas de informações corporativos, as tecnologias de mídia social (blogs, wikis, redes sociais) passam a propiciar caminhos para permitir uma verdadeira transformação organizacional e abrir espaço para a inovação sustentável no seio da organização.
A verdade, no entanto, é que muitos processos organizacionais são repetitivos e os sistemas ERP (“Enterprise Resource Planning”) são eficazes no apoio a tais processos, porém exceções críticas de ocorrência não desprezível demandam intervenção manual, brainstorming e colaboração. O manuseio de tais cenários não estruturados trazem custos e impacto negativo na satisfação do cliente que suplantam a conveniência dos ERP’s enquanto processos “fechados”. A realidade do dia a dia é que clientes, empregados e parceiros frequentemente precisam de ajuda com conteúdo crítico, exigindo acesso a pessoas, dados e conhecimento inacessíveis conforme a estrutura dos ERP’s. Entender como orquestrar maior valor e flexibilidade a partir de uma combinação de aplicativos corporativos de grande porte com processos e tecnologias mais ágeis da abordagem “Enterprise 2.0” para dar suporte a funções críticas de negócios é um grande desafio para lideranças corporativas.
O papel do chamado “diretor de informações” (em inglês “chief information officer”, CIO) é hoje considerado de suma importância na formulação dos objetivos estratégicos de uma organização, e esse foi o tom do “MIT Sloan CIO Symposium”, uma conferência anual que acontece há sete anos e que este ano foi realizada em 18 de Maio último no campus do Massachussetts Institute of Technology com o tema “Top Line Growth and Bottom Line Results: Driving Business Value Through CIO Leadership, Innovation and Collaboration”. CIO’s e outros executivos de diversas partes do mundo estiveram reunidos para explorar como a pesquisa acadêmica de ponta e as tecnologias mais recentes podem contribuir para o enfrentamento dos desafios decorrentes da atual situação da economia mundial. Saindo de uma típica discussão tecno-cêntrica, o encontro deste ano se propôs a explorar novas formas de utilização da tecnologia da informação para estimular a inovação.
Praticamente todas as principais questões identificadas no programa do simpósio se referem ao papel do CIO como responsável pela criação de um espaço propício à inovação, entre elas: (1) que tecnologias melhor se alinham com os novos modelos de negócios? (2) qual é o papel do CIO no desencadear da transformação, e de que forma a estrutura da organização pode dar suporte à infraestrutura de tecnologia ou vice-versa? (3) que tipo de cultura organizacional ou de negócios está madura para a inovação, e qual é o problema real que a tecnologia resolve de modo a aumentar a produtividade e lucratividade? (4) quais são os impactos organizacionais e os benefícios quando as restrições sobre a computação são eliminadas? (5) quais são as implicações econômicas e de negócios quando aos empregados se dá poderes com mais capacidades de modo que eles possam realizar tarefas de computação de larga-escala sem a estrutura da plataforma corporativa tradicional? (6) com as flutuações econômicas, qual é a estratégia de TI apropriada e eficaz (virtualização, computação nas nuvens, ou “nuvem híbrida”)? (7) que sinergias ou conflitos estão associados a inovações privadas versus públicas?
Dentre os diversos painéis organizados em torno dos temas, um deles se destaca pela referência às tecnologias da internet interativa: “Enterprise 3.0”, moderado por Andrew McAfee, autor do livro “Enterprise 2.0: New Collaborative Tools for Your Organization's Toughest Challenges” (Harvard Business School Press, Nov 2009), que defende que as principais organizações já estão incorporando as novas ferramentas e filosofias da internet interativa (“Web 2.0”), criando o que ele chamou de “Enterprise 2.0”. Como escreve Russell Garland em artigo no Wall Street Journal (“The Game Is Afoot For Enterprise 2.0 - Or Is It Enterprise 3.0?”, 20/05/10), as tecnologias das chamadas mídias sociais de fato continuam a fluir para as organizações, mas é difícil avaliar o quão rapidamente.
Em sua descrição do painel, McAfee afirma que mais de 80 por cento das empresas que integram a lista das “Fortune 500” relatam estarem em meio ao processo de adotar os conceitos da Enterprise 2.0, incluindo redes sociais, novos fluxos de trabalho projetados para alinhar as comunicações com clientes, empregados e parceiros, além da integração de comunicações multicanais. “À medida em que esses níveis de atividade e o volume de dados gerados aumentam, o mesmo ocorre com a capacidade da organização de associar, adquirir e decifrar todas as informações para otimizar o desempenho. Para muitos CIO’s, a ‘Enterprise 3.0’, um sistema de gerenciamento efetivo do conhecimento, propicia novos serviços através de uma integração de dados mais eficaz.” No entanto, continua McAfee, essa nova abordagem também apresenta novos desafios, mais especificamente nas áreas de adoção de tecnologia de soluções e sua integração nas unidades de negócios existentes.
Parece haver consenso em torno da necessidade premente de “destravar” informações da empresa que podem levar a um ambiente mais criativo e mais produtivo. Por exemplo, Bob Brennan, CEO da Iron Mountain, diz que a mina de ouro muitas vezes está debaixo de uma massa incoerente de dados, e que permitir a mineração nessas enormes repositórios deve ser a prioridade número um. Apostando no tema da liberação de dados, o painel Enterprise 3.0 girou em torno do tema da “prospecção” desses gigantescos silos de dados de forma que os usuários de altos níveis hierárquicos pudessem ter acesso à informação e possivelmente fazer com que o pessoal de vendas e outros empregados também pudessem fazer uso dela. Segundo as palavras de Ralph Swick, diretor de operações da World Wide Web Consortium, o objetivo deve ser “tornar possível a invenção de coisas novas a fazer com esses dados”.
Ao que tudo indica, a lição que surge da internet interativa e dos softwares de mídia social, e que por isso veio a ser denominada “Enterprise 2.0”, mas que tende a perder a identificação própria pelo fato de acabar vindo a se tornar mainstream, não diz respeito apenas a ferramentas ou mesmo a domínios funcionais da interação. Trata-se essencialmente de um caminho para o melhor entendimento dos relacionamentos interpessoais e de trabalho nas organizações.

Ruy José Guerra Barreto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

terça-feira, 18 de maio de 2010

Tecnologia e Bem-Estar, Autonomia e Domínio


Tecnologia e Bem-Estar, Autonomia e Domínio

E-mailImprimirPDF
Difícil encontrar um aspecto da vida contemporânea que não seja afetado pela tecnologia. Em casa, no trabalho, nos cuidados com a saúde, no lazer, estamos constantemente rodeados por tecnologia. É natural que se imagine que a tecnologia tenha um impacto significativo sobre nosso bem-estar. Aliás, bem-estar tem se tornado um termo “quente” nos últimos tempos, seja no meio acadêmico, seja nos círculos da política. Desde o estabelecimento de uma revista científica dedicada aos estudos da felicidade (“Journal of Happiness Studies”, publicado desde 2000 pela Springer), até a defesa da intervenção de governos na promoção da felicidade dos cidadãos capitaneada pelo controvertido economista e cientista político britânico Richard Layard (autor de “Happiness: Lessons from a New Science”, Penguin, 2005) e repercutida em publicações como “Well-being: How to lead the good life and what government should do to help” (Organizado por Simon Griffiths e Richard Reeves, Julho 2009) da Social Market Foundation, são inúmeras as tentativas de se entender por que o sentimento de bem-estar das pessoas não tem aumentado na proporção do crescimento da riqueza e das oportunidades geradas pela sociedade moderna.
Levando-se em conta que a cada dia a sociedade aumenta sua dependência da tecnologia da informação, cabe perguntar o quanto essa tecnologia acrescenta ou decrementa ao sentimento de bem-estar nas pessoas. É surpreendente constatar que poucos esforços de pesquisa científica têm surgido sobre o tema que toca o papel da tecnologia da informação na influência sobre as pessoas no que tange à sensação de satisfação com a vida. Na verdade, invariavelmente as referências à tecnologia da informação são de natureza negativa, em geral sugerindo ser a causa principal do isolamento dos indivíduos. Ocorre também que a impressão geral é a de que a tecnologia dá mais peso a valores como eficiência, produtividade, sistematização e rapidez em detrimento a aspectos da qualidade de vida menos mensuráveis, porém cada vez mais valorosos, levando quase que necessariamente a uma redução na qualidade de vida.
Um relatório de recente pesquisa intitulado “The Information Dividend: Can IT make you ‘happier’?” (Maio 2010), produzido pela “BCS – The Chartered Institute for IT”, chega à conclusão de que a tecnologia da informação pode fazer as pessoas mais felizes. Num estudo realizado sobre massas de dados globais e sobre as respostas de mais de 35.000 questionários coletados em todo o mundo e analisados no “World Values Survey”, os autores concluem que a tecnologia da informação tem um impacto positivo sobre a satisfação com a vida mesmo quando se leva em conta a renda e outros fatores reconhecidamente importantes na determinação do bem-estar. Os resultados sugerem que a tecnologia da informação desempenha o papel de passar a sensação de que se tem mais poder sobre a própria vida, levando a um sentimento de maior liberdade, autonomia e controle e, consequentemente, maior satisfação. Segundo o relatório, se houvesse uma fórmula para expressar os resultados esta diria que o acréscimo no sentimento de liberdade e controle acarreta no aumento do bem-estar. “Daí, o impacto da tecnologia da informação tem, na verdade, mais chances de ser ainda maior que as correlações diretas sugerem.”
Como dividendo da informação, ao que tudo indica, a tecnologia da informação dá força aos sem-força. Ainda conforme o relatório da BCS, a maior parcela da melhora na satisfação com a vida que vem da tecnologia da informação flui para os menos privilegiados na sociedade. Os de baixa renda e com menos qualificações educacionais parecem se beneficiar mais do acesso à tecnologia da informação que os mais abastados e/ou mais educados.
Em “Technology and Psychological Well-being” (Cambridge University Press, Outubro 2009), coletânea de artigos científicos organizada por Yair Amichai-Hamburger, com “o objetivo de criar um entendimento abrangente do impacto da tecnologia no bem-estar assim como propiciar ferramentas para aprimorar o impacto positivo da tecnologia”, os autores se dedicam a analisar as principais questões em torno de temas fundamentais como comunicação, internet, medicina, transporte, gênero, fatores humanos, ambiente de trabalho.
No capítulo “Internet and well-being”, Yair Amichai-Hamburger e Azy Barak analisam o impacto da internet no bem-estar de seus usuários, destacando as características peculiares do ambiente da internet tais como maior anonimidade, diminuição da importância da aparência física, maior controle sobre o tempo, o local, e o ritmo das interações, assim como a facilidade de encontrar semelhantes e o impacto psicológico sobre os usuários. Objetivamente, aos autores interessa investigar a influência da internet nas diversas esferas da vida contemporânea. No nível pessoal, por exemplo, o papel da internet é avaliado como um veículo para revelar o “eu real” e o “verdadeiro eu mesmo”, ou seja, como um meio de reformatar as identidades individuais e subjetivas.
Em artigo publicado na revista New Scientist intitulado “Free yourself from oppression by technology” (27/12/09), Amichai-Hamburger começa questionando se estamos sendo servidos pelas maravilhas da tecnologia ou se delas nos tornamos escravos. Sob forma de conclusão, Amichai-Hamburger prescreve a teoria da auto-determinação desenvolvida pelos psicólogos Edward Deci e Richard Ryan da University of Rochester no estado de New York, que identifica elementos vitais de um desenvolvimento pessoal saudável a serem utilizados no que ele chama de recalibração de nosso relacionamento com a tecnologia. Autonomia, competência, relacionamento próximo e pensamento crítico se constituem nos pilares sobre os quais podemos estabelecer uma relação equilibrada com a tecnologia.
A bem da verdade, a autonomia e o sentimento de competência parecem fazer parte do que seriam os elementos básicos da motivação para o trabalho criativo. Em seu mais recente livro “Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us” (Riverhead Hardcover, Dezembro 2009), Daniel Pink argumenta que, nas empresas e nos negócios, é preciso reavaliar os modelos tradicionais de incentivo, e que experimentos científicos relevantes confirmam que, num certo nível, o incentivo monetário tende a dar o efeito contrário: quando uma tarefa envolve qualquer coisa além da habilidade puramente mecânica, incentivar um melhor desempenho na verdade produz resultados piores. Segundo Pink, isso se deve ao fato de que nós humanos somos biologicamente ligados a fatores específicos que podem nos ajudar a sermos mais produtivos: autonomia, domínio e propósito.
Autonomia seria nosso desejo de conduzir nossas vidas na direção que desejamos, ao invés de recebermos ordens sobre o que fazer ou para onde ir. “Quando escolhemos realizar tarefas por nossa conta, nossa capacidade de completá-las de uma maneira eficiente e hábil dispara.”
Domínio diria respeito ao ímpeto que temos para aprender coisas novas e dominar novas habilidades. Para algumas pessoas, tocar um instrumento musical no final de semana, enquanto que para outras contribuir para projetos de software de código aberto, tudo isso diz respeito à busca por satisfação pela capacidade de vencer um desafio com domínio.
Propósito seria nossa busca por sentir que o que fazemos vale a pena, nos levando ao topo da pirâmide de Maslow: auto-estima e auto-realização.
Com efeito, além das necessidades básicas, o que parece nos motivar é a capacidade de crescer e evoluir, atingir todo nosso potencial. Casos célebres como o regime de “20 por cento do tempo” adotado pela Google (já utilizado pela 3M nos anos 1950’s na versão “15 por cento”), no qual o funcionário trabalha em projetos de sua própria escolha durante um dia inteiro por semana (e que deu resultados como Gmail, Google Maps, Google News, Google Earth), e o esquema “Results Only Work Environment” da rede Best Buy no qual os empregados podem trabalhar sem horário fixo e da forma que escolherem desde que atinjam as metas especificadas, parecem corroborar o potencial da abordagem preconizada por Pink.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)
Investimentos e Notícias (São Paulo), 18/05/2010, 00:27hs, 

terça-feira, 11 de maio de 2010

Patentes como Instrumento de Guerra aos Rivais e o Caso do Software


Patentes como Instrumento de Guerra aos Rivais e o Caso do Software

E-mailImprimirPDF
Instrumentos legais de garantia de exclusividade de exploração comercial por um período fixo concedido pelo poder público ao seu inventor em troca da disponibilização pública das características da invenção, patentes têm sido utilizadas sobretudo como instrumento de guerra em setores de alta competitividade como o mercado de software para smartphones. Veja-se, por exemplo, a disputa recente entre a Apple e a Google, bem como entre a Apple e a Nokia. Preocupada com o avanço do sistema operacional Android da Google para smartphones, que, segundo alguns analistas, deverá crescer mais que qualquer outro nos próximos cinco anos e chegar à segunda posição no mercado, a Apple entrou com uma queixa de violação de patentes contra a HTC, fabricante de modelos do chamado Google Phone. Paralelamente, Apple e Nokia se acusam mutuamente de violação de patentes, dando início a uma guerra judicial cujo objetivo principal parece muito menos a busca por receita de indenização e muito mais a mera disputa por um mercado ainda em franca expansão.
Com efeito, tal qual escreveu Larry Downes em seu livro “The Laws of Disruption” (Basic Books, Out 2009), o litígio por patente tem “evoluído” de ser um ultimo recurso na proteção de tecnologia proprietária para se constituir no primeiro passo nas difíceis e prolongadas negociações entre competidores industriais sobre como dividir um bolo de mercado que cresce de forma galopante. O processo funciona da seguinte forma: cada um dos protagonistas inunda o órgão de concessão de patentes com solicitações formuladas de modo o mais amplo possível, fazendo com que os sobrecarregados avaliadores – já pressionados para responder rapidamente – acabem concedendo uma grande quantidade de patentes altamente generosas e que não atendem aos requisitos legais para proteção. A julgar pela história recente, em muitos desses casos as patentes acabam sendo de fato demasiado abrangentes e raramente sobrevivem aos tribunais. Não raro, o objetivo dos litigantes não é ir até as últimas conseqüências, mas sim obter as chamadas licenças cruzadas que, no final das contas, acabam impedindo que novos competidores entrem no mercado. Em artigo recente no New York Times (“An Explosion of Mobile Patent Lawsuits”, 04/03/10), Nick Bilton mostra que praticamente todos os grandes protagonistas da indústria da telefonia celular — com exceção de Microsoft, Palm e, até então, Google — têm se envolvido recentemente com algum tipo de disputa de patente relativa a tecnologias da telefonia móvel.
Curiosamente, o conceito de patente (etimologicamente originado da palavra “patere” que em latim significa “abrir ao escrutínio público”) que surge exatamente para incentivar a revelação pública de invenções ao garantir exclusividade de exploração ao inventor, parece estar se tornando uma ferramenta de impedimento da inovação. A rigor, seriam quatro os incentivos econômicos inerentes a um sistema de patentes: inventar primeiramente; revelar a invenção; investir os montantes necessários à experimentação, à produção e a comercialização da invenção; repensar e melhorar patentes anteriores. Não obstante, o sistema de patentes tem sido alvo de críticas por conferir uma espécie de direito negativo a um detentor de uma patente na medida em que lhe dá o poder de excluir competidores do uso e da exploração da invenção, ainda que o competidor posteriormente venha a desenvolver a mesma invenção independentemente. E isso pode acontecer após a data da invenção, ou depois da data de prioridade, dependendo da lei específica.
Com vistas a investigar as possíveis razões para o uso do sistema de patentes por parte de empresas do setor de tecnologia fundadas a partir de 1998, um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley analisou um levantamento de grande alcance intitulado “2008 Berkeley Patent Survey” contabilizando as respostas de 1.332 startups. Reportados no artigo científico “High Technology Entrepreneurs and the Patent System: Results of the 2008 Berkeley Patent Survey” (por S.J.H. Graham, R.P. Merges, P. Samuelson, e T.M. Sichelman), publicado no Berkeley Technology Law Journal (Vol. 24:4, pp. 1255-1327), os resultados mostraram que os empreendedores têm razões as mais variadas e sutis para usar o sistema de patentes, muitas das quais divergem da teoria tradicional que diz que patentes propiciam um “incentivo a inventar”.
Surpreendentemente, segundo os autores, os executivos de startups declaram que as patentes geralmente propiciam incentivos relativamente frágeis para se conduzir atividades inovadoras. Por outro lado, enquanto que uma parcela substancial de empresas jovens não detêm patentes, o levantamento constatou que a posse de patentes é mais generalizada do que se tem noticiado, com padrões e motivos de patenteamento sendo altamente específicos do contexto, da tecnologia e do setor da indústria. “Quando empresas no estágio inicial patenteiam algo, elas frequentemente estão buscando vantagem competitiva e os objetivos associados de evitar a cópia da tecnologia, assegurar financiamento, e melhorar a reputação,” afirmam os autores.
Diferenças significativas foram encontradas entre os setores relacionados à saúde (biotecnologia e dispositivos médicos), nos quais as patentes são mais comumente utilizadas e consideradas importantes, e os setores de software e de internet, nos quais as patentes foram declaradas menos úteis. As startups com financiamento do chamado “venture capital” detêm mais patentes independentemente do setor, embora, ao contrário do que ocorre com empresas de software, as empresas de hardware financiadas com capital de ventura demonstram um padrão de patenteamento mais semelhante ao das empresas do setor de saúde. Ainda segundo os autores do relatório, ao escolher não patentear as principais inovações, as startups alegam considerações de custo, e relatam custos bem mais altos de obtenção de patentes do que se tem noticiado na literatura.
É de se destacar o fato de que para empresas de software e de internet, as patentes têm uma função muito menos importante dentre quase todas as atividades empreendedoras pesquisadas no relatório de Berkeley. Por exemplo, cerca de 75% das startups de software e de internet declararam que não detêm patentes e sequer submeteram solicitações de registro de patentes, enquanto que apenas 25% das startups do setor de biotecnologia e de dispositivos médicos disseram a mesma coisa. Além do mais, startups de software e de internet disseram ter buscado obter patentes cinco vezes menos frequentemente que startups de hardware.
A atitude predominante perante o sistema de patentes é bem diferente no setor de software e de internet, algo confirmado, por exemplo em relatório recente da PriceWaterhouseCoopers (“2009 Patent Litigation Study. A closer look: Patent litigation trends and the increasing impact of nonpracticing entities”, Ago 2009): empresas de software e de telecomunicações consideram bemvindas as mudanças na lei atual de patentes, diferentemente das empresas do setor farmacêutico que preferem o status quo.
Em tom bem mais radical, há os que questionam a própria adequação do conceito de patente ao software. Segundo Brad Feld, co-fundador da Mobius Venture Capital, patentes de software são: (a) construtos inválidos, (b) totalmente desnecessárias, e (c) um enorme imposto e um grande retardador sobre a inovação. Em artigo em seu blog (“Software Patent Absurdity”, 06/05/10), Feld recomenda um documentário dirigido por Luca Lucarini, lançado em 10/04/10, com apoio da Free Software Foundation, intitulado “Patent Absurdity”.  O filme explora o caso das patentes de software e a história do ativismo judicial que levou ao seu surgimento, assim como os prejuízos trazidos aos desenvolvedores de software e à economia como um todo. Associada ao filme há uma wiki que justifica: “Software é diferente sob vários aspectos dos campos tradicionalmente patenteáveis da engenharia tais como a fabricação de carros ou de farmacêuticos. Por outro lado, é semelhante aos campos inovadores tais como literatura, filme e moda.”
Embora controverso, não parece facilmente refutável o argumento de que software não é patenteável porque trata-se essencialmente de um artefato matemático, i.e. um algoritmo, daí resultante de uma “descoberta” e não de uma “invenção”.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)