sábado, 11 de fevereiro de 2012

Startups escaláveis e a experimentação com modelos de negócio


Startups escaláveis e a experimentação com modelos de negócio

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Indo além do impressionante histórico de geração de riqueza através da criação de produtos tecnologicamente inovadores invariavelmente baseada no conhecimento científico agregado pela intensa participação da academia, o Vale do Silício parece estar inaugurando uma nova fase na fabulosa transformação da humanidade que se processa sobretudo desde os tempos de Bob Noyce e os pioneiros da revolução digital. Trata-se da aplicação do método científico ao desenvolvimento de modelos de negócio. Experimentação, definição e aplicação de métricas, tentativa e erro, redução da incerteza, desenvolvimento e refinamento de modelos, tudo o que tem sido até agora aplicado ao desenvolvimento de produtos, passa a ser usado na criação e na validação de modelos de negócio. E o objetivo é bem claro: reduzir a mortalidade dos empreendimentos nascentes de inovação tecnológica, as chamadas “startups”, maiores responsáveis pela criação de novos postos de trabalho nos EUA, e pela espetacular capacidade de geração de riqueza que faz daquela região da Baía de San Francisco uma referência mundial no que concerne à alavancagem de empreendimentos baseada na exploração do conhecimento científico na criação de valor econômico.
É bem verdade que o termo “startup” tem um significado especial no Vale do Silício: ao invés de simplesmente “empresa nascente”, que em geral se refere a novas e pequenas empresas com modelo de negócio conhecido, o que prevalece ali no território da inovação tecnológica é o sentido mais ambicioso traduzido no acréscimo do adjetivo “escalável”. Uma startup escalável busca atender a demandas de larga escala, a “transformar o mundo” com a oferta de serviços ou produtos inovadores, ainda que não esteja bem claro para seus fundadores como viabilizar o empreendimento. Tipicamente, uma startup requer capital de risco, e, diferentemente de uma empresa nascente não-escalável, consegue atrair esse tipo de capital em razão do alto retorno que tende a dar a seus investidores. “Uma startup é uma organização temporária utilizada para buscar por um modelo de negócio escalável e reprodutível”, é como define Steve Blank em sua palestra “The Democratization of Entrepreneurship”, em 02/03/2011 na Conferência sobre Empreendedorismo, realizada na Graduate School of Business, Stanford.
Em tempos de diminuição das barreiras tradicionais para se atingir escala, de abreviação dos ciclos de vida de produto, e de redução dramática dos custos de se iniciar novos negócios na área de tecnologia da informação, é natural que as oportunidades para o empreendedorismo tenham se expandido. Em sua palestra, Steve Blank, autor do bestseller “The Four Steps to the Epiphany” (Cafepress.com, 2005) e co-autor (com Bob Dorf) do ainda a ser lançado “The Startup Owner's Manual” (K & S Ranch, Março 2012) e uma autoridade mundial no modelo de empreendedorismo conhecido como “Desenvolvimento de Cliente” (em inglês, “Customer Development”), faz questão de enfatizar que startups buscam por modelos de negócio, enquanto que empresas já existentes os executam. Daí, para maximizar as chances de sucesso de uma startup é preciso experimentar com modelos de negócio, e testar continuamente o produto ou serviço, adaptando e ajustando antes que sejam desperdiçados recursos preciosos (capital, tempo, esforço humano) para se produzir algo que não terá clientela. Ao invés de adotar a tradicional estratégia de seguir um plano de negócio e trabalhar em modo sutil até que o produto idealizado esteja completamente disponível, o método de Desenvolvimento de Cliente preconiza mais agilidade: uma vez obtido um “produto mínimo viável” (“minimum viable product”), é importante “sair do prédio” para buscar feedback do cliente sobre o produto, suas características e funcionalidades, iterando e pivotando produto e modelo de negócio à medida que se aprende com o processo.
Como diz Eric Ries, empreendedor e autor do recém-lançado e já bestseller “The Lean Startup: How Today's Entrepreneurs Use Continuous Innovation to Create Radically Successful Businesses” (Crown Business, Setembro 2011), a maioria das startups fracassam, e uma grande parte das que sobrevivem acaba sendo adquirida por empresas maiores. Porém, ao que tudo indica, a maioria desses fracassos são evitáveis, e quase sempre seu calcanhar de Aquiles é a falta de clientes, independentemente da qualidade do produto. Aliás, muitos são os especialistas que têm chamado a atenção para o fato de que excelentes produtos estão se tornando cada vez mais uma commodity. Sendo assim, a combinação de excelentes produtos com ótimos modelos de negócio é que fará a diferença no mundo competitivo da inovação tecnológica.  
Segundo Ries, “uma startup é uma instituição humana desenhada para entregar um novo produto ou serviço sob condições de extrema incerteza”. Daí, a fórmula “lean”, com sua ênfase na constante busca por um casamento perfeito entre o produto e o cliente, baseia-se essencialmente na idéia de que startups são hipóteses, e que é preciso aplicar “o método científico na identificação da oportunidade de mercado.” O redirecionamento do produto em resposta a resultados não exatamente positivos faz parte do que se denomina de “pivô”: mudando a estratégia sem mudar a visão, nas palavras de Ries.
O problema é que a falta de uma definição precisa do que é um modelo de negócio dificulta a criação de ferramentas de experimentação. Justo com o intuito de preencher essa lacuna, é que Alexander Osterwalder, em sua tese de Doutorado intitulada “The Business Model Ontology - A Proposition in a Design Science Approach” (Universidade de Lausanne, Suíça, 2004), propõe uma ontologia de modelos de negócio definindo a semântica e os relacionamentos entre nove elementos básicos: segmentos de cliente, proposição de valor, canais, relacionamentos com o cliente, fluxos de receita, atividades, recursos, parceiros, e estrutura de custo. Com isso deu um grande passo para, não apenas transformar em algo mais concreto o conceito de modelo de negócio, mas também prover os subsídios necessários para a criação de ferramentas de software para manipulação e teste de modelos de negócio.  O material da tese acabou evoluindo para um texto menos carregado de linguagem acadêmica no bestseller “Business Model Generation: A Handbook for Visionaries, Game Changers, and Challengers”, de Alexander Osterwalder e Yves Pigneur (Wiley, Julho 2010). Recorrendo a uma linguagem visual, os autores definem uma diagramação específica desses elementos ontológicos numa página à qual se referem como “business model canvas” (“tela de modelo de negócio”), e daí estabelecem uma ferramenta gráfica para sistematicamente criar, representar, experimentar, avaliar e validar modelos de negócio.
Durante sua palestra “Tools for Business Model Generation”, em 26/01/2012 na Entrepreneurial Thought Leaders Lecture Series, Stanford, Osterwalder demonstra como, com auxílio de um aplicativo para iPad, é possível experimentar com modelos de negócio de uma forma descomplicada: desenhar, testar, criar e validar hipóteses, tudo isso através de uma linguagem visual de fácil entendimento. Tal qual ocorre na prática da pesquisa científica, a experimentação de hipóteses acompanhada de mecanismos de validação permite que padrões sejam revelados, correspondendo, nesse caso, às categorias de modelos de negócios.
Seria essa disponibilização de ferramentas automatizadas de geração e experimentação de modelos de negócio um divisor de águas no quesito “democratização do empreendedorismo”?


Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Um comentário:

  1. >> Seria essa disponibilização de ferramentas automatizadas de geração e experimentação de modelos de negócio um divisor de águas no quesito “democratização do empreendedorismo”?

    Acho que não.

    E sobre startups, já leu Rework?
    http://37signals.com/rework/

    Um dos capítulos se chama: Start a business, not a start-up

    Acho besteira e, de certa forma, enganação, criar empresas para serem vendidas. Empresas que atingem grande valorização sem dar lucro (exemplo atual: Groupon).

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