terça-feira, 14 de abril de 2009

Economia do Link

ARTIGOS ESPECIAIS

14/04 - 00:30

Economia do Link

São Paulo, 14 de abril de 2009 - Sinal dos tempos, uma das mais tradicionais agências de jornalismo e produção de conteúdo de notícias, a Associated Press (AP), num tom típico de uma indústria em estado de desespero e temor pela própria sobrevivência, anunciou na última 2ª feira (06/04/09) que “tomaria as ações legais e legislativas” contra os chamados agregadores de notícias que usassem conteúdo sem permissão. O anúncio, divulgado após a decisão tomada por seu conselho de administração, não dá nome aos bois, mas a especulação mais óbvia é de que a Google é o principal alvo. Embora a gigante do engenho de busca pague à AP para hospedar versões completas de matérias do serviço de notícias pela internet, em geral ela não tem contratos com os noticiários membros da AP cujas manchetes ela também agrega em seu portal de notícias. Como parte da estratégia, a AP pretende "desenvolver um sistema para rastrear conteúdo distribuído online para determinar se está sendo usado legalmente", além de novas páginas de busca controladas pela AP.

Empreendendo um ataque aberto aos defensores de uma reformulação do direito autoral com base no conceito de “uso razoável” (em inglês, “fair use”, cf. a Wikipedia “é uma doutrina na lei do direito autoral dos Estados Unidos que permite o uso limitado de material protegido por direito autoral sem a exigência de permissão dos detentores dos direitos, tais como o uso acadêmico ou para efeito de resenha), Dean Singleton, chairman da AP, declarou no encontro anual da AP em San Diego na 2ª feira: “Não podemos mais ficar esperando e assistindo outros levarem nosso trabalho sob teorias legais malconduzidas”. Conforme John C. Abell (“AP to Aggregators: We Will Sue You”, 06/04/09), tem se tornado uma noção populista entre muitos da indústria de que agregadores que tomam uma manchete e um parágrafo estão tomando algo de valor, se não literalmente roubando, e não operando sob uma exceção de “uso razoável”, muito embora estejam atraindo tráfego para a fonte. Recentemente a retórica contra a Google atingiu níveis nunca vistos, com o chairman da News Corp, Rupert Murdoch, declarando: "A questão é, deveríamos estar permitindo à Google roubar todos os nossos direitos autorais ... roubar não, mas levar? Não só eles, mas a Yahoo."

No calor da repercussão do anúncio da AP, Arianna Huffington (nascida Ariánna Stassinópulos, colunista, autora e escritora de séries de TV que fundou um projeto online chamado “The Huffington Post” que provou o poder dos blogs e conseguiu atrair escritores célebres, de John Kerry a Jamie Lee Curtis) e Tom Curley (CEO da AP), estiveram em debate no programa de Charlie Rose na 4ª feira (08/04/09) em torno do tema “como o jornalismo será distribuído na era digital e que novos modelos podem emergir”. Em seu blog no portal HuffingtonPost.com, Huffington chama a atenção para a chamada “economia do link”: “À medida que os jornais continuam a quebrar e falir, o óbvio benefício especialmente da Google — direcionar multidões de tráfego de volta ao portal original — está sendo cada vez mais embaçado pela raiva e inveja dos executivos dos jornais da capacidade da Google de monetizar a agregação ao máximo enquanto que não paga nada para a criação do conteúdo.”

Declarando-se surpresa com a descrição que Tom Curley faz do que ele chama de "a experiência da internet" como sendo "uma bomba. Competição ilimitada, estoque ilimitado, uma má experiência do cliente," Huffington diz que, ao contrário, será que alguém consegue argumentar seriamente que esse não é um tempo magnífico para os consumidores de notícias que podem navegar na rede, usar engenhos de busca, e visitar agregadores de notícias para acessar as melhores estórias de incontáveis fontes de todo o mundo – estórias que estão atualizadíssimas, e não apenas distribuídas uma vez ao dia? As notícias online também permitem que os usuários imediatamente comentem sobre as estórias, assim como interajam e formem comunidades com outros comentadores. “Os hábitos do consumidor mudaram dramaticamente. As pessoas se acostumaram a obter as notícias que desejam, quando elas desejam, como desejam, e onde as desejam. E essa mudança chegou para ficar”, afirma Huffington. Ao ouvir de Tom Curley que a AP busca proteger parte do conteúdo de sua produção jornalística, somente permitindo acesso pago, sua reação é tão imediata quanto negativa: “embora, em boa medida, a indústria da notícia tenha se adaptado apropriadamente a essas mudanças, ainda há quem queira agir como se os últimos 15 anos não tivessem acontecido, como se ainda estivéssemos na antiga economia do conteúdo ao invés da nova economia do link, e que a sobrevivência da indústria da notícia na era da internet virá através da ‘proteção’ de conteúdo por trás dos chamados ‘jardins murados’ (em inglês, ‘walled gardens’).” Insistindo na necessidade de adaptação da indústria da notícia às mudanças radicais trazidas pela internet, Huffington cita seu compatriota, o grego Heráclito, que já dizia há 2.500 anos: “você não consegue pisar no mesmo rio duas vezes”. E lembra o que disse Charlie Rose após ouvir seus argumentos: “Vimos o futuro e ele está aqui. É uma economia ‘linkada’. É engenhos de busca. É anúncio online. É aí onde o futuro está. E se você não consegue encontrar seu caminho até isso, então você não consegue achar seu caminho.” A grande sacudida pela qual está passando a indústria da notícia é o resultado de uma tempestade perfeita de tecnologia transformativa, do advento de iniciativas como a Craigslist (listas comunitárias de anúncios de uso gratuito, e de grande alcance e popularidade), mudanças de geração na forma pela qual as pessoas encontram e consomem notícias, e o duro impacto que a crise econômica tem tido na indústria do anúncio.

Já em Outubro de 2008, numa matéria para o New York Times (“Mainstream News Outlets Start Linking to Other Sites”, 12/10/08), Brian Stelter relatava que as agências de notícias demonstravam uma tendência para abraçar o “ethos do hiperlink” num grau nunca dantes visto, tornando-se cada vez mais confortáveis em apontar para competidores – agindo, na verdade, como agregadores. Citando experimentos realizados por ninguém menos que The Washington Post, NBC e New York Times, como exemplos do chamado “jornalismo de link”, idéia que já à época ganhava força no meio jornalístico, a matéria lembra que havia anos que jornais, estações de TV, portais Web e revistas hesitavam em apontar para portais externos pois, segundo se acreditava, era preciso manter os usuários nos seus próprios portais. Quanto mais visitas às páginas da organização e quanto maior o tempo gasto no portal da empresa, maior seria a receita de anúncio online. Porém, como disse Scott Karp, jornalista-chefe do portal Publish2.com e autor do termo “jornalismo de link”, a Google é uma refutação direta dessa crença: tudo o que faz é mandar as pessoas para outros portais, e faz isso tão bem que as pessoas continuam voltando. Outro grande defensor do jornalismo de link, Jeff Jarvis, um blogueiro proeminente (“BuzzMachine.com”) que coordena o programa de nova-mídia da “Escola de Pós-Graduação em Jornalismo” da City University of New York, já disse que a cultura de ‘linkar’ estava criando uma “nova arquitetura de notícias.” “Linke para o bom material do outro da mesma maneira que você gostaria que ele(a) linkasse para o seu bom material,” é um dos mandamentos que Jarvis propôs em Junho passado. Em uma palestra em Julho de 2008 num evento realizado no Berkman Center (Harvard) sobre “economia do conteúdo versus economia do link”, os imperativos da economia do link foram delineados da seguinte forma: (1) todo conteúdo deve ser transparente: aberto na web com links permanentes de modo que possa receber links (não é conteúdo até que esteja ‘linkado’); (2) o recipiente de links é o responsável por monetizar a audiência que ele traz (no velho modelo de redifusão (do inglês, “syndication”) da economia do conteúdo, o criador vende conteúdo a um outro e aquele que redifunde tem que vir com a receita de anúncio ou circulação suficiente para pagar por ele. Agora na economia do link, isso é revertido: quando você obtém tráfego, você precisa descobrir como se beneficiar dele. Como disse Doc Searls no evento: trata-se de uma mudança de “fazer dinheiro com” para “fazer dinheiro por causa de”); (3) links são uma chave para a eficiência; (4) Existem oportunidades para adicionar valor em cima da camada de link (Aqui é onde se pode encontrar oportunidades de negócio: administrar abundância ao invés do velho modelo de administrar escassez. O mercado precisa de ajuda para encontrar o bom material; essa “curadoria” é uma oportunidade de negócio. Há também uma oportunidade de adicionar contexto. Igualmente, há a necessidade de adicionar relato e novo conteúdo e informação em cima da ecologia do link. Existe também a necessidade de criar infraestrutura para ‘linkar’. Finalmente, há uma necessidade gritante de infraestrutura para anúncios e redes para ajudar os recipientes dos links a monetizá-los.).

Em um artigo mais recente (“1. Solve journalism’s data problem. 2. Kill the AP. 3. Invest in the next market “, 08/04/09), Jarvis argumenta que se toda notícia carregasse uma chave identificando a reportagem original, agregadores como o GoogleNews e o Daylife poderiam dar precedência e ‘linkar’ para aquele jornalismo na sua fonte, contribuindo com apoio àquela reportagem original na economia do link. Segundo ele, o problema hoje é que os agregadores favorecem o frescor da notícia,mas a estória mais recente num cluster em torno de um tópico é frequentemente a 87ª reescrita das notícias e é usualmente da AP, que corta os links e o crédito para o jornalismo original. Os agregadores trabalham com “pools” de fontes limitados (mesmo que grandes), e em um universo pequeno o mau comportamento pode ser monitorado e naturalmente punido. Na estrutura da economia do link, é de responsabilidade do veículo cuja matéria tem precedência monetizar aquela audiência. Isso poderia ser ajudado, no entanto, por um ambiente de mercado que apoiasse a redifusão reversa, que poderia enviar tráfego para o jornalismo original e até mesmo compartilhar receita com aqueles que enviam links para ele. Se a AP realmente quisesse ajudar a dar apoio ao jornalismo original, diz Jarvis, ela construiria esse ambiente de mercado – e deixaria de reescrever, homogeneizar, e anonimizar todas as notícias de seus membros. Ou, quando fizesse isso, deveria dar crédito e links às fontes, uma necessidade moral na economia do link. Por fim, após considerar que as declarações de Tom Curley (CEO da AP) sobre a criação de um portal para abrigar suas notícias soam como uma tentativa de competir com a internet como um todo, e que faria mais sentido dar mais importância ao trabalho original dos jornais através do tecido da própria internet, Jarvis conclui que o problema é que a AP parece não caber na economia da internet, e, portanto, está tentando amoldar o futuro a seu modelo e se apresentar como um Dom Quixote lutando contra moinhos de conteúdo.

Por mais que soe como clichê, o fato é que na economia da internet, a moeda é a informação e o conhecimento, e a economia do link parece oferecer um arcabouço conceitual apropriado para se pensar a nova mídia e a economia em que ela se insere, i.e., a economia digital. E, como diz Jarvis num outro artigo (“Why Google should want Twitter: Currency”, 04/04/09), quando se analisa o valor de empresas na economia digital, é importante descobrir o valor de seu conhecimento: a Amazon é uma empresa de conhecimento pois fazer entrega de livros e mercadorias é o preço que ela paga para saber mais que qualquer outra empresa sobre nossos hábitos de compra; a Google sabe mais sobre o que estamos buscando, e com o Google Maps também está tentando ser a empresa que sabe mais onde estamos; a Facebook sabe mais sobre nossos relacionamentos e amizades; e a Twitter está caminhando para saber mais sobre o que estamos fazendo momentaneamente.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil (São Paulo), 14/04/09, 00:30hs,

http://gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2442866,408,100,1

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