domingo, 15 de março de 2009

Responsabilidade com a Privacidade do Consumidor é Bom Negócio

ARTIGOS ESPECIAIS

14/03 - 19:00

Responsabilidade com a Privacidade do Consumidor é Bom Negócio

São Paulo, 14 de março de 2009 - As redes sociais na internet se constituíram em 2008 no grande fenômeno do mercado consumidor na escala global. Estima-se que dois terços da população da internet visitam uma rede social ou portal de blog, e o setor pode estar representando cerca de 10% do tempo total de uso da internet. Em função do crescimento do tempo dedicado às redes sociais estar acontecendo numa taxa dramaticamente maior que a média dos outros setores da internet, a fatia correspondente às redes no uso total da internet tem crescido rapidamente. Em alguns países, a parcela correspondente a “Comunidades baseadas em Membros Inscritos” mais que dobrou, segundo um relatório recente da Nielsen Online: na Suíça, por exemplo, saiu de 3% para 9,3%; no Brasil, passou a 25%; no Reino Unido 1 em cada 6 minutos (um ano atrás era 1 em cada 13); e na Itália 1 em cada 7 minutos (1 em 14 no ano anterior). À medida que a indústria online e o valor da “propriedade cibernética” (em inglês, “online real-state”) é cada vez mais medida pelo tempo gasto ao invés de pelo número de páginas vistas, pode começar a ser observado um deslocamento significativo na receita da mídia “tradicional” online para a chamada mídia social, isso se a indústria das redes sociais encontrar o modelo apropriado para tirar proveito dessa tendência.

Segundo o relatório da Nielsen Online, as indústrias globais de mídia e propaganda se deparam com novos desafios em torno das oportunidades e dos riscos que esse novo veículo cria. As redes sociais representam competição aos veículos tradicionais pela atenção do consumidor ao mesmo tempo em que servem de facilitadores para que veículos e anunciantes se conectem a suas audiências. E aí surge naturalmente a questão: de que forma precisam mudar suas estratégias conforme o novo cenário? O engajamento do consumidor nas redes sociais tem o potencial de mudar a forma pela qual os consumidores são “alvejados”, não apenas através do meio digital, mas também por meio de outras formas de mídia tradicional. Se, por um lado, uns poucos bilhões de dólares de receita não podem estar errados, a sabedoria predominante é a de que o atual nível de atividade de propaganda em redes sociais não está par a par com o tamanho – e níveis altamente engajados – da audiência. As redes sociais e a indústria da propaganda ainda não encontraram aquela fórmula mágica para fazer isso acontecer.

No momento a indústria se depara com uma situação do tipo “cachorro mordendo o rabo”. Parte do extraordinário crescimento do número de membros da Facebook é devido a seu design leve e com pouca propaganda; consequentemente, o crescimento da audiência não tem sido acompanhada por uma aumento proporcional na receita proveniente de anunciantes. Por outro lado, a abordagem da MySpace mais voltada ao entretenimento e à personalização da aparência – inclusive carregando mais propaganda – tem sido mais bem sucedida na atração de receita de anunciantes, e ainda assim a audiência da MySpace é avaliada como decrescente.

Porém, conforme Eric Eldon em seu artigo “Your mom is leaving MySpace for Facebook (but you aren’t)” publicado no portal Venturebeat (13/03/09), apesar da MySpace ter aparecido ultimamente como tendo seu tráfego estagnado, se não em declínio, no seu território base (EUA), a verdade é mais sutil: o tráfego total da MySpace sofreu um grande abalo no último ano — uma queda de 28% dos 72,92% do mercado americano de redes sociais um ano atrás para 52,21% em Fevereiro último, de acordo com os novos índices da empresa Hitwise. E, é claro, a Facebook nesse interim cresceu 149% de 14,46% do mercado para 36,03%. Mas o que está acontecendo parece mais um deslocamento demográfico que o juízo final para a MySpace: no momento ela continua sendo o melhor caminho para se chegar a adolescentes e adultos jovens. A MySpace na verdade cresceu 1% entre os usuários de 18 a 24 anos. A maior queda foi no grupo de idade mais avançada. A Facebook já reportou que teve crescimento grande entre os maiores de 30. Como provável resultado desse crescimento a fatia dos membros entre 18 e 24 na verdade caiu 27%, de 40,14% dos membros para 29,22%. Por outro lado, a Facebook já havia dito que um dos grupos que mais cresceu na sua comunidade de membros foi o de mulheres maiores de 55 anos. Por essa razão, Eldon intitula seu artigo “sua mão está deixando a MySpace pela Facebook, mas você não”.

Independentemente de grupo ou faixa etária, a verdade é que as recentes tecnologias de armazenamento e análise do padrão de atividades dos consumidores na internet têm revelado uma perspectiva alvissareira aos diversos atores da sociedade de consumo: o marketing se revela mais eficaz quando é focado, e chega exatamente ao seu destino pretendido. A situação é descrita pelos entusiastas como “ganha-ganha-ganha”: quem deseja comprar recebe sugestões de consumo conforme suas atividades de navegação na rede; quem quer vender maximiza o retorno no investimento pois a mensagem chega precisamente ao seu público alvo; quem publica tem maior valor agregado ao seu serviço, dada a eficácia esperada. Por outro lado, essa mesma tecnologia também pode trazer riscos aos direitos do consumidor, especialmente quando se trata do direito à privacidade e à liberdade de expressão. Em seu portal na internet, a American Civil Liberties Union (subsede da Califórnia do Norte, ACLU-NC) diz que quando empregada sem as proteções adequadas, essa tecnologia pode vir a ser uma ferramenta que passa por cima dos direitos constitucionais. Num guia intitulado “Privacy & Free Speech. It’s Good for Business”, a ACLU-NC defende que pode trazer enormes vantagens para a imagem das empresas a tomada de decisões inteligentes e pró-ativas sobre privacidade e liberdade de expressão de seus consumidores.

Conforme declaração em 13/03/09 de Tim Berners-Lee, cientista da computação inglês cuja proposta de um sistema de gerenciamento da informação 20 anos atrás à European Organization for Nuclear Research (CERN) redundou na World Wide Web, rastrear as visitas a portais da internet da maneira como alguns serviços têm realizado pode permitir a construção de um perfil incrivelmente detalhado das pessoas e de seus hábitos. Por isso, o internauta está a cada dia correndo mais riscos de ser rastreado por governos e corporações que desejam montar um perfil de suas atividades. A questão central é o quanto vale a privacidade do cidadão da rede: até que ponto uma rede social tem direito de repassar ao mercado o perfil de compras e de navegação de seus membros, sem que estes declarem estar de acordo com tais termos de serviço. Muitas são as promessas de que é possível aliar o benefício do “anúncio ao-alvo” (em inglês “target advertising”) à preservação da privacidade do indivíduo, desde as provenientes de iniciativas mais consolidadas como a Network Advertising Initiative (da qual fazem parte Google, Acerno, Akamai, BlueLithium, Yahoo!, que trazem a público suas recomendações auto-reguladoras com as quais se comprometem as participantes do consórcio) até as daquelas que se dizem revolucionárias (Phorm, NebuAd, Front Porch) ao propor o armazenamento de informações a partir do provedor e anonimizando o usuário através da substituição de suas informações pessoais identificáveis por números (aparentemente) aleatórios.

Porém, da mesma forma que a noção de responsabilidade social e ambiental entrou de vez na agenda das empresas, assim acontece com a responsabilidade com a privacidade e a liberdade de expressão. Conforme recomenda o guia da ACLU-NC, salvaguardar a privacidade e a liberdade de expressão não é apenas prudente do ponto de vista legal, é também uma sábia política de negócios. Proteger os direitos do usuário também pode gerar resultados imediatos na medida em que isso significa construir fidelidade e confiança da parte do cliente. Com as salvaguardas nos seus devidos lugares, os consumidores tendem a comprar mais online: um estudo de 2000 mostrou que os consumidores gastariam um total de US$ 6 bilhões a mais anualmente na internet se não sentissem que sua privacidade estava em jogo a cada vez que faziam uma transação. Em 2008, uma outra pesquisa demonstrou que 68% das pessoas não se sentiam “de forma alguma confortáveis” com empresas que criam perfis ligando a navegação na internet e os hábitos de compra à identidade do usuário. Outro estudo de 2007 descobriu que os clientes estão dispostos a pagar para proteger sua privacidade e calculavam o valor em aproximadamente 60 centavos de dólar a cada item de 15 dólares. Quando a Google se recusou a revelar os registros de busca ao governo americano, e a Yahoo! se recusou a ceder à pressão do governo francês a banir materiais específicos de seus leilões online, ambas foram consideradas pela imprensa e pelo público em geral como heróis da liberdade de expressão e da privacidade.

Por outro lado, violações à liberdade de expressão e à privacidade podem afetar diretamente a receita de uma empresa. A Facebook perdeu grandes parceiros anunciantes e foi alvo de protestos online de cerca de 80.000 de seus usuários por deixar de fornecer aviso e permissão apropriados para seu serviço de anúncios chamado Beacon que ligava as atividades de internet de um usuário a seu perfil na Facebook. Os planos da NebuAd de rastrear meticulosamente toda a atividade online, ao nível de cada clique do usuário, e aí usar essa informação para anúncio ao-alvo foram totalmente destroçados quando os consumidores acionaram o alarme da privacidade e da liberdade de expressão; como conseqüência, grandes acordos de parceria vieram abaixo, uma investigação de um comitê parlamentar do congresso americano foi iniciada, e o fundador e executivo da empresa renunciou. Na última quarta-feira (11/03/09), a Google anunciou em seu blog oficial que começou a exibir anúncios aos usuários com base em suas atividades online anteriores, na forma do “alvejar comportamental” (“behavioral targeting”), que tem sido utilizado pela maioria dos seus competidores mas que, por razões que acabamos de expor, tem atraído críticas dos defensores do direito à privacidade e de alguns membros do Congresso americano. Por exemplo, Rick Boucher (Democrata, Virginia), membro da Câmara dos Representantes que acaba de assumir a coordenação do subcomitê de telecomunicações, e que deve trabalhar na elaboração de um projeto de lei para tratar da privacidade no ciberespaço, diz que “usuários da internet devem ser capazes de saber que informação está sendo coletada sobre eles e ter a oportunidade de optar por sair do sistema de coleta.” Juntamente com outro membro da casa, Cliff Stearns (Republicano, Flórida), Boucher pretende exigir que portais da Web revelem como eles coletam e usam os dados, e dêem aos usuários a opção de sair de qualquer que seja o sistema de coleta de dados.

Conforme reporta Miguel Heft no artigo “Google to Offer Ads Based on Interests” (NY Times, 11/03/09), já se antecipando às objeções à sua abordagem, a Google anunciou que planeja oferecer novas formas de os usuários protegerem sua privacidade. Em destaque, a Google será a primeira grande empresa a dar a seus usuários a capacidade de ver e editar a informação que ela compilou sobre seus interesses para os propósitos de alvejamento comportamental. Tal qual rivais como Yahoo!, a Google também oferecerá aos usuários a escolha de sair do que ela chama de “anúncio baseado em interesse”. Foram muitos os elogios provenientes de entidades defensoras da privacidade na internet à decisão de dar aos usuários o acesso a seus perfis. E, considerando que é uma empresa líder no mercado de anúncio online, a Google pode estar contribuindo para que se exerça pressão sobre outras empresas para seguir seu exemplo. Alguns consórcios da indústria do anúncio online chegaram a se manifestar positivamente, dizendo que isso pode arrefecer os ânimos dos que clamavam por regulação governamental para o setor.

Trata-se, de fato, de um grande exemplo: tratar com responsabilidade o direito à privacidade e à liberdade de expressão do cliente deverá ser mesmo visto como um bom negócio.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil, 14/03/2009, 19:00hs, http://www.gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2390970,408,100,1

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