segunda-feira, 12 de julho de 2010

Assistentes Pessoais Virtuais e o Infomediário


Assistentes Pessoais Virtuais e o Infomediário

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E se imaginássemos a internet como um oráculo com o qual nossa interação fosse verbal e interativa tal qual com outro ser humano? É inegável que à medida que os sistemas computacionais crescem em complexidade e em acesso a mais e mais recursos, tanto locais quanto distribuídos, aumenta a oferta de serviços para os quais o modelo tradicional de interação “clique-e-execute” não mais se apresenta como o mais adequado. A tendência é que aplicativos complexos se comportem como assistentes pessoais aos quais não apenas consultas são submetidas, mas também tarefas são delegadas. Por exemplo, quando se deseja buscar na internet por um restaurante, ao invés de navegar por diversos sítios retornados por um engenho de busca, um comando de voz no estilo “reserve uma mesa para dois às 22hs no restaurante japonês mais próximo” poderia ser submetido ao assistente pessoal. A resposta viria com o nome e o endereço do estabelecimento juntamente com a confirmação da reserva, ou sob forma de uma pergunta do tipo “dado que o mais próximo está indisponível, serve esse outro aqui?”. A bem da verdade, uma ampla classe de problemas demandam as aptidões de um assistente inteligente, um software que pode se comunicar com humanos, entender a situação mapeando os dados à sua disposição num modelo, agir para produzir comportamento útil, e interagir através da produção apropriada de conteúdo comunicante.
Descrito em 1987 pelo então CEO da Apple, John Sculley, em seu livro “Odissey” (em co-autoria com John A. Byrne, e publicado pela Harpercollins), o “Knowledge Navigator” é um conceito de dispositivo futurista que pode acessar um enorme repositório de dados sob forma de hipertexto em rede, e usa agentes de software para assistir na busca por informações bem como na realização de tarefas. À época a Apple produziu alguns videoclips demonstrando a idéia, todos eles exibindo um computador no estilo “tablet” e com diversas aptidões avançadas incluindo excelente compreensão e síntese da fala, além de uma interface por multi-toque.
Trata-se do precursor do conceito de assistente virtual que começam a aparecer como uma realidade dos dias de hoje.
Os chamados “Assistentes Pessoais Virtuais” (em inglês, “Virtual Personal Assistants”, abrev. VPA) representam o paradigma de interação da próxima geração para a internet. No paradigma atual, seguimos os apontadores produzidos pelos engenhos de busca. Com um VPA, no entanto, interagimos sob forma de uma conversação. Emitimos uma solicitação verbal ao assistente, e este se encarrega de empregar os serviços necessários para a realização da tarefa. Além do mais, tal qual um verdadeiro assistente, um VPA é pessoal, e portanto utiliza as informações sobre as preferências, a localização e a história de interação do usuário para levar a bom termo a solicitação recebida, acumulando conhecimento ao longo do processo.
Lançado no início de 2010 e recentemente adquirido pela Apple, o Siri, que produz o aplicativo de mesmo nome para o iPhone, é o que se pode chamar de “engenho do fazer”, ao invés de “engenho de busca”. Ao processar sua solicitação verbal disparando requisições aos melhores serviços disponíveis na internet por meio de API’s (“Application Programming Interface”), de modo a cumprir o papel de assistente da melhor forma possível, o VPA se vale de um núcleo de tecnologia de inteligência artificial que tem tudo para produzir um enorme impacto no futuro da internet. Constituído de três componentes essenciais para o bom desempenho de assistente pessoal virtual (uma interface conversacional, um módulo de consciência do contexto pessoal, e um agente de delegação de serviços), o Siri permite a conversação bidirecional através da fala, de palavras e frases digitadas, e de uma interface gráfica. Verdadeiramente impressionante é seu conjunto (patenteado) de algoritmos de delegação de serviços: combina diversos atributos sobre cada provedor de serviços, incluindo escores de qualidade, classificações refinadas para aptidões específicas, medidas de velocidade, bem como limitações geográficas, com vistas a planejar e executar uma estratégia ótima para lidar com a solicitação do usuário.
Concebido como um subproduto do projeto CALO (“Cognitive Assistant that Learns and Organizes”) realizado pelo SRI International, com financiamento da Agência DARPA do Ministério da Defesa dos EUA, e considerado como o maior esforço de pesquisa em Inteligência artificial da história do país, o Siri tem sido citado como uma das indicações dos rumos da busca na internet: o desafio de criar um assistente digital eficaz e verdadeiramente útil na medida em que é capaz de entender exatamente o que o usuário deseja, e exigindo o mínimo de esforço de comunicação da parte do usuário.
É fato que há uma relação direta entre simplicidade e o engajamento do usuário na internet. Menos cliques significa mais usuários. Quando combinados com ferramentas cada vez mais acessíveis como smartphones, os chamados “assistentes virtuais” deverão levar a interação com o usuário em direção a um comércio eletrônico, um consumo, e um modelo de colaboração com bem mais fluidez. Mais cedo do que imaginamos, vamos poder pegar o telefone e começar a pedir ao assistente virtual coisas como “me leve ao portal da Globo.com”, “mande um exemplar do último livro de Stephenie Meyer para minha sobrinha”, “avise a Paulo que vou chegar 20 minutos atrasado”, e assistiremos a isso tudo acontecer. O fato é que à medida que a interação fica mais fácil e natural, diminuem as barreiras para a utilização do aparelho celular para realizar tarefas complexas. Além do mais, a conectividade e a velocidade de transmissão de dados das redes de telefonia móvel deverão possibilitar ao aparelho celular repassar as tarefas que requerem maior inteligência e maior poder computacional a servidores remotamente localizados, sem prejudicar a viabilidade da resposta ao usuário em tempo hábil.
Levando-se em consideração que o aparelho celular tende a estar sempre em nosso poder, a combinação de simplicidade, oportunidade de impulso, contexto, e preferência deverá dar origem à mais explosiva oportunidade de mercado em décadas. E nesse mercado praticamente todos se beneficiarão: se por um lado os usuários clicam menos pois a comunicação oral prevalece, levando a uma interação de melhor qualidade, por outro lado, os provedores de serviços são mais solicitados e processam mais transações.
Por outro lado, ao cidadão resta saber se vale a pena deixar que o assistente pessoal virtual saiba tanto sobre si a ponto de atingir o máximo de eficácia com o mínimo de esforço de comunicação. Afinal de contas, permitir um grau de intimidade com qualquer assistente, ainda que digital, deverá demandar do cidadão a entrega de uma tremenda quantidade de informações pessoais, o que traz à tona a questão da confiança. A quem deveríamos confiar informações sensíveis sobre nós mesmos?
Em seu livro “Net Worth” (Harvard Business Press, 1999) John Hagel III e Marc Singer introduzem o conceito de “infomediário”, alguém a quem você confia informações privadas sobre você, e que agiria tanto como uma espécie de porteiro quanto como um tipo de filtro nas suas futuras escolhas de consumo. Tal qual já o fizeram Hagel e Singer em 1999, vale a pena especular sobre que tipo de organização pode emergir como o infomediário. Talvez, dada a promessa de facilitar a vida do cidadão contemporâneo, os aplicativos baseados nas nuvens que dão suporte aos assistentes pessoais virtuais, serão os mais fortes candidatos a assumir esse papel.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Tecnologia, Escolha e o Sétimo Reino


Tecnologia, Escolha e o Sétimo Reino

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Qualquer reflexão sobre o papel fundamental que a tecnologia exerce na vida contemporânea parece deixar um certo sentimento de ambivalência. Ao mesmo tempo que têm contribuído para salvar vidas, promover o bem-estar do ser humano, assim como oferecer mais liberdade de escolha, os avanços tecnológicos muitas vezes são alcançados a um custo ambiental nem sempre desprezível. Em artigo no portal Edge.org (da Edge Foundation, Inc.) intitulado “The Technium and the 7th Kingdom of Life”, publicado em 19/07/2007, Kevin Kelly, possivelmente um dos mais importantes pensadores contemporâneos dedicados a questões fundamentais sobre a natureza e a evolução da tecnologia, se propõe não apenas a analisar o significado da tecnologia em nossas vidas, mas sobretudo a investigar onde estaria situada a tecnologia no universo e na condição humana. Lembrando que a tecnologia, como um sistema em si próprio ao qual ele atribui a denominação de “technium”, parece ser uma força dominante na cultura de hoje e de tempos passados, Kelly se pergunta o que podemos esperar dessa força, e, em última análise, o que a governa. Vislumbrando objetivos tão ambiciosos quanto visionários, declara que sua intenção é buscar um melhor entendimento das conseqüências de longo prazo da tecnologia no mundo, colocando-a no mesmo patamar que a natureza biológica, a história do universo, a física do cosmo, e o próprio futuro.
É bem verdade que no senso comum há um sentimento de que cada nova tecnologia nos traz novos problemas assim como novas soluções. Deveríamos então buscar por uma conceituação dessa coisa chamada tecnologia de modo que pudéssemos atingir um grau mínimo de comprensão a ponto de sermos capazes de avaliar se essa aparentemente incessante geração de novidades seria algo a que deveríamos, ou sequer poderíamos, responder. Uma das respostas de puro reflexo aos problemas causados pela tecnologia seria a proibição. Desde a energia nuclear até os alimentos geneticamente modificados, para mitigar os efeitos detrimentais restringimos seu uso a certas fronteiras cuidadosamente delimitadas. Nesse mesmo espírito estaria o princípio de que há certas idéias que não deveríamos sequer cogitar, rumos de pesquisa que deveríamos proibir a priori, bem como tecnologias que nunca deveriam ser experimentadas fora do laboratório, talvez sequer dentro do laboratório. Uma teoria contrária, no entanto, defende que as proibições não funcionam e que não há como administrar a tecnologia simplesmente proibindo seu uso. Ao contrário, é preciso saber deslocar, substituir, adaptar, sintonizar, enfim, transferir uma tecnologia para um outro papel sem ter que eliminá-la.
Ainda com toda essa conceituação à nossa disposição, a bem da verdade não chegamos a um bom entendimento do que de fato é tecnologia, nem mesmo como defini-la. Segundo Alan Kay, “tecnologia é qualquer coisa inventada depois que você nasceu”. Para Danny Hillis, no entanto, “tecnologia é qualquer coisa que ainda não funciona propriamente”, numa referência ao que é novo e ainda não se tornou transparente. Conforme lembra Kelly, tecnologia no sentido moderno é um termo que não havia sido sequer inventado até que em 1829 o médico e botanista Jacob Bigelow publicou umas notas de aulas proferidas em Harvard sobre a “aplicação das ciências às artes úteis” sob o título “Elements of Technology”.  Não obstante, a humanidade já vinha fazendo tecnologia há séculos, mas ainda não tinha uma palavra para denominá-la. (Curiosamente, a primeira menção da palavra “tecnologia” em um pronunciamento de um presidente americano à sua população – o chamado “State of the Union Address” – somente ocorreu em 1952.)
Fundador e/ou editor de alguns dos mais importantes veículos sobre tecnologia (Whole Earth Review, Whole Earth Catalog, Wired), além de ter sido co-fundador da WELL, uma das primeiras e mais marcantes comunidades virtuais de que se tem notícia, Kelly é mais conhecido como o autor de “Out of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World” (1994), no qual apresenta uma perspectiva sobre os mecanismos de organização complexa. Tendo sido leitura obrigatória para os principais atores da série de filmes “Matrix”, o livro gira em torno de temas como cibernética, emergência, auto-organização, sistemas complexos, e teoria do caos, e trata essencialmente de um suposto ponto de convergência de diversas áreas da ciência e da filosofia contemporâneas: a inteligência não é organizada sob forma de uma estrutura centralizada mas, é muito mais parecida com uma espécie de colméia de pequenos componentes.
Em livro a ser publicado em Outubro de 2010 com o título “What Technology Wants” (Viking Adult), assim como em palestra de mesmo título proferida ao portal TED.com em 2005 e outra também ao TED em Novembro de 2009, Kelly se refere à tecnologia como uma entidade “biológica”, a saber, o technium, com sua própria agenda e sua própria trajetória de longo prazo. Entre as características fundamentais do technium estariam: aumentar a diversidade, maximizar a liberdade e as escolhas, expandir o espaço do possível, incrementar a especialização, aumentar a densidade do poder e do significado, engajar matéria e energia, atingir ubiqüidade e liberação, aumentar a complexidade e a co-dependência social assim como a natureza auto-referencial, alinhar-se com a natureza, bem como acelerar a evolutibilidade. De modo geral, a tendência da tecnologia seria aumentar a diversidade de artefatos, métodos, e técnicas, levando a uma maior multiplicidade de possibilidades e de escolhas.
Ainda como parte de sua concepção da tecnologia como uma entidade biológica, Kelly sugere tratar tecnologias específicas como se fossem indivíduos ou espécies que fariam parte do sistema emergente denominado technium. Nesse sentido, um organismo tecnológico individual teria um tipo de resposta, mas numa ecologia composta de espécies que co-evoluem iríamos encontrar uma entidade elevada – o technium – que se comportaria de forma bem diferente de uma espécie individual. O technium seria um certo superorganismo de tecnologia que teria sua própria força, que por sua vez seria em parte cultural (influenciada por e influenciadora dos humanos), mas que também seria parcialmente não-humana, parcialmente não-indígena à física da própria tecnologia. E esse superorganismo seria como se fosse um filho da humanidade, que nós humanos teríamos que treinar imbuindo-o de certos princípios e valores que apreciamos antes que se tornasse mais autônomo do que seria hoje.
Enfim, argumenta Kelly, a tecnologia teria sua própria história natural, e não seria uma entidade meramente derivada do humano, pois suas raízes remontariam ao Big Bang.  O technium teria muitas características em comum com a vida biológica, a mente, e outros “sistemas extrópicos auto-sustentáveis próximos-ao-equilíbrio”. (A extropia seria definida como “o grau de inteligência, ordem funcional, vitalidade, energia, capacidade e impulso de um sistema vivo ou organizacional para o melhoramento e o crescimento.”) A tecnologia, portanto, poderia ser entendida numa escala cósmica como algo que teria se desenvolvido a partir do Big Bang.
Numa certo sentido, propõe Kelly, poder-se-ia pensar no technium como o sétimo reino da vida. Em outras palavras, além dos seis reinos (Archaebacteria, Eubacteria, Protista, Fungi, Plantae, e Animalia) definidos segundo a classificação de alguns biólogos tais como Lynn Margulis, o technium, enquanto sistema extrópico que se originou de animais, seria considerado o sétimo.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

terça-feira, 15 de junho de 2010

Tecnologia da Informação, Crescimento Exponencial e a Singularidade


Tecnologia da Informação, Crescimento Exponencial e a Singularidade

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É bem verdade que o ritmo alucinante de evolução tecnológica parece estar restrito aos computadores e à eletrônica, mas uma devida reflexão revela um padrão mais sutil e mais onipresente no mundo contemporâneo do que se imagina. Conforme vem demonstrando já há algum tempo Ray Kurzweil ao longo de sua premiada, ainda que não completamente incontroversa, carreira de cientista e futurólogo, não apenas a computação, mas também as comunicações, as tecnologias biológicas (tais como seqüenciamento de DNA), as tecnologias médicas (tais como a varredura não-invasiva e o conhecimento do cérebro humano), as técnicas de aproveitamento da energia solar com a ajuda da nanotecnologia, tudo isso experimenta um crescimento exponencial. Em suma, onde há tecnologia da informação, observa-se um crescimento um tanto previsível: a duplicação da potência (preço versus desempenho, capacidade, largura de banda) a cada ano. E esse crescimento exponencial é suave, gradual, incremental, matematicamente idêntico em cada ponto, mas, em última instância, profundamente transformador.
Como a duplicação não acontece indefinidamente, a tecnologia da informação progride através de uma série de curvas de crescimento denominadas de S-curvas, cada uma representando um paradigma diferente. (Uma S-curva, ou curva sigmoidal, assim denominada em 1844 por Pierre François Verhulst que a estudou em relação ao crescimento de populações, começa com um estágio de crescimento aproximadamente exponencial, e, à medida que se aproxima da saturação, o crescimento desacelera e acaba parando. É quando ocorre a mudança de paradigma.) Exemplo célebre, a Lei de Moore (“a quantidade de transistores em um chip duplica a cada 18 meses, enquanto que o preço cai pela metade”), enunciada nos anos 1960’s, não é o primeiro paradigma a trazer o crescimento exponencial para a computação, lembra Kurzweil. Nos anos 1950’s eram as válvulas que decresciam de tamanho, até que chegou a um limite, e aí deram lugar aos transistores, que, por sua vez, foram substituídos pelos circuitos integrados. No próximo paradigma, ao que tudo indica, será a vez dos circuitos moleculares auto-organizáveis tridimensionais.
Em palestra proferida na sede da Google em 01/07/2009 sobre seu livro a ser lançado “How the Mind Works and How to Build One”, Kurzweil chama à atenção para o fato de que já no seu início o século XXI demonstra que será uma era na qual a própria natureza do que significa ser humano será não somente enriquecida mas também desafiada, na medida em que a espécie humana rompe os grilhões de seu legado genético, e atinge níveis inconcebíveis de inteligência, progresso material e longevidade. A taxa de mudança de paradigmas está hoje dobrando a cada década, de modo que, nesse ritmo, o século XXI deverá testemunhar 20.000 anos de progresso. O livro, segundo Kurzweil, é essencialmente sobre a possibilidade de se fazer uma engenharia reversa do cérebro, mas ele se refere à mente de modo a trazer à tona as questões fundamentais sobre a consciência. “Um cérebro se torna uma mente à medida em que ele se mistura com seu próprio corpo, e, na verdade, nosso círculo de identidade vai além do nosso corpo”, acrescenta Kurzweil, afirmando que embora haja interação com o ambiente, não há uma clara distinção entre quem somos e o que não somos. O propósito da engenharia reversa do cérebro humano seria entender os princípios básicos da inteligência.
Em uma cartada ainda mais audaciosa, Kurzweil, em co-autoria com o médico homeopata Terry Grossman, publicou recentemente “Transcend: Nine Steps to Living Well Forever” (Rodale Books, Abril 2009) no qual afirma que a medicina está cada vez mais se integrando com a tecnologia da informação, e dessa forma fazendo avanços também a um ritmo exponencial. Ao leitor interessado em uma “extensão radical da vida”, os autores recomendam estabelecer como objetivo imediato se manter vivo nos próximos 20 anos de modo a poder vivenciar os avanços em reprogramação de DNA e os robôs submicroscópicos reparadores de células. A bem da verdade, já em 2006 no livro intitulado “The Singularity Is Near: When Humans Transcend Biology” (Penguin) Kurzweil defendia que a humanidade está no limiar de uma era que deverá tornar realidade a intercalação da biologia com os avanços mais espetaculares da tríade Genética, Nanotecnologia e Robótica (GNR) levando à criação de uma espécie humana com inteligência, durabilidade, compreensão e memória irreconhecivelmente altas. Além desse limiar, também chamado de singularidade, estaria reservado um futuro imprevisível e qualitativamente diferente dos tempos atuais.
Procurando levar sua mensagem ao grande público sobretudo no que diz respeito às ramificações sociais e filosóficas das profundas mudanças que antevê, Kurzweil se envolveu diretamente na produção de um filme documentário com première em Nova Iorque já marcada para 24 de Junho chamado “The Singularity is Near: A True Story About the Future”, baseado em parte no seu livro “The Singularity Is Near”. Intercalando ficção com realidade, o filme traz o próprio Kurzweil entrevistando 20 pensadores entre os quais Marvin Minsky, além de uma estória narrativa que ilustra algumas de suas idéias e traz como protagonista um avatar (Ramona) que salva o mundo de robôs microscópicos auto-replicantes.
Um outro filme documentário de longa metragem intitulado “Transcendent Man” foi lançado em 2009, dirigido por Robert Barry Ptolemy, no qual Kurzweil aparece explicando que a Singularidade, um ponto num futuro próximo em que a tecnologia estará evoluindo tão rapidamente que os seres humanos terão que se “reforçar” com inteligência artificial para poder acompanhar. Seria o alvorecer de uma nova civilização na qual não mais seríamos dependentes do nosso corpo, seríamos trilhões de vezes mais inteligentes, e não haveria distinção entre humanos e máquinas, entre a realidade verdadeira e a realidade virtual.
A repercussão de suas previsões sobre a Singularidade tomaram corpo a ponto de, juntamente com o empreendedor Peter Diamanidis (fundador da X-Prize Foundation), e com o apoio de diversas empresas e líderes na área da ciência e da tecnologia do Vale do Silício (tais como Vint Cerf, Bob Metcalfe, Larry Page e Sergey Brin), abrir caminho para a fundação da Singularity University: “uma universidade interdisciplinar cuja missão é reunir, educar e inspirar quadros de liderança que busquem entender e facilitar o desenvolvimento de tecnologias que avançam exponencialmente, de modo a encarar os grandes desafios da humanidade. Com o apoio de uma ampla gama de líderes na academia, nos negócios e no governo, a SU espera estimular o pensamento inovador e disruptivo focado na resolução de alguns dos desafios mais prementes do planeta. A SU é baseada no campus de Ames da NASA no Vale do Silício.”
Em palestra recente com o título “The Democratization of Disruptive Change” proferida no encontro “H+ Summit at Harvard – Rise of the Citizen-Scientist” (12-13 Junho, 2010), Ray Kurzweil expôs sua visão sobre quais seriam os caminhos mais eficazes para se chegar a um verdadeiro entendimento do cérebro humano, ao mesmo tempo em que apresentou respostas aos críticos de suas interpretações sobre o crescimento exponencial da tecnologia da informação. Segundo seus cálculos, estaríamos a apenas duas décadas de modelar e simular completamente o cérebro humano. Kurzweil afirma que é somente estendendo nossa inteligência com tecnologia inteligente que podemos arcar com a escala de complexidade para lidar com os grandes desafios da humanidade: manter um meio-ambiente saudável, propiciar recursos para uma população crescente incluindo energia, alimentação e água, suplantando a doença, estendendo amplamente a longevidade humana, e erradicando a pobreza.
Extrapolações exacerbadas à parte, não há como negar um voto de confiança a quem, além de ter sido um dos pioneiros em reconhecimento ótico de caracteres, síntese de texto para voz, tecnologia de reconhecimento de voz, e instrumentos de teclado eletrônico, já recebeu dezenove títulos de Doutor Honoris Causa, além de honrarias de três presidentes americanos. Como se não fosse bastante, Kurzweil publicou seis livros, quatro dos quais figuraram na lista de bestsellers.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

terça-feira, 8 de junho de 2010

Inovação Colaborativa e o Poder do Puxar


Inovação Colaborativa e o Poder do Puxar

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Em meio a uma crise econômica sem precedentes, executivos se tornam obcecados com metas de desempenho de curto prazo tais como o corte de custos, o aumento de vendas e do crescimento da fatia de mercado. Enquanto isso, economistas recorrem a dados estatísticos como o crescimento do PIB, níveis de desemprego, e as variações da balança comercial para avaliar a saúde do ambiente de negócios.
Nada de novo no front, exceto que o foco nas métricas tradicionais frequentemente impede que se enxergue as forças de mudança de longo prazo que corroem as fontes normais de valor econômico. Na realidade, “normais” pode ser uma coisa do passado, pois até quando a economia volta a se aquecer, a rentabilidade das empresas tem voltado a ficar sob pressão. O fato é que algumas tendências iniciadas há décadas estão modificando o ambiente de negócios nas suas bases, apoiadas por uma infraestrutura digital construída sobre o ritmo exponencial sustentado das melhorias de desempenho em computação, memória e banda de comunicações. E essa infraestrutura não se constitui apenas de bits e bytes, pois envolve instituições, práticas, e protocolos que juntos representam, ao mesmo tempo, o arcabouço e a entrega da força crescente da tecnologia para servir aos negócios e à sociedade. Por mais concretas que pareçam tais tendências, há que se dispor de métricas apropriadas para que se possa avaliar o ritmo das mudanças, e até mesmo o impacto da largura de banda. Com esse propósito o Deloitte Center for the Edge (liderado por John Hagel III, John Seely Brown, e Lang Davison) publicou em Junho de 2009 um relatório intitulado “Measuring the forces of long-term change - The 2009 Shift Index” no qual define o “índice de mudanças” (em inglês, “The Shift Index”) como composto de três medidas caracterizadas por três ondas de mudança profunda – Fundamentos, Fluxo, e Impacto – além de 25 métricas que juntas quantificam o estoque, o ritmo e as implicações da mudança. Pode-se pensar no “The Shift Index” como um análogo da nova economia ao “Composite Index of Leading Indicators”, um índice da velha economia publicado mensalmente pelo Conference Board (responsável pelo índice de confiança do consumidor) usado para fazer previsões sobre o rumo dos movimentos da economia nos meses adiante.
Entre as observações relatadas no relatório da Deloitte, a que mais se destaca é a que diz que desde 1965 a rentabilidade econômica (em inglês, “returns on assets”, abrev. ROA) das empresas americanas experimentou um decréscimo de cerca de 75%, ao mesmo tempo em que se observou um acréscimo ainda que modesto em produtividade. E, ao que tudo indica, não há sinais de que essa tendência de declínio no ROA será revertida num futuro próximo.
Em palestra intitulada “Collaborative Innovation and a Pull Economy” proferida em 14/04/2010 no Stanford Technology Venture Program como parte do “Entrepreneurial Thought Leaders Lecture Series”, John Seely Brown, Co-Chairman do Deloitte Center for the Edge, e ex-Cientista-Chefe do Palo Alto Research Center (PARC) da Xerox, berço de inovações revolucionárias como o mouse e a “graphical user interface”, argumenta que a velha guarda dos negócios não é mais viável. Enquanto que, ao conseguirem galgar a inclusão no índice S&P 500, as empresas tinham uma certa garantia de longevidade, hoje em dia muitas sobrevivem naquela relação apenas cinco ou dez anos. Segundo Brown, o século XXI é qualitativamente diferente,  com novos mecanismos institucionais tecnológicos forçando novas práticas de negócios. É perfeitamente factível nos dias de hoje criar empreendimentos “baseados em garagem”, no melhor estilo de “startups do Vale do Silício” que há um tempo atrás demandavam altos custos de infraestrutura, com apenas dez pessoas e 50 mil dólares, que experimente crescimento e produtividade tão significativos quanto nunca dantes imaginados. Aos novos empreendedores urge tirar proveito das ferramentas avançadas tais como a computação nas nuvens e as mídias sociais para alcançar verdadeiro progresso a um ritmo antes impensável. O fato é que o crescimento exponencial da razão preço/performance do poder computacional, de memória, e de largura de banda tem levado a uma taxa de adoção da nova infraestrutura digital que é duas a cinco vezes mais rápida do que antigas infraestruturas tais como as redes elétricas e telefônicas.
No relatório mais recente sobre “The Shift Index” (“The 2009 Shift Index - Industry metrics and perspectives”, Novembro 2009), Hagel III, Brown, e Davison chamam à atenção para o fato de que uma análise do índice em diferentes setores da indústria mostra que há pouca correlação entre aumentos em produtividade e melhoria no ROA. Na verdade, algumas indústrias que têm experimentado as mais dramáticas melhoras em produtividade têm tido também a mais dramática erosão no ROA. Segundo os autores, a melhor estratégia para lidar com a erosão do desempenho reside na busca por um aproveitamento dos fluxos ubíquos de conhecimento que são criados e amplificados pela infraestrutura digital. Fluxos de conhecimento são tracionadores fundamentais do crescente poder dos clientes e do talento criativo. É preciso que as empresas criem valor econômico participando efetivamente nos fluxos de conhecimento e não simplesmente continuem a explorar estoques de conhecimento existentes através de uma maior eficiência econômica.
Não menos importante é a participação da força de trabalho nesses fluxos de conhecimento. Conforme o relatório, de 75 a 80 por cento da força de trabalho não tem paixão pelo trabalho que realizam diariamente, e isso é particularmente significativo dada a forte correlação entre a paixão do trabalhador e a participação mais ativa nos fluxos de conhecimento. E, nesse contexto, dada a importância cada vez maior dos fluxos de conhecimento, possivelmente a forma mais poderosa de inovação pode não ser a inovação tecnológica em si, mas sim a inovação institucional: repensar os papéis e os relacionamentos nas organizações de forma a melhor permitir a criação de fluxos de conhecimento e a participação neles, dando espaço à chamada inovação colaborativa com o suporte das tecnologias colaborativas e mídias sociais.
Nesse sentido, em seu mais recente livro, “The Power of Pull: How Small Moves, Smartly Made, Can Set Big Things in Motion” (Basic Books, Abril 2010), Hagel III, Brown e Davison argumentam que a tecnologia digital deu origem a um deslocamento de poder no mundo dos negócios: dos produtores de bens e serviços para as pessoas que os compram, e para os empregados talentosos das organizações que os emprega. Segundo os autores, o mecanismo propulsor desse deslocamento de poder é o que eles chamam de “puxar” (em inglês, “pull”). “O puxar nos permite a cada um de nós encontrar e acessar pessoas e recursos quando deles precisamos, ao mesmo tempo em que atrai para perto de nós as pessoas e os recursos que são relevantes e de valor, ainda que não estivéssemos sequer cientes de que eles existiam.” É como se o puxar propiciasse as condições para desatar as forças da atração, da influência e da “serendipity”, termo em inglês que significa “a capacidade de fazer descobertas importantes ao acaso”. Por outro lado, o “puxar” nos daria a capacidade de extrair de dentro de nós mesmos o insight e o desempenho necessários para atingirmos nosso próprio potencial de forma mais efetiva.  Enfim, “podemos usar o puxar para aprender mais rápido e traduzir esse aprendizado em desempenho que melhora rapidamente, não apenas para nós mesmos, mas para as pessoas com as quais nos conectamos – um círculo virtuoso do qual podemos participar.”
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE