segunda-feira, 19 de abril de 2010

Problemas como Oportunidades e a Força Econômica das Startups


Problemas como Oportunidades e a Força Econômica das Startups

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Nas palavras de quem conduz o empreendimento que está mudando radicalmente o mundo em que vivemos, Eric Schmidt, CEO da Google: “A vida é longa, mas o tempo é curto. A vida é longa no sentido de que temos memória longa. O tempo é curto porque você tem que se mover muito rapidamente. Mas, para mim a coisa mais importante a saber é que a vida tem uma forma de lidar com as coisas.
Esquecemos tão rapidamente qual era o problema três ou quatro anos atrás. Daí, minha visão pessoal da vida é que todo problema é uma oportunidade.” É exatamente nesse espírito que Spencer Ante, blogueiro e comentarista econômico até pouco tempo da BusinessWeek, e hoje Deputy Bureau Chief no Wall Street Journal, em matéria intitulada “Fertile Grounds for Startups” (BusinessWeek, 12/11/09), chama à atenção para o fato de que a história mostra que o empreendedor se alimenta de condições adversas. Ante começa citando o exemplo de Caterina Fake, co-fundadora do portal de compartilhamento de fotos Flickr, adquirido pela Yahoo!, que, aos 40 anos de idade, mesmo com a economia em ritmo de recessão em pleno mês de Junho de 2008 e sem dar sinais de que se recuperaria em breve, deixou um posto executivo confortável na Califórnia para co-fundar uma empresa de internet chamada Hunch em New York que, com base nas experiências de outras pessoas, se presta para ajudar seus usuários a tomar decisões. “O espírito empreendedor floresce em situações de adversidade. O mundo está cheio de mais possibilidades”, diz Fake acrescentando que ama recessões. A aposta da Hunch é que há espaço para uma nova tecnologia de busca, indo além do que oferece o engenho de busca da Google: propiciar respostas com base na chamada “sabedoria das multidões” (em inglês, “wisdom of crowds”). “A próxima fase em busca é um certo casamento de algoritmos de força bruta com conteúdo gerado pelo usuário,” prevê Fake.
Em contribuição como blogueiro convidado do TechCrunch intitulada “Why a Bad Economy Is the Best Time to Start a Business” (10/04/2010), Adam Penenberg (autor do livro “Viral Loop”, Hyperion, Outubro/2009), relata que seu trabalho de investigação cuidadosa sobre os fatores que levaram empresas como Facebook, Twitter, Flickr, e Skype a um crescimento tão volumoso e tão rápido o fez se deparar com o fato de que cada uma delas foi fundada quando a economia estava estagnada, em má situação, ou até mesmo em recessão. Um tanto emblemático é o caso da Hewlett-Packard que, em 1939, nos últimos anos da Grande Depressão, foi fundada em uma garagem por dois engenheiros formados em Stanford. Aliás, o próprio Vale do Silício foi, em grande medida, criado durante período de incômoda recessão em meados da década de 1970. Admitindo que essa seja supostamente uma característica de toda empresa do ramo de internet fundada desde o estouro da bolha da Nasdaq, Penenberg observa que na verdade isso caracteriza algumas das empresas mais bem sucedidas em toda a história. A começar por Procter & Gamble, General Electric, Home Depot, Microsoft, até Apple, todas surgiram num período de depressão econômica e/ou estagflação. Igualmente contrárias à negatividade do cenário econômico vigente, e hoje verdadeiros ícones da industria da tecnologia da informação, Adobe, Lotus, Silicon Graphics, e Sun surgiram e cresceram em meio à recessão de 1982. Além disso, o estouro da bolha da internet em 2001 não impediu que toda uma leva de empresas de internet e mídia social que inclui MySpace, Facebook e Twitter, atingissem valores de mercado na casa dos bilhões de dólares em apenas uns poucos anos.
Como explicar essa resiliência, ainda mais quando se sabe que o volume de investimentos em capital de risco cai dramaticamente quando a economia se encontra em má situação, resultando em menos disponibilidade de financiamento para as startups? Em números concretos, se no auge do entusiasmo em torno da economia da internet em 2000 o total investido em startups chegou a atingir a casa dos US$100 bilhões, em 2008 o volume caiu para US$27 bilhões, caindo ainda mais para US$20 bilhões em 2009 (mesmo patamar de 1998). Penenberg acredita que a explicação está no fato de que em tempos difíceis o dinheiro é gasto mais sabiamente, ou seja, quando a economia passa por um aperto os investidores tendem a gravitar em torno das empresas com planos de negócios (e de receita) bem articulados. Mas há outros fatores determinantes, a começar pela relativa facilidade de atrair e reter os melhores talentos em tempos de maior taxa de desemprego, passando por custos menores em termos de aluguel de escritório, e de contratação de mão de obra. O fato é que as startups continuam figurando como principais agentes da criação de empregos.
A confirmação vem sob forma de dados estatísticos trazidos num relatório intitulado “Where Will The Jobs Come From?”, de autoria de Dane Stangler e Robert E. Litan, publicado pela Ewing Marion Kauffman Foundation em Novembro de 2009. Partindo da observação de que a recessão de 2007 a 2009 se revelou como a pior desde o final da Segunda Guerra Mundial em termos do número de empregos perdidos, o relatório afirma que a chave para a recuperação econômica deverá vir sob a forma de empregos novos a serem criados.  E se propõe a responder a uma pergunta que não quer calar: de onde virão esses novos empregos?
Usando dados de 2007 do United States Census Bureau, os autores avaliam a criação de empregos em termos da idade da empresa ao invés do seu tamanho. Segundo eles, de 1980 até 2005 quase todo o saldo de criação de empregos nos EUA ocorreu em empresas com menos de cinco anos de idade.  Em geral, o acréscimo líquido de empregos de ano para ano vem de três fontes: (1) startups (tecnicamente, empresas de zero anos de fundação); (2) empresas jovens (de 1 a 5 anos de fundação); e (3) as empresas maiores e mais antigas. Existe, naturalmente, o efeito sanfona com a criação de empregos nos extremos mais jovem e mais antigo do espectro de idades das empresas, e essencialmente estável no meio do espectro. Isso não diz tudo, pois não apenas é preciso levar em conta que nas empresas jovens ocorre o vai-e-vem de criação e destruição de empregos como também é necessário prestar atenção à dinâmica interativa entre as empresas mais jovens e as mais antigas. Não obstante, a criação de empregos em startups fundadas em períodos turbulentos é “menos volátil e menos sensível a declínios que a criação de empregos na economia como um todo”, afirma o relatório.
Os dados também mostram que sem startups a criação de empregos da economia americana seria negativa em praticamente todos os anos, com exceção de uns 4 a 5 anos. Uma análise do censo de 2007 sem considerar as startups mostra que empresas jovens ainda são responsáveis por aproximadamente dois-terços da criação de empregos, dando uma média de quase quatro novos empregos por empresa em cada ano.  Segundo os autores, diante desses dados, fica claro que empresas novas e jovens e os empreendedores que as criam são os motores da criação de empregos e da eventual recuperação econômica. Dos 12 milhões de novos empregos criados em 2007, quase 8 milhões se devem a empresas jovens.
Ainda segundo o relatório da Kauffman Foundation, é muito frágil a relação entre o volume de empregos criados em empresas pequenas em um dado setor e o crescimento do setor como um todo em termos do número de postos de trabalho. Por outro lado, há uma relação extremamente estreita entre o crescimento de empregos de qualquer que seja o setor e o desempenho de empresas jovens naquele setor. Definitivamente, empresas jovens são os motores da criação de empregos, conclui o relatório. A separação por idade da empresa, e não seu tamanho, como o puxador da criação de empregos, tem diversas implicações, especialmente para os responsáveis por políticas públicas que insistem na visão de que pequenas empresas são a resposta para um cenário de empregos preocupante. Nesse caso, ao que tudo indica, idade é documento. Sem desmerecer o papel da pequena empresa, analisar empregos em termos do tamanho da empresa parece revelar muito pouco sobre a criação de novos empregos. Seria mais preciso e muito mais revelador, segundo o estudo da Kauffman, discutir emprego em termos da idade da empresa.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

2 comentários:

  1. Muito interessante. O seu artigo vem na linha do que durante anos defendi e defendo e que está comprovado estatisticamente.
    Na União Europeia, a partir de 1988, só as micro e pequenas empresas criaram empregos líquidos.Em Portugal a tendência foi a mesma, tendo-se acentuado coma recessão 2002-2004 e estagnação desta década.

    Sem dúvida que as adversidades produzem reacções em quem tem espírito empreendedor, e que a criação e inovação, são uma forma de afirmação de capacidade e de mudança para quem as produz.
    E num mundo que sofre a maior ruptura desde 1929, sem dúvida que as start-up's inovadoras, que são por natureza globais e sem custos de estrutura, são aquelas que têm potencial de crescimento.

    Permito-me, da minha experiência actual e passada na promoção de start-up's e empreendedorismo, fazer notar que falta acrescentar uma pergunta.
    Porque é que essas empresas citadas são todas sem excepção de países desenvolvidos, com mercados financeiros competitivos?

    É que sendo verdade que a escassez de dinheiro leva a uma maior selectividade nas venture capitals - liderei uma venture Capital que comprou uma empresa inovadora que ainda existe - e revendemos - por 15 vezes menos que a líder de mercado que já faliu!), também não é menos verdade que só em mercados com fortes apostas no venture capital isso foi possível.

    Fiz aliás um estudo, polémico em Portugal, que apresentava uma correlacção evidente entre o grau de crescimento do investimento me start-up's o crescimento do PIB/GDP desses países nos 2/3 anos seguintes.

    Convido-os a visitar o www.ideia-atlantico.pt, que gere rede de centros de negócios e de incubação.
    Em 18 meses, numa economia em estagnação, apoiamos e albergamos mais de 115 empresas, as quais geraram 245 empregos altamente qualificados. Taxa de mortalidade praticamente nula.

    ATENÇÃO: Queremos expandir esta rede para o Brasil.
    E procuramos parceiros que partilhem da nossa visão de crescimento baseado na inovação e na rede internacional de serviços partilhados que estamos a desenvolver.

    Ao vosso dispor

    JCunha
    jrochacunha@gmail.com

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  2. Gostei muito do seu artigo. Queria dar-lhe os parabéns pelo mesmo principalmente pale profundidade académica deste onde o rigor é tão omnipresente no artigo como ausente nas politicas nacionais.

    Tal como venho a defender, o seu artigo aponta orientações para Portugal enveredar um plano de crescimento sustentável que teimosamente O PEC não contempla...

    1) Desemprego continua a escalar em Portugal - tal não pode de forma alguma ser mau... pode ser uma oportunidade para o surgimento de novas empresas geradoras de mais emprego. Parece um paradoxo mas para combater o desemprego não deveriam-se criar novas empresas? Para surgirem novas empresas não deveriamos partir de um elevado indice de desemprego? O que falta para combater o desemprego não são condições para a criação com sucesso de empresas?
    2) Demasiado peso do Estado na nossa economia - mais de 6,6 milhões de portugueses dependem do estado! A nossa cultura sobressai: todos procuram ser Estado dependentes em vez de empreendedores dependentes de si. O futuro da nossa economia passa por alterar este principio. Uma vez mais temos de estar preparados para que este numero diminua talvez para metade... Ou seja, mais desemprego, ou seja mais oportunidades de empreendedorismo que resulta em menos importância do Estado, logo uma economia mais saudável!

    Claro que podemos sempre ficar à espera que seja o estado a criar uma estrutura pró-empreendedorismo mas isso é a cultura nacional que nos tem estagnado...

    A questão centra-se apenas num lado, como empreendedores o que poderemos fazer para tornar esta regra em acção???

    Quando surgirá um movimento de gestores e empreendedores (sem ambições a politicos nem desejos de serem estado dependentes) que venha a alterar o rumo que levamos ainda antes dos alemães aterrarem no aeroporto?

    Pessoalmente estou totalmente disponível para participar em algo desse tipo!

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