segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A Escalabilidade do Capital de Empreendimento

A Escalabilidade do Capital de Empreendimento

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25 de janeiro de 2010 - Os recentes números negativos da indústria do capital de empreendimento (em inglês, “venture capital”, cuja tradução poderia também ser “capital de ventura”) divulgados semana passada pela National Venture Capital Association, reacenderam o debate em torno da escalabilidade dessa classe de ativos que tanto contribuiu para a revolução tecnológica capitaneada por ícones da tecnologia da informação tais como Google, Apple, Microsoft, Cisco, Intel , Oracle e tantas outras que nasceram de “start-ups” disruptivas. (Em tempo, disrupção é o processo de mudança tecnológica com boa dose de radicalismo, normalmente conjugada com o estabelescimento de um novo paradigma. Segundo o Houaiss, disrupção é a “interrupção do curso normal de um processo”.) Em 2009 o total de investimentos provenientes de capitalistas de empreendimento (conhecidos no meio como “VC”s, abreviação de “venture capitalists”) foi o mais baixo desde 1997: US$17,7 bilhões em 2.795 start-ups — 37% menos dinheiro e 30% menos negócios que em 2008. As empresas de internet, que empolgaram os investidores por mais de uma década, sofreram uma grande perda na medida em que o investimento decresceu em 39%. A grande e notável exceção foi a Twitter, que, tendo levantado US$100 milhões em investimentos em 2009, foi a única a figurar entre os 10 maiores negócios do ano passado.

Considerado o combustível das grandes inovações tecnológicas, o capital de ventura reúne características um tanto peculiares enquanto classe de ativos: alto risco, alto retorno, longo prazo (tipicamente, 10 anos), baseado em equity, iliquidez, e envolvimento direto do investidor no empreendimento invariavelmente como sócio minoritário. De acordo com um estudo de 2009 da Global Insight, empresas apoiadas por capital de ventura eram responsáveis por 12,1 milhões de empregos e US$2,9 trilhões em receita nos EUA em 2008. No Brasil, casos de sucesso incluem a Gol Linhas Aéreas, a Submarino e a UOL, segundo a Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity (ABVCAP).

Uma empresa de investimento em capital de ventura trabalha no sentido de levantar dinheiro de companhias de seguro, entidades educacionais, fundos de pensão, e indivíduos abastados. Normalmente uma das classes de ativos que constituem o portfólio de investimentos de uma dessas organizações é chamada de “Investimentos Alternativos”, que em geral perfazem 5% a 10% do portfólio. O investidor espera que o retorno nessa classe de ativos seja alto, muito embora o risco também seja elevado. Os fundos de capital de ventura são formados a partir de parceiros de dois tipos: (1) parceiros gerais (“general partners”, GP), com quem normalmente o empreendedor interage até por falar a sua língua em razão de, em geral, terem sido também empreendedores; e (2) parceiros limitados (“limited partners”, LP), aí incluídos os fundos de pensão, investidores institucionais, companhias de seguros, e os indivíduos abastados. Os GP’s usam a figura do “Memorandum de Oferta” para formar o fundo de um certo tamanho a partir dos LP’s convencendo-os de que dispõem de uma estratégia vencedora e da expertise necessária para levar o investimento a bom termo. São os GP’s que têm o papel de identificar as oportunidades e tomar as decisões necessárias. O retorno no investimento se dá em decorrência de: (i) uma aquisição do empreendimento por uma empresa maior, ou (ii) a transformação do empreendimento numa empresa de capital aberto através de uma oferta pública inicial (“Initial Public Offering”, IPO). Aos GP’s o empreendedor se compromete a pagar uma taxa de administração, tipicamente 2% do capital investido. Além disso, o retorno no investimento é dividido entre os LP’s e os GP’s, tipicamente da seguinte forma: LP’s recebem 99% dos retornos e os GP’s/VC’s recebem 1% até que os LP’s recebam de volta os 100% de seu capital (acrescido, em alguns casos, de juros), e a partir de então os retornos são divididos na proporção de 80% para os LP’s e 20% para os GP’s/VC’s. Esses 20% dos GP’s são os chamados “juros portados” (“carried interests”).

Para muitos especialistas, mais notadamente Fred Wilson, possivelmente o mais influente blogueiro e VC na atualidade, a redução no volume de investimentos observada em 2009 é muito bem-vinda até para a própria sobrevivência do setor. Em matéria publicada em seu blog AVC.com (“The Venture Diet is Working”, 22/01/09), Wilson considera que, apesar de negativos, os indicadores são saudáveis, e justifica remetendo o leitor a uma outra matéria que publicou em Abril de 2009 (“Venture Capital Math Problem”) na qual discorria sobre a matemática da viabilidade da indústria do capital de empreendimento. Naquela ocasião Wilson se mostrava otimista quanto à recuperação de uma indústria que muitos declaravam fadada a desaparecer, pois acreditava que uma redução no seu tamanho seria além de saudável, vital para o setor. “Em um mercado livre e aberto, o capital fluirá para onde possa obter um retorno apropriado. Suspeito que veremos alguns dos fundos de pensão que têm sido atraídos para o capital de empreendimento na última década decidir abandonar a classe de ativos porque ela não é escalável aos níveis dos quais necessitam para investir eficientemente o capital. Deixarão a classe de ativos para os escritórios de família, endowments educacionais (usualmente ativos financeiros associados ao patrimônio de universidades privadas), e outras instituições menores que constituíam a maior parte da classe de ativos nos anos 1980’s e início dos 1990’s.”

Dentre as reações às matérias de Wilson, algumas chamam à atenção pelo caráter de testemunho. Em uma delas, um empreendedor revela que na época anterior ao estouro da bolha das empresas ponto-com havia dinheiro em demasia, e o que se viu foi o surgimento de muitos empreendimentos de baixa qualidade ou sem sustentabilidade. E a definição de “empreendedor” acabou rebaixada a “pessoa atrás de dinheiro”, pois, de repente, todo mundo, não apenas os verdadeiros inovadores, se apresentava como empreendedor. (Para se ter uma idéia da abundância, somente no primeiro trimestre de 2000, pouco antes da bolha estourar, foram investidos mais de US$27 bilhões em 2.127 negócios, perfazendo um total superior a US$100 bilhões em mais de 9 mil negócios no ano de 2000.) Ao que tudo indica, idéias são alimentadas pela capacidade de atrair o interesse de VC’s, ao invés de sustentabilidade. Daí o papel fundamental do VC de saber separar o joio do trigo e ser capaz de dar retornos competitivos a seus LP’s, pois somente assim a própria indústria de capital de ventura segue sustentável. Isso leva alguns especialistas a afirmarem que a indústria do capital de ventura não é escalável devido à escassez de bons VC’s. Dada sua íntima relação com o fenômeno das start-up’s, há quem se pergunte se nesse caso o próprio empreendorismo também não seria escalável. A esse questionamento Wilson reage dizendo que acredita que o capital de ventura institucional não é escalável, mas que o empreendedorismo em si o é, assim como outras fontes de financiamento como anjos, família e amigos, e empréstimos a pequenas empresas, pois podem propiciar bem mais capital para uma start-up exigindo bem menos retorno agregado.

Nesse sentido, há quem questione a validade do emprego de dinheiro público para o desenvolvimento de esforços para o estímulo ao empreendedorismo, ao estabelecimento de incubadoras de start-up’s associadas a universidades, à construção de um ecossistema de inovação tecnológica. Obviamente, é preciso distinguir o empreendedorismo no estilo start-up, de quem se espera inovação tecnológica, possivelmente disruptiva, do empreendedorismo da pequena empresa em geral. O primeiro não parece dispor de características de escalabilidade.

À busca por razões para a não escalabilidade do capital de ventura, alguns especialistas americanos se perguntam se não haveria uma bolha de start-up’s que não esteja em torno de financiamento de VC’s ou de IPO’s, mas sim num enorme acréscimo no número de pessoas estimuladas a se aventurar numa start-up, quando na verdade não têm o perfil para tal. Segundo Wilson, há bastante capital de ventura nos EUA, e talvez fosse a hora de se exportar o excesso a países que poderiam dar um retorno fenomenal, e de se discutir como financiar mais inovação em outras partes do mundo. Há quem trace uma analogia um tanto cruel: em alguns países ocidentais tais como os EUA há comida demais, e, por decorrência, diversos problemas associados à obesidade. Por outro lado, há países com fome.

Considerando a posição privilegiada de países como Índia e China no quesito investimento de capital de ventura, quem sabe não está na hora de incluir o Brasil nesse rol? Que há indícios de que sim, há. Mesmo que ainda tímidos.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 25/01/2009, 14:26hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/a-escalabilidade-do-capital-de-empreendimento.html


segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Jogos Epistêmicos e a Educação para Criatividade e Inovação

Jogos Epistêmicos e a Educação para Criatividade e Inovação

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4 de janeiro de 2010 - Muitas são as transformações sociais e econômicas provocadas pelos recentes avanços tecnológicos sobretudo na área da tecnologia da informação e das comunicações. O que dizer da educação e do aprendizado, cujos princípios básicos foram concebidos no seio da chamada era industrial, considerando as demandas atuais da chamada sociedade da informação e do conhecimento? Já em 2005, num relatório publicado no portal do ERIC (“Education Resources Information Center”, uma biblioteca digital online de pesquisa em educação mantida pelo Instituto de Ciências da Educação do Departmento de Educação dos EUA), David Williamson Shaffer e James Paul Gee argumentam que a juventude americana de hoje, ao invés de receber educação para o pensamento criativo e inovador, ainda está sendo preparada para os chamados “trabalhos de commodity” em um mundo que, muito em breve, premiará apenas aqueles que consigam produzir trabalho inovador, punindo aqueles que não tenham condições de fazê-lo.


O contraste aqui é entre o “trabalho de commodity” e o “trabalho inovador”. Uma “commodity”, termo em inglês usado como referência aos produtos de base em estado bruto (matérias-primas) ou com baixo grau de industrialização, de qualidade quase uniforme, produzidos em grandes quantidades e por diferentes produtores, é um produto ou serviço padronizado disponível a uma audiência de massa a um preço razoável. O chamado “velho capitalismo”— capitalismo da indústria, da manufatura, das linhas de montagem, das grandes corporações, do mundo pós-Segunda Guerra, e que foi bem sucedido na geração de uma enorme classe média nos EUA—foi construído com base na produção e venda de commodities. “No entanto, num mundo onde a ciência e a tecnologia necessárias para produzir commodities eficientemente se espalhou por todo o globo terrestre, a competição para gerar riqueza através de commodities é feroz como nunca,” afirmam Shaffer & Gee. O resultado de tudo isso é que o trabalho de geração de riqueza através da produção de commodities tem se deslocado para os centros de produção de baixo custo, onde há a disponibilidade de trabalhadores dispostos a receber baixos salários.

Segundo o relatório, intitulado “Before Every Child Is Left Behind: How Epistemic Games Can Solve the Coming Crisis in Education” (“Antes Que Toda Criança Seja Deixada Para Trás: Como Jogos Epistêmicos Podem Resolver A Crise Emergente na Educação”), o problema está sendo exacerbado pelo que os autores chamam de novo hiato de desigualdade social, no qual alguns estudantes têm acesso em casa a tecnologias das quais necessitam para se prepararem para a vida num mundo digital, porém muitos não têm. (O título do artigo faz referência à lei americana de reforma educacional “No Child Left Behind Act” de 2001, originalmente proposta pelo governo de George W. Bush, mas que recebeu apoio de ambos os partidos e foi capitaneada pelo democrata Ted Kennedy.) O problema é agravado ainda mais em decorrência das políticas educacionais em vigor nos EUA que se concentram em dar aos alunos habilidades padronizadas para que possam ser bem sucedidos em testes padronizados, ao invés de uma preparação para o pensamento criativo e o trabalho inovador. Conforme Shaffer & Gee, é preciso ir além da dicotomia “liberal versus conservador”, aqui caracterizada pela educação construtivista versus a educação tradicional. A boa notícia é que as mesmas tecnologias que têm propiciado essa crise na educação têm o potencial para nos levar a uma solução, e o veículo proposto pelos autores são os chamados “jogos epistêmicos”.

Segundo o portal “Epistemic Games”, jogos epistêmicos são videogames que ajudam os jogadores a aprender as formas de pensar, isto é, as epistemologias, da era digital: pensar como engenheiros, urbanistas, journalistas, advogados, ou outros profissionais inovadores. A idéia é que os jogadores têm a chance de ver como é viver no mundo dos adultos, ganhando a oportunidade de imaginar o que poderia vir a ser algum dia. Na relação de projetos do grupo de pesquisas sob a coordenação de Shaffer destacam-se: (i) Digital Zoo, onde jogadores se tornam engenheiros biomecânicos; (ii) Urban Science, no qual jogadores se engajam nas práticas profissionais do planejamento urbano e aprendem como se tornarem pensadores ecológicos; (iii) Journalism.net, onde o jogador se torna repórter para uma revista online; (iv) The Pandora Project, onde os jogadores agem como negociadores poderosos, decidindo o destino de uma controvérsia médica real concernente à ética de transplantar órgãos de animais para humanos, aprendendo no processo questões fundamentais sobre biologia, relações internacionais, e mediação.

Em sua apresentação no “Eduverse Symposium 3” realizado em Amsterdam em Setembro de 2008, Shaffer argumenta que “jogos criam mundos” e que “um jogo é sempre uma cultura”. Com efeito, é cada vez maior a relação de exemplos de videogames bem sucedidos, tanto de crítica quanto de público, que de fato permitem a criação de mundos e de uma cultura específica: Spore (lançado em 2008 pela Electronic Arts, permite que o jogador controle o desenvolvimento de uma espécie por ele criada desde suas origens como um organismo microscópico, passando por sua socialização, chegando até sua possível exploração interestelar), Zoo Tycoon (liberado em 2004 pela Blue Fang Games, tem como objetivo criar um zoológico virtual bem sucedido com todos os aspectos definidos pelo jogador, desde os animais até a administração ambiental e financeira do empreendimento), FarmVille (lançado em Junho de 2009 pela Zynga, nele o jogador tem que administrar uma fazenda, cultivando a terra e criando animais, de modo a fazer o empreendimento crescer e ser autossustentável) .

A idéia é que, enquanto que para participar de uma determinada cultura é preciso ser detentor de um certo conhecimento, de algumas habilidades, e de certos valores, cada membro precisa compartilhar a epistemologia daquela cultura. E essa epistemologia inclui a forma pela qual decisões são tomadas e ações são justificadas. Daí os jogos desenvolvidos sob tal rationale receberem a denominação de jogos epistêmicos de forma a diferenciá-los de outros jogos educacionais. Em poucas palavras, jogos epistêmicos se caracterizam por ensinar um certo método de pensar, juntamente com a própria reflexão sobre os resultados de se pensar daquela maneira. Ao mesmo tempo que permitem que o jogador manipule criativamente um mundo virtual, esses jogos têm a virtude de estimular a criatividade e a inovação, habilidades fundamentais no mundo competitivo da economia global.

O que ocorre, segundo Shaffer & Gee, é que num mundo centrado em torno da mídia e do entretenimento como é o mundo de hoje, a inovação não se dá apenas em ciência e tecnologia, mas também em arte, psicologia, e comunicações. E aí a inovação ultrapassa as fronteiras das disciplinas tradicionais do aprendizado escolar, e os postos de trabalho do futuro serão em áreas como projeto gráfico onde a ciência e a arte se encontram. Os fundamentos para a inovação têm que ser plantados desde o início. Dominar linguagens técnicas complexas (como a linguagem da química ou do desenho gráfico), sistemas simbólicos complexos (como, por exemplo, da matemática não-linear), e práticas complexas (tais como a engenharia de locais de trabalho ou ecossistemas) deveria começar bem antes da universidade, possivelmente no ensino fundamental.
No capítulo introdutório de seu livro “How Computer Games Help Children Learn” (“Como Jogos de Computador Ajudam Crianças a Aprender”, Palgrave Macmillan, Janeiro 2008) Shaffer & Gee lembram que em 1980 o professor do MIT Seymour Papert publicou seu bestseller e revolucionário “Mindstorms” no qual argumentava que o computador poderia ser usado para ajudar a criança a aprender fazendo coisas estimulantes, de algum significado algo para ela, e por caminhos diferentes. Hoje, três décadas depois, o computador pode ser uma ferramenta fundamental no aprendizado do pensamento criativo e inovador.

Há que se caminhar com cautela, naturalmente, mas é inegável que o videogame tem a capacidade de envolver a criança, e isso pode ser usado em favor do aprendizado. Vale lembrar um provérbio chinês antigo, atribuído a Confúcio (500 a.C.): “Diga-me e eu esqueço. Mostre-me e eu me lembro. Envolva-me e eu entendo.”

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 04/01/2010, 08:11hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/jogos-epistemicos-e-a-educacao-para-criatividade-e-inovacao.html

Blog de Jamildo, (Jornal do Commercio Online) (Recife), 04/01/2010, 16:45hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2010/01/04/jogos_epistemicos_e_a_educacao_para_criatividade_e_inovacao_60939.php