segunda-feira, 13 de maio de 2013

Economia Disruptora, Disrupção Digital e Regulação 2.0

Economia Disruptora, Disrupção Digital e Regulação 2.0

SEG, 13 DE MAIO DE 2013 17:57


É marcante a diminuição do nível de investimento mínimo necessário para se criar uma empresa no setor de web para o consumidor, caindo do patamar de milhões para centenas de milhares de dólares. E essa redução da barreira de entrada tem feito da internet tanto causa quanto meio de disrupção em diversos mercados consolidados, a exemplo da indústria fonográfica e da inovação disruptiva representada pela combinação do formato mp3 e da tecnologia de compartilhamento de arquivos via web popularizada pela Napster.

Alguns fatores de alavancagem são mais evidentes para a recente aceleração no processo de disrupção de mercados através de tecnologias digitais: (i) os sistemas aplicativos podem ser hospedados “na nuvem” em servidores da Amazon, da Google, ou mesmo da Rackspace; (ii) os custos de marketing ficaram menores devido à disponibilidade de canais de baixo custo e de alcance amplo, que podem inclusive ser usados de forma mais mensurável e previsível que anteriormente; (iii) as estratégias de vendas e de formação de uma carteira de clientes têm o suporte de plataformas de “software como serviço” e “infraestrutura como serviço”; (iv) os ciclos de desenvolvimento de produto têm se tornado cada vez mais curtos devido a, entre outras coisas, as equipes de desenvolvimento terem ficado menores e mais ágeis; (v) os recursos e o material necessários se tornaram gratuitos ou de baixo custo, sem falar na comoditização da tecnologia; (vi) o surgimento dos novos serviços de combinação com outros serviços já existentes que já propiciam excelente valor na nuvem através de features, dados, efeitos de rede, e API’s.

Vejamos alguns exemplos recentes notáveis.

Em 2011, aos 16 anos de idade, o australiano de cidadania britânica Nick D’Aloisio faz história ao se tornar o mais jovem empreendedor a receber investimento em capital de risco: seu aplicativo Summly, agregador de notícias para a plataforma iOS, recebe uma rodada de capital semente da ordem de 300 mil dólares do magnata Li Ka-shing de Hong Kong e sua firma de investimentos Horizon Ventures. Aos 17, um par de meses após receber mais uma rodada de investimentos, desta vez da ordem de US$1,5 milhões em capital de ventura, vê sua empresa ser adquirida em Março de 2013 pela Yahoo! por cerca de US$30 milhões.

Em 2012, aos 25 e 27 anos, respectivamente, Mike Krieger e Kevin Systrom entram para o clube dos bilionários ao venderem à Facebook sua rede social baseada em compartilhamento de fotografias, a Instagram, que haviam fundado em 2009, para a qual tinham levantado US$50 milhões em investimento de capital de ventura, e atraído mais de 40 milhões de usuários, pela bagatela de US$1 bilhão.

Hoje aos 26 e 29 anos de idade, respectivamente, Adam D'Angelo e Charlie Cheever, dois ex-funcionários da Facebook, se vêem como fundadores de uma empresa de internet chamada Quora, uma espécie de rede social que propicia uma coleção de melhoria contínua de perguntas e respostas criadas, editadas e organizadas por quem a utiliza. Tendo sido criada em 2009, já levantou US$61 milhões em investimentos de capital de ventura, em Julho de 2012 atingiu a marca dos 10 milhões de usuários, e teve seu valor de mercado avaliado em cerca de US$400 milhões.

Fundada em 2007 por empreendedores israelenses, a Waze, criada a partir de um aplicativo de tráfego e navegação social baseada na maior comunidade do mundo de compartilhamento de motoristas em tempo real, já levantou US$67 milhões em investimento, e em Julho de 2012 teve sua carteira de usuários dobrada em apenas 6 meses: de 10 para 20 milhões de usuários. Ao final de 2012, o contingente de usuários já havia chegado a 45 milhões. Em Dezembro de 2010 eram apenas 2 milhões. Conforme publicou o diário de negócios "Calcalist", em 09/05/2013, a Facebook está em negociações avançadas para comprar a empresa por entre US$ 800 milhões e US$ 1 bilhão.

Fundada em 2008 por Brian Chesky, Joe Gebbia e Nathan Blecharczyk, a AirBnB oferece um mercado online para as atividades de férias que conecta os usuários donos de imóveis para alugar com os usuários que procuram alugar o espaço, classificados como "hospedeiros" e "hóspedes". A ideia é que ambos devem se cadastrar no site da AirBnB usando um endereço de e-mail válido para criar um perfil de usuário exclusivo no site. Os perfis incluem detalhes como resenhas de usuários e conexões sociais compartilhadas de modo a permitir construir um sistema de reputação e confiança entre os usuários do mercado. Em novembro de 2012, a empresa já contava com mais de 250 mil anúncios em 35.000 cidades de 192 países. As listas incluem quartos privados, apartamentos completos, castelos, barcos, mansões, casas nas árvores, tipis, iglus, ilhas particulares e outras propriedades. Fundada em 2008, a AirBnB já levantou US$120 milhões em investimento, e teve seu valor de mercado avaliado em US$1,3 bilhões em 2012.

Uber, uma startup de tecnologia baseada em San Francisco está inovando na interseção da tecnologia móvel, serviços de carro com motorista (táxi e serviços semelhantes) e logística. O aplicativo da Uber conecta usuários a motoristas de carros de luxo de aluguel, incluindo limousines. A reserva e/ou chamada de carros é feita através do envio de uma mensagem de texto ou usando o aplicativo móvel. Utilizando esse aplicativo, o cliente pode rastrear a localização do carro que solicitou. Além do mais, o aplicativo gerencia um sistema de reputação: motoristas e clientes se avaliam mutuamente após cada viagem, de modo a contribuir para melhorar a experiência tanto para o motorista quanto para o cliente. A política de preços da Uber é semelhante à dos táxis, embora toda contratação e pagamento é feito exclusivamente através da Uber e não diretamente com o motorista. Ao perceber que está enfrentando a concorrência de startups de compartilhamento de transporte privado de baixo custo em tempo real, tais como Lyft e SideCar, a Uber decidiu que, para competir em níveis de preços mais baixos, seria preciso lançar o UberTaxi (parcerias com associações de táxi local) e o UberX (carros não de luxo, como Toyota Prius Híbrido). Fundada em 2009, porém com o aplicativo oficialmente disponibilizado somente em 2010, a Uber já levantou 50 milhões de dólares em investimentos de capital de ventura, e já tem 60 empregados.

O termo “disrupção” figura no Houaiss como “ato ou efeito de romper(-se)”. Na Wikipédia, a expressão “inovação disruptiva” (em inglês, “disruptive innovation”) é descrita como “uma inovação tecnológica que ajuda a criar um novo par ‘mercado e rede de valor’, e eventualmente, passa a “disromper” um mercado e respectiva rede de valor já existente (ao longo de alguns anos ou décadas), tomando o lugar de uma tecnologia mais antiga.

Em seu best-seller “The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail” (Harvard Business Press, 1997), Clayton Christensen, Professor da Harvard Business School, descreve como uma inovação disruptiva se caracteriza como um avanço tecnológico que cria um novo mercado de valor, e no processo disrrompe e substitui, i.e., desloca, um mercado existente. Utilizando exemplos que vão desde a indústria da unidade de disco até o mercado da escavadora hidráulica, Christensen mostra como a disrupção começa oferecendo soluções de mais baixo custo ou soluções mais convenientes, e vão gradualmente subindo aos segmentos mais altos e mais lucrativos do mercado, até chegar ao ponto de destruir indústrias estáveis.

Christensen demonstra que as inovações disruptivas tradicionais normalmente levam anos ou mesmo décadas até causar mudanças radicais nos mercados. Como os estudos de caso mostram, a disrupção física requer a manipulação cuidadosa e o alinhamento dos recursos físicos. Os próprios recursos são muitas vezes de alto custo, assim como é a fábrica que produz o novo produto. Tais produtos só podem se tornar rentáveis se ganharem escala, e escala requer um investimento inicial grande para que possa tomar o lugar a preços disruptivos, e isso vale tanto para quem faz uma ratoeira, um leitor de CD, ou um carro elétrico.

Em livro recentemente lançado sobre “disrupção digital” (“Digital Disruption: Unleashing the Next Wave of Innovation”, Amazon Publishing, Fev 2013), James McQuivey adverte que a disrupção digital vai mudar isso. Mas não apenas em software ou aplicativos. Segundo o autor, o poder da disrupção digital é que ela pode disromper qualquer aspecto de qualquer produto ou serviço, incluindo os processos profundamente arraigados dentro das empresas focadas em coisas físicas, processos que regem parcerias, coleta de dados, preços e gestão de recursos de trabalho ou capital.

Disrupção Digital, segundo McQuivey, é o resultado da maciça adoção pelo consumidor das ferramentas e serviços típicos da era digital que os permitem experimentar novas ofertas e benefícios mais rapidamente do que antes. E isso vai exigir que os empresários se adaptem ao novo cenário de consumo “disrompido” à medida em que tentam identificar, preparar e entregar experiências e benefícios de consumo avançados. Na verdade, o poder de disrupção digital se multiplica precisamente porque pode ser aplicado a indústrias que não são sequer digitais. Deste modo, acontece a disrupção digital através de coisas, que, em seguida, aceleram a disrupção das coisas físicas.

Na área de web para o consumidor, a facilidade de montar um “produto viável mínimo” e de experimentá-lo numa escala global, colhendo dados sobre o seu impacto de modo a reagir a esses dados em tempo real, certamente alimenta o ciclo virtuoso, e uma teoria da inovação disruptiva tem se consolidado e ampliado seus horizontes para dar conta de se fazer previsões e propiciar a objetividade metodológica necessária: trata-se da teoria das startups escaláveis e da experimentação com modelos de negócio que está por trás de um verdadeiro movimento de alavancagem (ou revolução?) do empreendedorismo.

Em mais um de seus manifestos em favor do chamado “movimento startup enxuta” (em inglês, “lean startup movement”), Steve Blank em artigo recente no Harvard Business Review (Maio 2013) intitulado “Why the Lean Start-Up Changes Everything” chama a atencão para o fato de que hoje, as forças de disrupção, globalização e regulação estão atravancando as economias de todos os países. Indústrias estabelecidas estão rapidamente fazendo engrossar a lista de postos de trabalho perdidos, muitos dos quais para nunca mais voltar. De acordo com indicadores obtidos em pesquisas estatísticas sobre a origem dos novos postos de trabalho na economia americana, o crescimento do emprego no século XXI terá de vir de novos empreendimentos, por isso todos nós temos todo o interesse em promover um ambiente que os ajude a serem bem sucedidos, crescerem e criarem mais postos de trabalho. A criação de uma economia de inovação, que é impulsionada pela rápida expansão de startups, nunca foi tão imperativa.

Segundo Blank, no passado, o crescimento no número de startups ficava muito restrito devido sobretudo a cinco factores, além da taxa de insucesso: (1) o alto custo de aquisição do primeiro cliente e o ainda maior custo resultante de ter chegado ao produto errado; (2) ciclos de desenvolvimento de tecnologia muito longos;
(3) o número limitado de pessoas com disposição de assumir os riscos inerentes à criação ou ao engajamento em startups; (4) a estrutura da indústria de capital de risco, em que um pequeno número de empresas cada necessários para investir grandes somas em um punhado de startups para ter uma chance de retornos significativos; (5) a concentração de conhecimento sobre como montar startups, que nos Estados Unidos se restringia principalmente às regiões em torno das costas Leste e Oeste.

A abordagem “lean” reduz as duas primeiras restrições, oferecendo uma metodologia científica a novos empreendimentos que pretendem lançar produtos que os clientes realmente desejam, muito mais rapidamente e a custo mais barato do que os métodos tradicionais. A redução do terceiro fator decorre naturalmente do fato de que a metodologia busca exatamente minimizar as incertezas e reduzir o índice de insucesso.

Outra tendência importante levantada por Blank é a descentralização do acesso ao financiamento. O capital de ventura costumava ser um clube restrito de empresas agrupadas no Vale do Silício, em Boston e em Nova York. No ecossistema empreendedor de hoje, novos fundos super-anjo, frequentemente menores do que o tradicional fundo de capital de ventura de cem milhões de dólares, podem fazer investimentos em estágio inicial em um número grande de startups, e gerenciar eficientemente um portfolio de tamanho razoável. Em todo o mundo, centenas de aceleradoras, como a Y Combinator e TechStars, começaram a formalizar investimentos de capital semente. E, aliado a isso tudo, surgem os sites de crowdsourcing, como o Kickstarter, para propiciar um outro canal, mais democrático, de financiamento de startups.

Nem tudo são flores, obviamente. Tal qual toda disrupção disruptiva, a disrupção digital também encontra resistência nos incumbentes, que, regra geral, recorrem aos reguladores para buscar na lei uma tábua de salvação para o que caminha irremediavelmente para a disrupção.

Tomemos dois exemplos de disruptores já citados.

A simplicidade revolucionária da AirBnB tornou fácil para dezenas de pessoas listar e descobrir opções de hospedagem em residências particulares e reservá-las fácil e rapidamente, e com segurança, mas uma busca por hospedagem na cidade de Nova York revela que mais da metade das reservas disponíveis no site entram em conflito direto com a lei do Estado de Nova York que proíbe o aluguel de espaço residencial por menos de 30 dias. O grande crescimento do impacto da AirBnB tem dado motivo para muita reclamação por parte da American Hotel & Lodging Association na medida em que aluguéis de curta duração continuam a disromper a indústria da hospitalidade. Em voto de apoio e clamor popular, em julho de 2010, a empresa recebeu mais de 300 e-mails de usuários cujos meios de subsistência tinham ameaçado a sua capacidade de manter suas casas devido a dificuldades financeiras da recessão econômica.

Por sua vez, startups de serviço de táxi, tais como a Uber, têm se deparado com a oposição de órgãos reguladores e empresas de serviços de carro locais em San Francisco, Chicago, Boston, Washington, e outros. Nova York inicialmente proibiu Uber e seus concorrentes de lançar um serviço de “e-hail” (chamada de táxi por meio da internet), o que permite que os clientes chamem um táxi do local onde se encontram na rua, e acompanhem a vinda do carro pela tela do seu smartphone. Posteriormente, em Dezembro de 2012, a “Taxi and Limousine Commission” aprovou um "programa piloto" de um ano de duração que vai permitir testar alguns aplicativos em uma área limitada, a fim de garantir uma boa integração com sistemas de pagamento e os regulamentos existentes.

É por essas e outras que a Union Square Ventures, firma de investimentos de capital de ventura liderada pelo blogueiro e investidor novaiorquino Fred Wilson, mantém um “ativista em residência”: Nick Grossman, em parceria com Wilson, vem trabalhando num programa de conscientização de todos os atores envolvidos com o ecossistema de inovação tecnológica dos Estados Unidos que eles chamam de “Regulação 2.0”: “Regulação 2.0 é um arcabouço no qual temos trabalhado com um monte de outras pessoas que estão repensando o que o governo significa em um mundo conectado.” Segundo Wilson, o paradigma regulatório atual é: se você quiser fazer alguma coisa nova você deve primeiro ir aos reguladores e obter permissão para fazê-la. Somente depois de lhe ser concedida a permissão, você pode fazê-la. A ideia é mudar o paradigma para 'você pode fazê-la sem obter permissão de ninguém, desde que você cumpra tais e tais premissas'. E aí então, deixar o mercado adotá-la. Uma vez que o mercado a tenha adotado por um tempo, então regulamentá-la uma vez que tenhamos uma idéia sobre quais são os bons e os maus aspectos dessa coisa nova.

Com o reflexo cada vez maior da cultura peer-to-peer, tão importante no desenvolvimento da internet colaborativa, no mundo real, talvez essa ideia não seja tão inatingível quanto pode parecer à primeira vista.



Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

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