sábado, 13 de julho de 2013

Da Cultura de Ensino para a Cultura de Aprendizagem

Da Cultura de Ensino para a Cultura de Aprendizagem

SEX, 12 DE JULHO DE 2013 19:39

Precisamos iniciar ainda neste século uma reforma de pensamento para que possamos constituir um novo tipo de educação. Temos que tomar consciência de que as tecnologias nos tornarão mais capazes de gerir o nosso processo de aprender. Com o uso adequado delas poderemos desenvolver novas competências para conviver em um mundo em constantes mudanças, já que empilhar conhecimentos não será mais suficiente. Teremos que melhorar nossa capacidade de utilizar o pensamento crítico, a interpretação, a criatividade, a cooperação entre os pares e o auto didatismo.

Pensar a educação das próximas gerações será um dos maiores desafios a enfrentar, especialmente se analisarmos o nosso modelo vigente de escola. Douglas Thomas e John Seely Brown, no livro A new culture of learning, (CreateSpace, 2011), discutem justamente o que precisamos melhorar para que os jovens atinjam o seu potencial empreendedor de aprender, construam mais, descubram sozinhos o que não conhecem, façam boas perguntas e estejam abertos às críticas. Segundo Thomas & Seely Brown, essas características são imprescindíveis para sustentar o arco de aprendizagem de um indivíduo até a sua vida adulta - quando nessa etapa a escola não mais estará presente para apoiar o processo instrucional. Podemos nos perguntar: que elementos têm impulsionado esse processo de transformação nos sistemas educacionais? Vejamos alguns desses elementos.

Aprender a conviver com as mudanças. As habilidades que aprendemos na escola serão insuficientes para que sejamos capazes de lidar com o ritmo de mudanças futuras. Ainda não estamos conseguindo desenvolver as competências necessárias para nos adaptarmos facilmente ao novo. Isto porque, antigamente, uma inovação capaz de gerar uma ruptura de padrões de comportamento era seguida de meio século de estabilidade, tempo este que era suficiente para a readequação de práticas sociais, de trabalho e do próprio processo formal de educação. Por assumir que o conhecimento e as técnicas não mudariam com frequência fazia sentido pautar a escola em modelos de transferência de conhecimento. Todavia, a instabilidade tornará esse modelo insustentável. Aprender a aceitar as mudanças nos força a ser capazes de renovar de forma autônoma o nosso estoque de habilidades. Em palestra intitulada “Cultivating the entrepreneurial learner in the 21st century”, proferida em um evento do Digital Media Learning em 2012, Seely Brown defende que o papel da escola terá mais a ver com tornar as pessoas capazes de se adaptar e a criar constantemente o novo, e menos com o de ensinar o velho.

Valorizar o espírito empreendedor e a busca pela inovação nos ambientes de aprendizagem. A criatividade, segundo Seely Brown & Thomas, é a habilidade de usar os recursos disponíveis de novas formas, às vezes até imprevisíveis, para resolver um problema em um contexto específico. Já a imaginação nos permite pensar, por exemplo: e se isso fosse de outro jeito? Enquanto a criatividade pertence ao campo da solução, a imaginação pertence ao campo da problematização, da desconstrução. São processos complementares que nos levam ao exercício de empurrar as fronteiras do que conhecemos. Se não houver espaço na escola para tais elementos não haverá como desenvolver estudantes com potencial para a inovação e capazes de empreender no seu processo de aprendizagem. A escola precisa se libertar do modelo onde apontar respostas é mais importante do que saber construir boas perguntas. Utilizar-se de uma pedagogia orientada à experimentação e à investigação será uma estratégia muito importante para a escola do futuro. Thomas & Seely Brown citam a necessidade de entender a importância da Web como uma rede conectada e massiva de informação que nos dá acesso praticamente ilimitado para aprender sobre qualquer coisa. Analogamente, pontuam a necessidade de a escola ser um ambiente de aprendizagem estruturado e com limitações, mas onde as pessoas possam experimentar com liberdade total dentro das suas fronteiras, as quais devem funcionar não como um fator limitante, inibidor da imaginação, mas como uma oportunidade para o exercício da criatividade. Mais do que transmitir conhecimentos a escola deverá assumir o papel de cultivar mentes.

Superar o modelo de educação mecanicista. O modelo de escola onde o professor apenas repassa a teoria aos alunos precisa ser revisto. Os jovens também precisam criar coisas concretas, experimentar o mundo e ver o conhecimento escolar fazer parte da realidade. Eles devem poder se questionar: o que eu fiz funciona? É preciso mostrar às crianças como brincar com o conhecimento. Mais uma vez, o estímulo à criatividade e à imaginação possui grande relevância nessa nova construção. Por enquanto, ainda não é algo que a escola tenha conseguido sistematizar. O modelo de fábrica, utilizado para sequenciar os passos do que deve ser ensinado sobre o mundo aos alunos, precisa ser substituído por uma abordagem em que os jovens se engajem com o mundo, o experimente e o questione. Precisamos compreender como transformar a aprendizagem em um jogo entre o conteúdo e o contexto, fazendo com que o ensino rompa os limites da sala de aula e chegue até à família e à comunidade, assumindo assim uma natureza mais ambiental.

Capturar e valorizar o conhecimento tácito. Por causa do intenso fluxo de mudanças, muitos saberes não terão tempo de serem cristalizados em conhecimentos explícitos. A dimensão tácita é um componente do conhecimento que não pode ser verbalizado. É o resultado das interações e ocorre quando sentimos o conhecimento através das nossas experiências. Na nossa cultura de ensino as escolas se concentram no conhecimento explícito. Todavia, como dizem os autores, o século XXI pertence ao tácito. No mundo digital aprendemos fazendo, observando e experimentando. Nós exploramos e criamos conexões até aprender como algo funciona. Aprendemos com o processo, por vezes permeado de falhas, que também são uteis para que aumentemos a nossa pilha de conhecimentos. Não temos muitas teorias ou mecanismos para entender um mundo em constante mudança porque os modelos de aprendizagem se baseiam no conhecimento explícito. Temos que descobrir como a escola poderá ser capaz de capturar o conhecimento tácito através de novos modelos pedagógicos para que possamos utilizar melhor esse conhecimento que está escondido conosco o tempo todo.

Entender o poder das tecnologias como amplificadores da curiosidade, experimentação e auto expressão. O que têm em comum Jeff Bezos, fundador da Amazon.com, Larry Page e Sergey Brin, co-fundadores da Google, Will Wright, idealizador do jogo SimCity, e Jimmy Wales, fundador da Wikipedia? Todos eles estudaram em escolas Montessori, lembra Seely. Estudantes empreendedores são pessoas capazes de criar e experimentar. A escola tende a subestimar o quão importante isso é. Há décadas atrás a intuição de Montessori estava certa, mas o seu conjunto de ferramentas não era adequado, portanto, seus métodos não eram escaláveis. A tecnologia de que dispomos conecta as pessoas e amplifica a nossa capacidade de acessar e utilizar recursos ilimitados. Devemos aprender a tirar mais lições sobre os jogos e sobre a aprendizagem encorpada, resultante da experimentação. Os modos de aprendizagem que têm se revelado nessa revolução digital são diferentes dos tipos de aprendizagem descritos porque o processo parece ser essencialmente invisível. As pessoas têm aprendido sem livros e professores e, mais importante, fora das fronteiras da sala de aula. Através da Internet e das suas ferramentas podemos não só fazer as coisas, mas podemos refazer o contexto e ao fazer isso temos uma dimensão para a criação de novos significados e para o ajuste das nossas lentes conceituais.

O poder do coletivo. O processo de aprendizagem é, na maior parte do tempo, um processo individual e contido, pelo menos da maneira com que fazemos agora. A educação do futuro precisa considerar potencialmente como aproveitar o que as pessoas podem aprender quando estão juntas, inseridas em comunidades que compartilham interesses comuns. Através do melhor aproveitamento da colaboração poderemos criar um novo tipo de cultura que se baseia na aprendizagem entre os pares. A ideia de coletivo defendida por Thomas & Seely Brown não se restringe apenas a um grupo de pessoas com as mesmas intenções, mas, principalmente, pelo seu engajamento ativo com o processo de aprender. No coletivo as pessoas participam para aprender e não apenas para pertencer. Mais uma vez, o papel das tecnologias é o de criar os meios necessários para que tais comportamentos ocorram e para que possamos refletir sobre a nossa identidade e participação nesses espaços. Para os autores há um novo tipo de aprendizagem acontecendo no século XXI. O que está ao nosso redor e em todo lugar é muito poderoso e esses fenômenos representam a nova cultura de aprendizagem. É o que ocorre nos blogs, com todo o seu potencial de produção de informação, cooperação e revisão ou nas comunidades de jogadores multiusuários, como é o caso do que ocorre no game World of Warcraft, onde milhares de informações e estratégias são produzidas diariamente.

O principal desafio de pensar uma escola diferente é justamente quebrar os velhos paradigmas. Refletir como aproveitar de novas formas o potencial das mídias digitais e das redes de informação é desafiador, visto que temos que encontrar o equilíbrio entre dois mundos distintos, um repleto de liberdade e outro que requer mais estrutura. Mas, precisamos de novos espaços de aprendizagem que utilizem as tecnologias como forma de os estudantes serem mais livres para criar, questionar e aprender com os colegas. Esse exercício poderá fazer com que os alunos descubram seus interesses, suas paixões, e que estes se encontrem no universo dos conhecimentos escolares. Precisaremos definir outras formas de medir e avaliar, que levem em conta o resultado gerado pela colaboração entre os pares. Mesmo não sendo fácil, será o melhor caminho que temos a seguir se realmente estivermos dispostos a fazer com que a escola possa contribuir para que os jovens desenvolvam novos comportamentos e, consequentemente, as competências desejáveis para um cidadão do século XXI.



Pasqueline Dantas Scaico, Doutoranda, Centro de Informática da UFPE e Ruy José G. B. de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

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