terça-feira, 27 de outubro de 2009

A Natureza e a Evolução da Tecnologia

A Natureza e a Evolução da Tecnologia

TER, 27 DE OUTUBRO DE 2009 00:42 IN

27 de outubro de 2009 - Embora cientes de que a tecnologia se faz cada vez mais presente na vida contemporânea, não raro nos deparamos com um sentimento dúbio. Foi devido a avanços tecnológicos que muitas vidas têm sido salvas quando em outras épocas teriam perecido, e certamente é a tecnologia que nos separa da Idade Média, e, naturalmente, da forma como vivíamos há 50 mil anos ou mais.
Hoje a tecnologia é parte integrante do nosso modus vivendi: ora nos traz divertimento, ora frustrações, ora deslumbramento com o que nós humanos criamos, e às vezes indagações sobre o que está fazendo de nossas vidas. Mais do que qualquer coisa, a tecnologia tem moldado o nosso mundo, pois tem sido fundamental na criação de riqueza, no desenvolvimento da economia e da própria interação social. Ainda assim permanece um profundo desconforto, e não é apenas devido ao receio de que a tecnologia cause novos problemas para cada problema que ela resolve. Depositamos confiança de que serão os avanços tecnológicos que farão nossas vidas melhorar, e que resolverão alguns de nossos problemas mais graves, de modo a nos livrar do sofrimento e a garantir o futuro das novas gerações. Não obstante, nossa confiança não está nessa esperança, mas na nossa verdadeira origem que é a natureza. É claro que diante da tecnologia utilizada na terapia regenerativa com células-tronco vem um sentimento de esperança, mas ao mesmo tempo surge um questionamento mais profundo: quão natural é essa tecnologia? Como diz W. Brian Arthur em seu mais novo livro “The Nature of Technology: What It Is and How It Evolves” (“A Natureza da Tecnologia: O Que É e Como Evolui”, Free Press, Agosto 2009), “somos apanhados no meio de duas enormes e inconscientes forças: nossas esperanças mais profundas como humanos residem na tecnologia, mas nossa mais profunda confiança repousa sobre a natureza. Essas forças são como placas tectônicas esfregando inexoravelmente uma contra a outra numa colisão longa e lenta.”
E essa colisão não seria nova, ao contrário, mais do que qualquer outra coisa ela estaria definindo nossa era. “A tecnologia está permanentemente criando as questões e as convulsões dominantes do nosso tempo. Estamos saindo de uma era na qual máquinas melhoravam o natural – aceleravam nossos movimentos, economizavam nosso suor, costuravam nossas roupas – para uma que traz tecnologias que se parecem com ou substituem o natural – engenharia genética, inteligência artificial, dispositivos médicos implantados em nosso corpo.” “À medida que aprendemos a usar essas tecnologias, estamos passando de usar a natureza para intervir diretamente na natureza. E portanto a estória desse século será sobre o choque entre o que a tecnologia oferece e aquilo com o qual nos sentimos confortáveis,” acrescenta Arthur.
Brian Arthur, engenheiro e economista, é um pensador influente em tecnologia, economia, e a chamada ciência da complexidade (a ciência do como padrões e estruturas se auto-organizam), tendo sido recipiente do prestigioso “Schumpeter Prize in Economics”, e do “Lagrange Prize in Complexity Science”. É mais conhecido por seu trabalho sobre o impacto dos retornos crescentes (em inglês, “increasing returns”) nas economias: a lei econômica que regula os negócios modernos baseados no conhecimento tal como o software. Arthur demonstrou como, particularmente nas indústrias orientadas a tecnologia, vantagens iniciais e eventos aleatórios podem levar a posições de monopólio. Sua pesquisa ganhou importância e influência na época do processo anti-truste movido nos anos 1990’s pelo Departamento de Justiça dos EUA contra a Microsoft.
Motivado pelo fato de que certas questões fundamentais sobre tecnologia ainda não dispõem de respostas satisfatórias, tais como ‘de onde vêm as novas tecnologias?’, ‘como funciona a invenção?’, ‘o que constitui inovação e como se chega até ela?’, Arthur apresenta sua teoria sobre as origens e a evolução da tecnologia, oferecendo uma explicação de como as novas tecnologias transformadoras emergem e como a inovação realmente funciona. Segundo ele, a tecnologia evolui tal qual um recife de corais se forma a partir de atividades de pequenos organismos – criando-se a partir de si próprio –, e toda tecnologia é uma combinação de tecnologias anteriores. O recife é um sistema ecológico com muitas espécies, e a tecnologia no sentido mais amplo é uma estrutura em constante mudança feita de milhares de tecnologias discretas, elas próprias compostas de outras tecnologias.
A intenção é estabelecer um arcabouço de uma teoria evolucionária da tecnologia que possa explicar por que certas regiões como Cambridge (Inglaterra) nos anos 1920’s e o Vale do Silício nos dias de hoje agem como viveiros da inovação. Arthur acredita que sem evolução, isto é, sem um sentido de relacionamento comum, tecnologias parecem nascer independentemente e melhorar independentemente. Cada uma delas deve vir de algum processo mental não explicado, alguma forma de “criatividade” ou “thinking outside the box” (expressão em inglês usada para se referir ao pensar diferente, de forma não convencional, ou a partir de uma nova perspectiva, normalmente no sentido de pensamento inteligente, criativo, novo) que a faz existir e a desenvolve separadamente. Por outro lado, com evolução (se nos for dada a chance de descobrir como funciona), as novas tecnologias nasceriam de uma forma precisa a partir de tecnologias anteriores, mesmo que com a ajuda de uma considerável “parteira mental”, e se desenvolveriam através de um certo processo de adaptação bem entendido. Assim, se pudéssemos entender a evolução, poderíamos entender aquele que é o mais misterioso dos processos: inovação.
A busca por uma teoria abrangente da inovação levou a conclusões pouco convencionais, como por exemplo, a de que o relacionamento entre ciência e tecnologia é mais simbiótico do que normalmente se acredita. A visão que prevalece é a de que a tecnologia é a serva da ciência – menos pura, mais comercial – porém Arthur defende que ciência e tecnologia andam juntas numa espécie de co-evolução. Como lembra John Markoff em matéria recente no New York Times (“Rethinking What Leads the Way: Science, or New Technology?”, 19/10/09), considere qual seria o estado da ciência sem o microscópio, o telescópio, ou sem os avanços mais recentes como o seqüenciamento automatizado de DNA. Ainda assim haveria ciência, enraizada na percepção e na razão humanas, mas seria bem menos potente que a ciência moderna, que expandiu tecnologicamente os sentidos através de instrumentos de medição altamente sensíveis, e o intelecto por meio de computadores.
Segundo Arthur, as tecnologias evoluem baseadas na constante e caótica recombinação de tecnologias já existentes. Nessa visão, todas as descobertas tecnológicas surgem como novas combinações de componentes tecnológicos existentes, eles próprios tendo surgido da mesma forma. O progresso científico, assim como o tecnológico, é guiado por humanos buscando por um meio para um fim que já tinham definido. Nesse sentido, o argumento de Arthur se assemelha ao de Thomas Kuhn no clássico e controverso “The Structure of Scientific Revolutions” (“A Estrutura das Revoluções Científicas”, University of Chicago Press, 1962) que explora a idéia das “mudanças de paradigma” para explicar o progresso científico. Segundo Kuhn, as teorias científicas acumulariam gradualmente anomalias à medida em que uma nova evidência se desenvolvesse, até que uma crise levasse a um novo paradigma ou modelo teórico. Kuhn defendia que o avanço científico não é evolucionário, mas sim “uma série de interlúdios pacíficos pontuados por revoluções intelectualmente violentas”, e nessas revoluções “uma visão conceitual do mundo é substituída por outra”. No caso do progresso tecnológico, o mercado faz o papel do árbitro na emergência de novas tecnologias, segundo Arthur.
Trata-se de uma visão profundamente social da inovação: o “inventor solitário” é, na verdade, uma invenção, parte da mitologia econômica americana. O gênio aparentemente é sempre alguém que tem um profundo conhecimento das tecnologias existentes e tem a inspiração de combiná-las de novas maneiras. Por essa razão a economia de alta tecnologia é muito mais sobre o “juntar as peças” do que sobre o refinamento de operações fixadas. A economia está se tornando generativa, conclui Arthur. Seu foco está se deslocando de otimizar operações fixadas para criar novas combinações, novas ofertas configuráveis.
O fato é que a tecnologia representativa de hoje não é mais uma máquina com arquitetura fixa realizando uma função fixa. Ao contrário, é um sistema, uma rede de functionalidades – um metabolismo de coisas-executando-coisas que pode sentir seu ambiente e reconfigurar suas ações para executar apropriadamente: trata-se de uma mudança em direção a sistemas “inteligentes”. No futuro tais sistemas não apenas serão auto-configuráveis, auto-otimizadores, e cognitivos, mas também serão auto-montadores, auto-curadores, e auto-protetores. Arthur chama à atenção para o fato de que no passado esses termos não seriam associados à tecnologia, pois trata-se de termos da biologia. O que acontece é que à medida que a tecnologia se torna mais sofisticada, ela também se torna biológica.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO ( TER, 27 DE OUTUBRO DE 2009 00:44 )



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