quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Idade versus Tamanho, e Startups Enxutas


Idade versus Tamanho, e Startups Enxutas

E-mailImprimirPDF
É quase uma verdade inquestionável nos meios econômicos: a pequena empresa é o grande motor da criação de empregos. No caso dos Estados Unidos, no entanto, essa verdade universal pode estar perdendo seu posto. Embora o olhar tradicional sobre os números nos permita concluir que dois terços dos novos empregos são criados por empresas com menos de 500 empregados, que é a definição de pequena empresa para o governo americano, num artigo intitulado “Who Creates Jobs? Small vs. Large vs. Young”, por John C. Haltiwanger, Ron S. Jarmin e Javier Miranda (Working Paper 16300, National Bureau of Economic Research, Agosto 2010), os autores demonstram, utilizando dados de 1976 a 2005 do Census Bureau Business Dynamics Statistics e do Longitudinal Business Database, que, quando a idade das empresas é levada em conta, não há diferença entre o desempenho de empresas grandes e pequenas no que diz respeito à geração de empregos. “Tamanho quase não tem qualquer influência. É tudo idade – startups são onde a criação de empregos realmente ocorre”, declarou John Haltiwanger, co-autor e professor de economia da University of Maryland, numa matéria recente de Steve Lohr no New York Times (“To Create Jobs, Nurture Start-Ups”, 11/09/10).
Em poucas palavras, o artigo de Haltiwanger e seus colaboradores demonstra que os dados utilizados tradicionalmente na interpretação das análises do relacionamento entre o tamanho da empresa e o crescimento de empregos contêm pouca ou nenhuma informação sobre a idade da empresa. Ao introduzir controle sobre os efeitos do tipo de indústria e do ano, surge um relacionamento inverso entre as taxas líquidas de crescimento e o tamanho da empresa. Uma vez adicionado o controle sobre a idade da empresa, deixa de existir um relacionamento sistemático entre as taxas líquidas de crescimento e o tamanho da empresa. Isso significa que o ano de fundação contribui substancialmente tanto para a criação de empregos bruta quanto líquida. É importante lembrar, no entanto, que, em razão do fato de que empresas jovens tendem a ser pequenas, a descoberta de um relacionamento inverso sistemático entre o tamanho da empresa e as taxas líquidas de crescimento em análises anteriores pode ser inteiramente atribuída ao fato de que a maioria das novas empresas são classificadas como pequenas.
A um veredito semelhante chegaram Dane Stangler e Paul Kedrosky em relatório recentemente publicado pela Kauffman Foundation, intitulado “Neutralism and Entrepreneurship: The Structural Dynamics of Startups, Young Firms, and Job Creation” (Setembro 2010): startups e empresas jovens (i.e., aquelas com menos de 5 anos de sua fundação) são responsáveis por toda a criação líquida de empregos nos Estados Unidos. Segundo os autores, embora tenha se firmado como um consenso entre os especialistas em política econômica, essa idéia continua a surpreender, e, até certo ponto, desapontar, muitos analistas. Afinal de contas, como se explica o fato de que as startups e as empresas jovens, geralmente entendidas como constituindo a parte mais volátil da economia, continuam aparecendo como a principal fonte de novos empregos? Não seria o caso de todos os empregos criados por tais empresas desaparecerem logo em seguida? Mesmo que essas empresas sejam responsáveis pela maior parte do resultado positivo no que diz respeito à criação de empregos, o que dizer de seu efeito no emprego em empresas existentes: seria o caso de que elas destruiriam simultaneamente os empregos em outras partes da economia, portanto anulando o efeito de sua própria criação de empregos?
Com vistas a contribuir para um melhor entendimento da dinâmica de criação de empresas e geração de empregos nos Estados Unidos, Stangler e Kedrosky se propõem a responder à seguinte questão: por que empresas novas e empresas jovens criam (ou parecem criar) quase todos os novos empregos líquidos? Sem diminuir a contribuição das startups e das empresas jovens na criação de empregos, a conclusão é a de que são muitas as razões por trás dos padrões que se observam em termos da relação entre a idade da empresa e a taxa líquida de criação de empregos, pois, na medida em que a economia evolui, a quantidade de empresas acumula ao longo do tempo, e, com os níveis de entrada e saída na economia permanecendo relativamente estáveis, as empresas novas e as jovens deverão continuar a constituir a maior categoria na economia como um todo, e as maiores responsáveis pelos novos empregos líquidos. Com efeito, desde 1977 o nível e a taxa de criação de empresas nos EUA têm permanecido praticamente os mesmos, e em artigo anterior (“Exploring Firm Formation: Why is the Number of New Firms Constant?”, Jan 2010), Stangler e Kedrosky já sugeriam uma semelhança entre esse estado de coisas e a teoria neutra da evolução proposta pelo biólogo Motoo Kimura no final da década de 1960: “A seleção natural é uma força conservadora. Passa a maior parte do seu tempo mantendo as espécies as mesmas do que mudando-as.” Dessa forma, defendem os autores, tal qual o que Kimura fez com mudança molecular e seleção natural, podemos ver a relação entre criação de empresas e geração de empregos como uma força em favor da estabilidade.
Os dados mostram que, em qualquer dos últimos trinta anos, empresas novas e jovens constituem o maior bloco nos EUA, o que leva a uma expectativa no sentido de que serão elas as maiores geradoras de novos empregos. E um resultado dessa dinâmica de acumulação de empresas é a importância da criação de empresas para o crescimento econômico, pelo menos no sentido neutralista de se ter uma base de criação e destruição de empresas a partir da qual a seleção natural opera como força conservadora. É natural indagar como e quando essa base de níveis relativamente estáveis pode mudar. Um fator crucial a se considerar é o custo de criação de empresas, e nesse sentido é importante observar a tendência para a sua diminuição. No setor de tecnologia da informação, por exemplo, a conjunção da redução de custos de infraestrutura e de distribuição, com a disponibilidade de software de código aberto, significa que algo que custava entre 2 e 3 milhões de dólares há 10 anos pode estar custando hoje em torno dos 100 mil dólares. E isso pode representar uma redução significativa das barreiras de entrada no mercado sobretudo para os jovens empreendedores com pouco ou nenhum acesso a capital.
Paralelamente, observa-se uma tendência de reestruturação nos mercados de capital de risco, sobretudo no setor de empresas de tecnologia da informação. O surgimento e a consolidação de programas de aceleração baseadas em capital semente tais como TechStars, Y Combinator, e Betaworks, tem estimulado e facilitado a adoção de abordagens tais como “Startup Enxuta” (em inglês, “Lean Startup”), popularizada por Eric Ries, autor do blog “Startups Lessons Learned”. Em entrevista ao portal Vator.com (“Eric Ries and his 'lean startup' awakening. It's not about cost, it's about speed - rapid hypothesis testing and validated learning”, Abril 2010), Ries explica que, com o declínio econômico recente, juntamente com um declínio em custos de tecnologia, a idéia de se tomar menos dinheiro emprestado inicialmente e gastar sabiamente para atingir uma maior probabilidade de sucesso está se consolidando como uma nova abordagem à criação de startup. Se por um lado já havia proponentes de tais metodologias, tais como Steve Blank, empreendedor em série, professor em Stanford e Berkeley, e autor de “The Four Steps to the Epiphany” (Cafepress.com, 2006), assim como Donald Reinertsten, que escreveu “The Principles of Product Development Flow”, Ries expõe sua abordagem experimental ao desenvolvimento de produtos baseada na iteração “construa, meça, aprenda”. E a abordagem transborda ao universo dos investidores. Em palestra na conferência GROW (Vancouver, Ago 2010) intitulada “The Lean VC: a Silicon Valley story about Innovation, Incubation, & Iteration”, Dave McClure define o modelo do “investidor enxuto”: “invista em muitas startups usando investimento incremental, desenvolvimento iterativo.  Comece com muitos experimentos pequenos, filtre os fracassos, e expanda o investmento sobre os sucessos… (Enxágue & Repita).”
Como bem observam Stangler e Kedrosky, se, por um lado, as empresas de tecnologia da informação representam apenas uma pequena parcela do universo das startups, os efeitos sentidos ali já se fazem sentir em outros setores. Por exemplo, novas empresas de serviços cada vez mais encontram clientes através de serviços online de reputação, o que significa que seus custos de marketing tendem a diminuir ao mesmo tempo em que seu alcance aumenta. Igualmente, tem se tornado cada vez mais fácil para pesquisadores compartilharem informações sobre problemas difíceis em áreas como biologia e tecnologia limpa (sem esquecer o caso recente do problema mais fundamental da ciência da computação “P=NP?”), possivelmente com um impacto correspondente nos custos e nas chances de comercialização.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Computação nas Nuvens, Startups e a Criação de Empregos


Computação nas Nuvens, Startups e a Criação de Empregos

E-mailImprimirPDF
Em postura de oblívio ao clima de desemprego reinante na maior economia do mundo, as startups baseadas em serviços de internet parecem existir em um outro mundo. Crescem como mato. E a computação nas nuvens tem servido de fertilizante de alto rendimento. Como diz Jonathan Boutelle no artigo “How Cloud Computing Impacts the Cash Needs of Startups” (16/08/2010, GigaOm.com), “o dinheiro é o oxigênio do negócio, e a computação nas nuvens permite que as empresas inspirem o oxigênio (coletando receita) antes que o expirem (pagando a seus provedores do serviço nas nuvens)”. Isso tudo porque, a bem da verdade, ao invés de uma inovação tecnológica, a computação nas nuvens chega como uma inovação no sistema de preços: a computação é paga como uma utilidade, e como tal o valor pago é decorrente do uso. Assumindo que o uso está diretamente relacionado à geração de receita, os custos da computação nas nuvens flutuam em consonância com as receitas.
Dessa forma, uma startup pode fazer “escalonamento baseado no sucesso”, e poder se dar ao luxo de ter vários meses de custo mínimo (possivelmente sem receita), antes de encontrar o encaixe do produto no mercado, e aí então crescer rapidamente. Com a computação nas nuvens à disposição, é possível escalonar para cima para atender à demanda, assim como escalonar para baixo rapidamente, caso necessário. Nesses termos, não é difícil concluir que o escalonamento baseado no sucesso reduz o risco de lançar uma startup, e, naturalmente, reduz o capital necessário para o seu lançamento. Ganham cada vez mais força as abordagens ágeis ao investimento em startups adotadas e defendidas por Dave McClure, Jeff Clavier, First Round Capital, Y-Combinator, TechStars, Betaworks, Founder Collective. Nas palavras de McClure, o método de investimento associado ao “Modelo Startup 2.0” recomenda: (i) invista em startups usando investimento incremental, e desenvolvimento iterativo; (ii) comece com diversos experimentos pequenos, filtre os fracassos, e expanda o investimento em cima do sucesso.
Em artigo de 01/02/2010 na BusinessWeek.com (“Amazon Web Services: Quietly Staking Out the Cloud”) Om Malik já chamava a atenção para o fato de que a computação nas nuvens tem sido um fator facilitador crucial na última geração de startups de internet, permitindo que iniciem com pequenos volumes de capital e escalonem rapidamente em resposta à demanda. Como não têm patrimônio (físico ou não), as startups não se vêem impedidas por nenhum dos fatores que retardam a adoção da computação nas nuvens, muito menos por uma insistência no fazer as coisas à moda antiga. Relatando uma conversa com Werner Vogels, CTO da Amazon, em que elogiava o papel dos chamados “Amazon Web Services” (aws.amazon.com) como catalisadores da inovação, Malik observava que, com acesso a tais serviços, as startups têm condições de escalonar agressivamente. “Com as nuvens vem o pensamento e a disposição irrestritos para mexer e experimentar sem se preocupar demais com o custo,” respondeu Vogels, acrescentando ainda que “a nuvem permite que muitos negócios escalonem agressivamente, tais como os aplicativos para a Facebook”.
Pesquisas consolidadas já estabeleceram o papel essencial das startups (tecnicamente, empresas com menos de um ano de criação) na criação de novos postos de trabalho e no crescimento do emprego na economia americana. Mais recentemente, em relatório produzido para a Kauffman Foundation (“The Importance of Startups in Job Creation and Job Destruction”, Jul/2010), Tim Kane observa que “as startups não são tudo quando se fala em crescimento do emprego. Elas são a única coisa.” Através de uma análise pormenorizada dos dados das “Business Dynamics Statistics” com base na idade das empresas, Kane conclui que “sem as startups, não haveria crescimento líquido no emprego na economia dos EUA”. Ainda segundo Kane, as startups criam em média 3 milhões de novos postos de trabalho anualmente. Todas as outras idades de empresas, incluindo firmas nos seus primeiros anos de existência até as estabelecidas dois séculos atrás, se revelam destruidoras líquidas de postos de trabalho, perdendo, juntas, um saldo de 1 milhão de postos de trabalho a cada ano.
Em geral se imagina as startups como altamente voláteis. Com efeito, Dane Stangler em relatório de Março de 2010 (“High-Growth Firms and the Future of the American Economy”, Kauffman Foundation) estima que menos da metade de todas as novas empresas sobrevivem mais de cinco anos. Na realidade, Stangler se concentra nas empresas de alto crescimento – as chamadas “gazelas” – que, a despeito de existirem em número relativamente pequeno, são responsáveis por uma parcela desproporcional da criação de empregos. Os resultados mostram que: (i) em qualquer ano, as empresas com desempenho entre as 1% melhores geram aproximadamente 40% da criação de novos empregos; (ii) empresas jovens de crescimento rápido, que correspondem a menos de 1% de todas as empresas, geram aproximadamente 10% de novos postos de trabalho em um dado ano qualquer.
Levando em consideração a volatilidade dos empregos gerados por startups, Michael Horrell e Robert Litan em “After Inception: How Enduring is Job Creation by Startups?” (Kauffman Foundation, Jul/2010) se propõem a responder a uma questão crucial: será que o número de postos de trabalho criados por startups exibem a mesma volatilidade que as taxas de sobrevivência? Em outras palavras, quantos postos de trabalho desaparecem um ano após serem criados? Até certo ponto surpreendentes, os resultados indicam que, enquanto que o emprego sofre uma queda no período de vida de uma empresa da mesma faixa etária, ele não reflete a taxa de sobrevivência das startups. Para empresas iniciadas entre 1977 e 2000, após cinco anos, em média, 80% do número de postos de trabalho que foram criados inicialmente ainda existem naquele grupo etário, enquanto que o número de empresas diminuiu em cerca de 50% nesse mesmo período. Além do mais, à medida em que as empresas envelhecem, os números de postos de trabalho em agregado parecem se nivelar em pouco mais de 65% por grupo etário, enquanto que o número de empresas continua a cair para 20% e menos. Horrell e Litan concluem que essa diferença marcante entre o emprego e a sobrevivência da empresa dá um esboço das oscilações do emprego que ocorrem nesses grupos etários. Enquanto que muitas empresas fracassam em um dado grupo, destruindo empregos, muitas também despontam, criando empregos.
A título de recomendação aos responsáveis por políticas públicas de incentivo à criação de empregos, Tim Kane chama a atenção para o fato de que, no caso dos EUA, os governos locais que priorizam empreendimentos maiores e empresas mais antigas estariam fadados ao fracasso, não apenas porque essas seriam de “soma-zero”, mas sobretudo porque o crescimento do emprego é conduzido em grande medida por startups que se desenvolvem organicamente. Empresas sobreviventes criam até 7 milhões de saldo de empregos (metade dos quais no nascimento das empresas), enquanto que o grupo dos que foram à falência são responsáveis por uma perda líquida de 4 a 8 milhões de empregos.
Em tempos de internacionalização do ambiente econômico, acelerada pela computação nas nuvens, vale a pena aprender e tirar lições dos dados da economia norte-americana. Que as startups entrem definitivamente na lista de prioridades dos responsáveis pelas políticas públicas de incentivo à geração de emprego.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Moneyball para Startups e a Força da Tração


Moneyball para Startups e a Força da Tração

E-mailImprimirPDF
Numa dessas ironias da vida, um dos grandes pilares da revolução tecnológica alucinante que ainda hoje se desenrola está sendo taxado de dinossauro. Isso mesmo, jurássico. Verdadeiro símbolo do combustível que tem alimentado a inovação tecnológica, o capitalista de ventura (em inglês, “venture capitalist”, abrev. VC), ou capitalista de risco, tem tido um papel fundamental no desenvolvimento do ecossistema de inovação e geração de riqueza do Vale do Silício. Atualmente, porém, observa-se nitidamente que os fundos de capital de ventura estão diminuindo de tamanho, ao mesmo tempo em que crescem os fundos de investidor anjo. E, no momento atual, todas as indicações são de que o investidor, seja atuante em uma classe de ativos ou em outra, está sendo forçado a se tornar mais ágil e mais esperto, em consonância com o ritmo de mudanças. Os custos das empresas startup têm diminuído dramaticamente nos últimos cinco anos, e a distribuição online através de engenhos de busca, mídia social, e plataformas móveis têm se popularizado como canais de marketing para consumidores. Enquanto isso, por um lado, aumenta o número de aquisições, e, por outro lado, o tamanho das negociações diminui à medida em que empresas mais consolidadas adquirem startups em momentos cada vez mais iniciais de seu ciclo de desenvolvimento.
Conforme previu Paul Kedrosky em relatório publicado em Junho de 2009 pela Kauffman Foundation (“Right-Sizing the U.S. Venture Capital Industry”), a indústria do capital de ventura está encolhendo. Apesar do sucesso demonstrado nas últimas três décadas, e de seu papel de catalisador financeiro de empresas de alto crescimento, a indústria de VC tem revelado estagnação e declínio em seu retorno. Entre os especialistas há um sentimento generalizado de que, embora deva manter seu papel fundamental de tracionar o crescimento de empresas nas áreas de tecnologia da informação, tecnologia limpa, e biotecnologia, todas elas de alto risco e ao mesmo tempo capital-intensivas, a indústria deverá passar por um processo de redimensionamento. A resistência a mudanças é uma realidade, inclusive pela imagem, tanto no inconsciente coletivo quanto no meio dos responsáveis por políticas públicas, de que a indústria de VC é elemento inseparável da inovação tecnológica. Kedrosky se propõe a responder questões fundamentais como: qual deveria ser o tamanho da indústria de VC em termos do compromisso financeiro subjacente agregado para com parcerias de empreendimento? O tamanho da indústria deveria ser maior de modo a melhor equipar empreendedores para resolver problemas que enfrentamos enquanto sociedade? Deveria ser menor para que possa arriscar mais, tracionar retornos maiores, e portanto manter os investidores satisfeitos?
É fato que a indústria do capital de ventura cresceu dramaticamente como resultado da formação da bolha da internet que acabou rompida em 2001. Antes do fenômeno da bolha se consolidar, as pessoas que investiam em fundos de VC (os chamados “parceiros limitados”, em inglês “limited partners”, abrev. LP’s) puseram cerca de 50 bilhões de dólares no setor, e em 2001 o total de investimentos inchou para algo em torno dos 250 bilhões. Acontece que, como o capital de ventura é uma classe de ativos essencialmente “ilíquida”, mesmo após o estouro da bolha os fundos não desapareceram imediatamente. Em 2000-2001 o mercado de ações se ajustou rapidamente punindo investidores no índice NASDAQ e nas ações de empresas de tecnologia de um modo geral.  É natural que os consumidores tenham retirado seu dinheiro desses investimentos de alto risco, mas o compromisso dos LP’s com os fundos de VC é de 10 anos determinado no contrato. Dessa forma, o total de compromissos em 2008 ainda se situava em torno dos 250 bilhões.
Em “What’s Really Going on in the VC Industry? What Does it Mean for Startups?” (16/10/10) Mark Suster lembra que o que acelerou o encolhimento da indústria de VC foi o colapso dos mercados financeiros.  Os LP’s que investem em fundos são tipicamente as reservas monetárias (em inglês “endowments”) das universidades americanas, os fundos de pensão, as seguradoras, as grandes corporações, além dos indivíduos de grande fortuna. Kedrosky então enumera dois problemas com o LP: (1) o “problema do denominador, que diz que se um LP investe X% (numerador) em “investimentos alternativos” tais como capital de ventura, e se o montante disponível para investir (denominador) diminui de 30%, então o montante que ele aloca para o VC vai precisar baixar de 30% para permanecer na mesma porcentagem; (2) a indústria do VC tem tido um péssimo desempenho nos últimos 10 anos, a ponto de muitas firmas sequer terem retribuído o capital original dos LP’s, muito menos dar lucro.
Em artigo intitulado “MoneyBall for Startups: Invest BEFORE Product/Market Fit, Double-Down AFTER”, 30/07/10), recentemente publicado em seu blog “Master of 500 Hats”, Dave McClure, investidor anjo e empreendedor, começa lembrando as discussões recentes sobre as vantagens e desvantagens de ser pequeno ou grande investidor em alta tecnologia, mais especificamente que mudanças e desafios têm surgido na indústria do VC na última década. As circunstâncias atuais, segundo ele, não se mostrariam favoráveis aos fundos de grande volume de investimento em internet de consumo (em inglês, “consumer internet”). De forma aparentemente paradoxal, McClure argumenta que um dos principais fatores para o sucesso de um investimento em uma startup não seria o tamanho do fundo. Na verdade, o ponto principal, segundo ele, seria o nível de complacência e de falta de agilidade dos investidores nessas últimas duas décadas, revelados inclusive na própria taxa interna de retorno (em inglês, “internal rate of return”, abrev. IRR). “Enquanto isso a internet de consumo trouxe uma verdadeira tsunami de mudanças tecnológicas e comportamentais que resultou em reduções espetaculares em tempo e custo necessários para distribuir produtos e serviços a mais de 2 a 3 bilhões de pessoas conectadas no planeta. A internet mudou a vida dramaticamente para bilhões de pessoas em todo o globo – e ainda assim a maioria dos VC’s e dos advogados ainda fecham negociações via fax e correio comum.”
O mundo mudou muito para empreendedores de tecnologia, e os VC’s estão tentando se adaptar às novas realidades.  Segundo McClure, alguns vão conseguir, porém outros vão acabar decidindo por não angariar um novo fundo e passar os próximos cinco a dez anos envolvidos com os fundos que já têm, e depois se retirar do setor. “A maioria dos VC’s são dinossauros, e a World Wide Web é um asteróide que atingiu o planeta numa explosão cataclísmica em câmera-lenta 15 anos atrás. Pode levar mais 5 anos para que as cinzas das nuvens e o inverno nuclear dos navegadores, engenhos de busca, redes sociais, e dispositivos móveis matem os tiranossauros, mas é um fato consumado,” diz McClure.
Em decorrência das mudanças trazidas pela Web, incluindo aí os recursos disponbilizados pela computação nas nuvens, estaríamos vivenciando um período de grandes oportunidades para se montar startups de internet de consumo focadas-em-receita com base num investimento de baixa magnitude (da ordem de 1 a 5 milhões de dólares) que: (i) atinja um certo nível de viabilidade comercial, (ii) adquira clientes usando canais de distribuição online (engenhos de busca, redes sociais, plataformas móveis), (iii) possa ser vendida mais tarde por algo na faixa de 25 a 250 milhões de dólares.
Tudo isso com base nos seguintes fundamentos: (1) os ciclos de desenvolvimento do produto seriam mais curtos, os recursos e o material necessários seriam gratuitos ou de baixo custo, os  equipes de desenvolvimento seriam menores, e os novos serviços de combinação com outros serviços já existentes que já propiciam excelente valor na nuvem através de features, dados, efeitos de rede, API’s; (2) os custos de marketing seriam menores devido à disponibilidade de canais de baixo custo e de alcance amplo, que podem ser usados de forma mais mensurável e previsível que anteriormente; (3) a receita poderia ser gerada de forma simples e contínua através de modelos de negócio diretos e métodos de pagamento online que se popularizam cada vez mais, comércio eletrônico transacional, bens digitais, cobrança de assinatura, publicidade mensurada por clique. O tripé formaria o que ele chama de “tração”.
Em suma, a receita de McClure assim se configura: “invista antes do encaixe produto/mercado, meça/teste para ver se a equipe está encontrando esse encaixe, e, em caso positive, exerça sua oportunidade de investimento de acompanhamento proporcional depois que eles tiverem conseguido obter o encaixe produto/mercado.”
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Assistentes Pessoais Virtuais e o Infomediário


Assistentes Pessoais Virtuais e o Infomediário

E-mailImprimirPDF
E se imaginássemos a internet como um oráculo com o qual nossa interação fosse verbal e interativa tal qual com outro ser humano? É inegável que à medida que os sistemas computacionais crescem em complexidade e em acesso a mais e mais recursos, tanto locais quanto distribuídos, aumenta a oferta de serviços para os quais o modelo tradicional de interação “clique-e-execute” não mais se apresenta como o mais adequado. A tendência é que aplicativos complexos se comportem como assistentes pessoais aos quais não apenas consultas são submetidas, mas também tarefas são delegadas. Por exemplo, quando se deseja buscar na internet por um restaurante, ao invés de navegar por diversos sítios retornados por um engenho de busca, um comando de voz no estilo “reserve uma mesa para dois às 22hs no restaurante japonês mais próximo” poderia ser submetido ao assistente pessoal. A resposta viria com o nome e o endereço do estabelecimento juntamente com a confirmação da reserva, ou sob forma de uma pergunta do tipo “dado que o mais próximo está indisponível, serve esse outro aqui?”. A bem da verdade, uma ampla classe de problemas demandam as aptidões de um assistente inteligente, um software que pode se comunicar com humanos, entender a situação mapeando os dados à sua disposição num modelo, agir para produzir comportamento útil, e interagir através da produção apropriada de conteúdo comunicante.
Descrito em 1987 pelo então CEO da Apple, John Sculley, em seu livro “Odissey” (em co-autoria com John A. Byrne, e publicado pela Harpercollins), o “Knowledge Navigator” é um conceito de dispositivo futurista que pode acessar um enorme repositório de dados sob forma de hipertexto em rede, e usa agentes de software para assistir na busca por informações bem como na realização de tarefas. À época a Apple produziu alguns videoclips demonstrando a idéia, todos eles exibindo um computador no estilo “tablet” e com diversas aptidões avançadas incluindo excelente compreensão e síntese da fala, além de uma interface por multi-toque.
Trata-se do precursor do conceito de assistente virtual que começam a aparecer como uma realidade dos dias de hoje.
Os chamados “Assistentes Pessoais Virtuais” (em inglês, “Virtual Personal Assistants”, abrev. VPA) representam o paradigma de interação da próxima geração para a internet. No paradigma atual, seguimos os apontadores produzidos pelos engenhos de busca. Com um VPA, no entanto, interagimos sob forma de uma conversação. Emitimos uma solicitação verbal ao assistente, e este se encarrega de empregar os serviços necessários para a realização da tarefa. Além do mais, tal qual um verdadeiro assistente, um VPA é pessoal, e portanto utiliza as informações sobre as preferências, a localização e a história de interação do usuário para levar a bom termo a solicitação recebida, acumulando conhecimento ao longo do processo.
Lançado no início de 2010 e recentemente adquirido pela Apple, o Siri, que produz o aplicativo de mesmo nome para o iPhone, é o que se pode chamar de “engenho do fazer”, ao invés de “engenho de busca”. Ao processar sua solicitação verbal disparando requisições aos melhores serviços disponíveis na internet por meio de API’s (“Application Programming Interface”), de modo a cumprir o papel de assistente da melhor forma possível, o VPA se vale de um núcleo de tecnologia de inteligência artificial que tem tudo para produzir um enorme impacto no futuro da internet. Constituído de três componentes essenciais para o bom desempenho de assistente pessoal virtual (uma interface conversacional, um módulo de consciência do contexto pessoal, e um agente de delegação de serviços), o Siri permite a conversação bidirecional através da fala, de palavras e frases digitadas, e de uma interface gráfica. Verdadeiramente impressionante é seu conjunto (patenteado) de algoritmos de delegação de serviços: combina diversos atributos sobre cada provedor de serviços, incluindo escores de qualidade, classificações refinadas para aptidões específicas, medidas de velocidade, bem como limitações geográficas, com vistas a planejar e executar uma estratégia ótima para lidar com a solicitação do usuário.
Concebido como um subproduto do projeto CALO (“Cognitive Assistant that Learns and Organizes”) realizado pelo SRI International, com financiamento da Agência DARPA do Ministério da Defesa dos EUA, e considerado como o maior esforço de pesquisa em Inteligência artificial da história do país, o Siri tem sido citado como uma das indicações dos rumos da busca na internet: o desafio de criar um assistente digital eficaz e verdadeiramente útil na medida em que é capaz de entender exatamente o que o usuário deseja, e exigindo o mínimo de esforço de comunicação da parte do usuário.
É fato que há uma relação direta entre simplicidade e o engajamento do usuário na internet. Menos cliques significa mais usuários. Quando combinados com ferramentas cada vez mais acessíveis como smartphones, os chamados “assistentes virtuais” deverão levar a interação com o usuário em direção a um comércio eletrônico, um consumo, e um modelo de colaboração com bem mais fluidez. Mais cedo do que imaginamos, vamos poder pegar o telefone e começar a pedir ao assistente virtual coisas como “me leve ao portal da Globo.com”, “mande um exemplar do último livro de Stephenie Meyer para minha sobrinha”, “avise a Paulo que vou chegar 20 minutos atrasado”, e assistiremos a isso tudo acontecer. O fato é que à medida que a interação fica mais fácil e natural, diminuem as barreiras para a utilização do aparelho celular para realizar tarefas complexas. Além do mais, a conectividade e a velocidade de transmissão de dados das redes de telefonia móvel deverão possibilitar ao aparelho celular repassar as tarefas que requerem maior inteligência e maior poder computacional a servidores remotamente localizados, sem prejudicar a viabilidade da resposta ao usuário em tempo hábil.
Levando-se em consideração que o aparelho celular tende a estar sempre em nosso poder, a combinação de simplicidade, oportunidade de impulso, contexto, e preferência deverá dar origem à mais explosiva oportunidade de mercado em décadas. E nesse mercado praticamente todos se beneficiarão: se por um lado os usuários clicam menos pois a comunicação oral prevalece, levando a uma interação de melhor qualidade, por outro lado, os provedores de serviços são mais solicitados e processam mais transações.
Por outro lado, ao cidadão resta saber se vale a pena deixar que o assistente pessoal virtual saiba tanto sobre si a ponto de atingir o máximo de eficácia com o mínimo de esforço de comunicação. Afinal de contas, permitir um grau de intimidade com qualquer assistente, ainda que digital, deverá demandar do cidadão a entrega de uma tremenda quantidade de informações pessoais, o que traz à tona a questão da confiança. A quem deveríamos confiar informações sensíveis sobre nós mesmos?
Em seu livro “Net Worth” (Harvard Business Press, 1999) John Hagel III e Marc Singer introduzem o conceito de “infomediário”, alguém a quem você confia informações privadas sobre você, e que agiria tanto como uma espécie de porteiro quanto como um tipo de filtro nas suas futuras escolhas de consumo. Tal qual já o fizeram Hagel e Singer em 1999, vale a pena especular sobre que tipo de organização pode emergir como o infomediário. Talvez, dada a promessa de facilitar a vida do cidadão contemporâneo, os aplicativos baseados nas nuvens que dão suporte aos assistentes pessoais virtuais, serão os mais fortes candidatos a assumir esse papel.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE