segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os Magnatas da Mídia e a Economia de Colaboração

Os Magnatas da Mídia e a Economia de Colaboração

SEG, 19 DE OUTUBRO DE 2009 10:00 IN
19 de outubro de 2009 - Apesar de todos os indicadores apontarem para a necessidade de mudança no modelo de negócios da indústria da mídia jornalística, alguns de seus líderes dão a impressão de que ainda não entenderam o recado. Em um encontro de executivos da mídia jornalística realizado em Pequim no dia 09/10/09, Tom Curley (Associated Press) e Rupert Murdoch (News Corp.) declararam em tom emocional e desafiador que “está na hora dos engenhos de busca e outros que usam conteúdo de notícias gratuitamente começarem a pagar”. Já há algum tempo que algumas empresas de notícias reclamam que sítios como a Google têm feito fortuna a partir de suas matérias, fotos e vídeos sem produzir uma devida compensação às organizações de notícias que produziram o material. “Nós, criadores de conteúdo, temos sido demasiado lentos em reagir à livre exploração de notícias por terceiros sem retorno ou permissão”, afirmou Curley, executivo da AP diante de uma platéia de 300 líderes da mídia. “Serviços de Web do tipo ‘crowd-sourcing’ tais como Wikipedia, YouTube e Facebook têm se tornado destinos preferidos do consumidor para notícias em primeira mão, desbancando sítios da Web de agências de notícias tradicionais. Nós, criadores de conteúdo, temos que agir rapida e decisivamente para retomar o controle de nosso conteúdo,” continuou Curley. Murdoch, por sua vez, afirmou que “os agregadores e plagiadores em breve terão que pagar um preço pela cooptação de nosso conteúdo. Mas se não aproveitarmos o atual movimento pelo conteúdo pago, serão os criadores de conteúdo—as pessoas nesta audiência—que pagarão o preço no final das contas, e serão os cleptomaníacos de conteúdo que triunfarão.”

Numa palestra em Hong Kong proferida poucos dias antes, Curley já havia declarado que a AP estava considerando vender matérias a alguns clientes online exclusivamente por um certo período, digamos meia hora. Atualmente a AP licencia suas matérias e fotografias a muitos dos principais portais da internet, incluindo Google, Yahoo e o MSN da Microsoft, e seu trabalho é usado também por centenas de sítios da Web de propriedade de jornais e redes de notícias.

Por mais compreensível que seja a manifestação de desespero dos magnatas – afinal de contas a indústria passa por um momento difícil – cabe indagar por que, apesar desse “roubo” estar acontecendo há um bom tempo, não foram tomadas providências para evitá-lo? Em matéria no portal da Newsweek intitulada “Rupert Murdoch Says Google Is Stealing His Content. So Why Doesn't He Stop Them?”(“Rupert Murdoch Diz Que A Google Está Roubando Seu Conteúdo. Portanto, Por Que Ele Não A Impede?”, 09/10/09), Weston Kosova sugere que trata-se de bravata, e explica por que. Se visitarmos a Google News ou fizermos uma busca no portal da Google com uma manchete importante (por exemplo, “Obama wins Nobel”), obtemos links para matérias de diversas agências de notícias. Ao clicar nesses links, somos levados àquele portal de notícias onde a matéria está publicada, e que é normalmente recheado de anúncios. Nesse caso, o que fez a Google? Sem clicar no link não vemos a matéria, mas em caso positivo vamos direto ao portal de notícias que originou a matéria. Daí, ao invés de roubar, a Google na verdade forneceu um serviço gratuito que direciona leitores a portais de notícias que talvez não teriam tanto tráfego sem essa “ajuda”. E os magnatas sabem disso, pois se eles de fato achassem que a Google estava roubando e quisessem impedi-la de direcionar todos aqueles leitores a seus portais de notícias sem pagar nada, eles simplesmente impediriam a Google de fornecer os links a seus portais. De fato, a Google não força os sítios a serem incluídos em suas listas de busca. A rigor, os administradores de um sítio podem removê-lo da lista de resultados da Google simplesmente acrescentando a um arquivo de nome “robots.txt”, residente no sítio, duas linhas: “User-agent: Googlebot”, e “Disallow: /”. Dessa forma o sítio se torna invisível à Google. E isso não é nenhum grande segredo. A própria Google explica, em página de seu portal, o procedimento passo a passo para se chegar a esse efeito. Mesmo assim, nem a AP nem a News Corp. tomaram qualquer atitude para impedir que seus sítios apareçam na lista de resultados da Google. A razão é simples: eles sabem que seu tráfego desapareceria do dia para a noite. Ao que parece, eles preferem encontrar um culpado para suas próprias incapacidades de competir num mercado em constante mudança, conclui Kosova.

Em matéria no portal do Center for Internet and Society da Stanford University intitulada “The Hard Truths about Journalism” (“As Duras Verdades sobre Jornalismo”, 08/09/09), Sarah Hinchliff comenta que às vezes as mudanças são tão básicas e revolucionárias que elas podem ser difíceis de reconhecer. Após ter concluído a leitura do livro mais recente do premiado jornalista da Harvard Kennedy School, Alex Jones, intitulado “Losing the News: The Future of the News That Feeds Democracy” (“Perdendo as Notícias: O Futuro das Notícias que Alimentam a Democracia”, Oxford Univ Press, Setembro 2009), Hinchliff sentiu-se lembrada mais uma vez do quão difícil parece ser para as pessoas na indústria da mídia jornalística reconhecer a simples verdade: a internet eliminou a necessidade da mídia de massa. Embora admitindo que o jornalismo profissional ainda seja de inestimável benefício para a sociedade, no seu entender não vivemos mais num mundo onde cidadãos têm necessariamente que depender de um grupo seleto de “porteiros” para repassá-los informação e notícias. Trata-se de uma mudança de paradigma, e enquanto continuar a não ser reconhecido, as visões para o futuro do jornalismo serão fundamentalmente capengas. Assim, no espírito de catarse, Hinchliff enumera quatro princípios que acredita se constituírem nas verdades sobre o ecossistema das comunicações criado pela internet: (1) somos todos jornalistas hoje em dia, pois jornalismo não é mais uma profissão, mas uma atividade; (2) os dias de glória da mídia de massa comercial já se passaram, pois qualquer um pode ser uma fonte de notícias, e portanto os produtores de notícias têm diante de si dois novos obstáculos: competição ilimitada e escrutinabilidade; (3) os chamados parasitas da notícia são bons para a democracia, e portanto soa no mínimo irônico que as organizações tradicionais de jornalismo tenham atirado a pecha de parasita aos agregadores de notícias e blogueiros; (4) precisamos de menos nostalgia e mais inovação, pois a questão de se o jornalismo sério e investigativo pode ou não ser comercialmente sustentável requer inovação, e a simples nostalgia pelos anos dourados de jornalismo não vai levar a lugar algum.

Ironicamente, a indústria da mídia vive o melhor e o pior dos tempos, como diz L. Gordon Crovitz em artigo de opinião no Wall Street Journal intitulado “Media Moguls and Creative Destruction” (“Magnatas da Mídia e Destruição Criativa”, 12/10/09): melhor porque o custo de publicar notícias, vídeo ou distribuir música nunca esteve tão baixo, e pior pois é difícil encontrar uma empresa, seja da velha ou da nova mídia, tem surgido com um modelo de negócios sustentável. Em recente exemplo de contraste entre a supervalorização de empresas da chamada “nova mídia” e a perda de valor da velha mídia: enquanto que a startup Twitter foi avaliada em US$ 1 bilhão, a revista Gourmet, um ícone em sua categoria, anuncia seu fechamento a partir de Novembro deste ano.

O fato concreto é que na era da internet a indústria da mídia está sob extrema pressão, mas há quem diga que não é apenas por causa da internet. A indústria teria cometido alguns erros fatais baseados em estratégias malfadadas de crescimento e convergência. Além disso, a maioria das empresas de mídia têm tido consistentemente um fraco desempenho por mais de uma geração, mesmo antes da internet surgir como uma força competitiva. Várias estratégias de investimento e aquisição criaram o paradoxo de que, em mídia, quanto mais rápido as receitas crescem, pior é o desempenho das ações na bolsa. E aí veio a internet. De 1995 a 2005, as ações da Disney, Viacom, Time Warner, e News Corp. subiram meros 2,5%, enquanto o índice da Standard & Poors subiu 9%. Adicionalmente, o valor de mais de 100 negócios da era digital realizados desde 2000 por Sony, Time Warner, NBC, Disney, Viacom e News Corp. chegaram a um valor praticamente nulo.

Um novo livro intitulado “The Curse of the Mogul: What’s Wrong with the World’s Leading Media Companies” (“A Maldição do Magnata: O Que Está Errado Com As Empresas Líderes da Mídia”, Portfolio, Outubro 2009), escrito por Jonathan Knee, Bruce Greenwald e Ava Seave, todos professores da Columbia Business School, analisa as razões pelas quais a indústria está em tal estado de penúria. Em artigo no Washington Post (“Good Media Moguls vs. Bad Media Moguls”, 14/10/09), o primeiro autor Jonathan Knee, especialista em investimentos na indústria de mídia, diz que os magnatas da mídia têm sido responsáveis por uma destruição de valores sem precedentes durante um longo período de tempo. “Mesmo numa era de derretimento financeiro e resgates governamentais, os mais de US$200 bilhões em perda de ativos durante essa década por apenas três conglomerados de mídia – Time Warner, Viacom (incluindo sua aquisição da CBS) e News Corp. – ainda chega a tirar a respiração,” acrescenta Knee. E continua: “As vantagens de escala mais frequentemente encontradas na mídia digital tendem a vir dos efeitos em rede ao invés dos requisitos de custo-fixo alto das franquias de mídia tradicionais.” Entre as poucas empresas da nova mídia a construir negócios consolidados estão a Google e a eBay, que criaram redes enormes. Isso também justifica as altas avaliações atribuídas a empresas de mídia social como Facebook e Twitter.

Entre os pontos cegos das lideranças da velha mídia, estaria justamente o valor das redes, segundo Jeff Jarvis, uma espécie de “guru” da nova mídia, em matéria em seu blog BuzzMachine.com provocativamente intitulada “The economy of collaboration” (“A economia da colaboração”, 16/10/09). Aos executivos da velha mídia seria urgente perceber o quanto a economia da colaboração agrega valor, cria eficiência, e opera novas “moedas”. Jarvis acredita que esses executivos ainda não se permitiram abrir os olhos para a nova realidade econômica: os imperativos da chamada “economia do link”, a necessidade e o benefício de se renunciar ao controle, as vantagens de se criar plataformas abertas sobre sistemas fechados, a economia da “pós-escassez” e a arte de se explorar a abundância, a necessidade de ser “buscável” para ser encontrado, a deflação que a inovação traz consigo, o valor do gratuito, e o triunfo do processo sobre o produto.

Em referência à afirmação de Curley, executivo da AP, de que “existe um excesso, pelo menos no curto prazo, de nós”, Jarvis diz que isso somente é verdade quando se pensa que se pode “possuir” notícias e o acesso a elas e portanto a seu preço. Mas na economia da colaboração é diferente: todos esses agentes em excesso agregam valor e eficiência. Jarvis acredita que é assim que a Google nos vê, capturando nossos links e cliques para descobrir o valor daqueles trilhões de páginas, e que foi assim que a Wikipedia e a Craigslist criaram seu valor, lidando com confiança e pertinência como uma nova moeda. E continua: “É assim que desejo que as organizações de notícias de nova-geração olhem para nós, como as pessoas que criarão notícias enquanto que as organizações agregam valor às notícias: avaliando, corrigindo, organizando, promovendo, vendendo. As organizações e seus jornalistas então se tornam tão mais eficientes porque trabalham colaborativamente com o público. É assim que elas se tornam sustentáveis e lucrativas novamente. Mas isso acontece somente se você confia e dá valor aos outros e entende a economia da colaboração.”

Tudo isso faria parte de uma nova era capitaneada por uma instituição que parece verdadeiramente entender e prosperar na era da internet: a Google. Em seu livro recente sobre a gigante da busca, “What Would Google Do” (“O Que A Google Faria”, HarperBusiness, Janeiro 2009), Jarvis relaciona entre as novas regras da nova era o princípio de que permitir que os clientes colaborem com você na criação, distribuição, marketing e no apoio a produtos é o que cria um diferencial no mercado de hoje. “Deter a propriedade de canais, pessoas, produtos, ou mesmo propriedade intelectual não é mais a chave para o sucesso. Abertura o é.”

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE )

ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO ( SEG, 19 DE OUTUBRO DE 2009 10:04 )

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